“As bandas estão percebendo que tem que pensar as redes sociais não só como um repositório de conteúdo” diz Thabata do Ouça MI
Que a internet tem um papel incrível na hora de divulgar seu trabalho, a gente nem mais duvida. Esse mundo de possibilidades de gravar um disco com menores custos – e direto de casa – revolucionou e ainda revoluciona o jeito de produzir e consumir não só música mas como conteúdo. Através da interatividade a velocidade da informação voa.
Mas foi justamente da conexão entre a rua e o mundo digital que pude conhecer a produtora cultural Thabata Lima Arruda. Mas vamos por partes. Era março de 2016 quando conversando com a publicitária Thais Olivares (Pulga) idealizamos o que seria o projeto Ruídos Urbanos.
A ideia do Ruídos Urbanos surgiu de musicar a cidade e trazer alegria para quem passasse com playlists que captassem a atmosfera do bairro – e de quebra tirassem o stress da vida corrida de uma metrópole tão ligada nos 220v como é São Paulo. Esse foi o rascunho da ideia da Pulga que veio conversar comigo do que achava sobre.
De certa forma ao ouvir surtei e vi que poderíamos ir além. Mostrar não só sons “good vibes” e sim usar essa ferramenta como algo mais forte e que conversasse com a realidade das bandas – e artistas – que víamos em diversos cantos da cidade e que o apoio ainda é aquém de mega shows de artistas estrangeiros.
Meu interesse não só por música independente estava aumentando, mas a curiosidade pelo trabalho dos selos independentes e seu trabalho – quase invisível – para quem não é muito próximo do cenário. A partir disso com ajuda de amigos e pesquisando por horas em tudo quanto é ferramenta, cheguei a 53 selos independentes da cidade de São Paulo. Sim, tivemos que fixar em apenas uma cidade afinal de contas se fossemos abrir o leque para cidades da grande SP ou outros estados, o trabalho seria eterno.
Uma das maiores surpresas foi descobrir a diversidade de artistas, estilos musicais, modelos de negócio e estratégia segmentada que cada selo tinha. Alguns mais focados no modelo tradicional, já outros como net labels ou vinculados a um ou outro determinado estúdio – ou blog.
Claro que a partir de um momento achamos que não seria justo realizar todo esse trabalho de curadoria e deixar de fora bandas que não tem associações ou vínculos com selos e eles ganharam espaço no projeto da forma que mereciam.
A Mecânica do Ruídos Urbanos
Através de adesivos, distribuímos as playlists geradas no Spotify. Cada bairro tem um selo ou um conjunto deles em sua playlist. O projeto também conta uma outra playlist de artistas que você precisa conhecer.
Afinal de contas, São Paulo possuí diversos movimentos, coletivos e cenas musicais.
Ao longo das 15 playlists localizadas em bairros de norte a sul da cidade distribuímos 53 selos independentes.
Resultando em:
– 738 músicas,
– 726 artistas,
– 2843 minutos,
– 47,383 horas,
– 1,9743 dias de playlists
* Curiosidade: 01 Ipod shuffle de 2 Giga armazena aproximadamente 500 músicas.
Além das 14 playlists divididas por selos, temos mais uma. A da Rua Augusta, nela não há obrigatoriedade dos artistas terem vínculo com selos.
A Ação
Espalhamos adesivos feitos de “lambe-lambe”(técnica utilizada usualmente por artistas de rua ou bandas) por 15 localidades de São Paulo. As artes do Ruídos Urbanos podiam ser encontradas em bairros como Penha, Pinheiros, Perdizes, Santana, Liberdade, Itaim, Bom Retiro e muitos outros.
Além dos adesivos espalhados pelas ruas de São Paulo, o projeto Ruídos Urbanos possui um Tumblr, onde pode ser encontrado uma curadoria de 119 casas de shows que recebem os shows independentes. Ele serve como um guia tanto para o público saber onde acontecem os eventos, como para as bandas saberem onde podem bater na porta para, eventualmente, mostrar o seu som. Veja em: http://ruidosurbanosbr.tumblr.com/
Spotify: Instagram: http://instagram.com/ruidos_urbanos
Tumblr: http://ruidosurbanosbr.tumblr.com/
Facebook: https://www.facebook.com/ruidosurbanosbr
Projeto Cinese
Tudo isso para contar como conheci a Thabata. De certa forma foi algo inesperado mas muito bacana. O projeto na rua, durou 6 dias de execução e no terceiro dia fomos para a Penha. Colamos alguns lambes na estação de metrô e nos pontos de ônibus da região. Sim, levamos um projeto da internet para a rua. Mesclando o universo conectado com o offline que a maioria das bandas passa quando cola seus “lambes”.
Um dia Thabata indo para o trabalho viu um dos cartazes e decidiu pesquisar sobre. No fim daquele dia recebo uma inbox com o convite para palestrarmos no Projeto Cinese. Este que na época ela estava organizando no Centro Cultural da Penha, onde até então trabalhava.
Na euforia preparei uma apresentação, arranjei mais alguns cartazes, e contactei a Débora Cassolatto (aka. Debbie Hell), Dija Dijones (Loyal Gun, Penhasco, Howlin’ Records), Anna Helena Rainere (Brasil 2000) para participar da mesa de discussão.
Foi um dia especial, não só por conhecer e saber mais sobre a trajetória da Thabata ou apresentar o Ruídos Urbanos para um público interessado mas por fazer conexões com pessoas especiais. Como o João Ferreira Perreka (que foi o mestre de cerimônias no dia), Raul Zanardo e Bruno (Dum Brothers), Edu Sereno, Debora Castro, conhecer pessoalmente a Roberta Martinelli, assistir shows e conversar com novos talentos da música brasileira procurando seu espaço. Cada um com algo a agregar e precisando urgentemente se unir. Foram ótimas conversas, debates e aprendizados.
Ouça Música Independente
A partir de outras conversas com a Thabata pude conhecer depois de um tempo mais sobre sua trajetória em organizar, promover festivais e escrever sobre música. Soube que ela já não trabalhava no Centro Cultural da Penha e sim agora no SESC. E que estava animada com seu novo projeto, O Ouça Música Independente.
Um novo blog mas com uma estrutura e organização que me surpreenderam desde os primeiros meses do projeto. Ela traz um olhar bem amplo e explora diversas mídias para chamar a atenção para o conteúdo. Por mais no começo que esteja, ele já merece entrar no seu feed de notícias. Inclusive está começando um podcast e isso é muito animador. Temos que prestigiar mais outras iniciativas, e o Hits sempre vai estar aberto para esta troca de informações. Confira o bate papo!
[Hits Perdidos] Pude conhecê-la apresentando o Ruídos Urbanos e depois descobri que você tem uma trajetória super interessante com a música.
Thabata Arruda: “O hábito de ouvir música veio muito dos meus pais. meu pai sempre investiu em bons rádios, prezava por isso, ele apresentava um programa em uma rádio local, fui criada em Salto – SP, junto com meu tio. eu o ajudava a organizar as fitas k7 para criar os sets. minha mãe era muito mais da cantoria pela casa, ela gosta de Milton Nascimento, Chico Buarque, Bee Gees, e me mostrava as letras nos encartes. Mas o interesse maior veio quando aos 7 anos fui estudar no Conservatório Municipal. Estudei canto-coral, piano, ballet e teoria musical, fiquei quase 9 anos da minha vida lá.
Ouvia muita música, estudava, tinha o lado da obrigação, porque existiam provas, mas era prazeroso. A regente contava quem era Vinicius de Moraes, Bach, Bethoveen, todos os grandiosos. Foi importante demais, mas na adolescência conheci o rock e tudo mudou. Tive uma banda que durou um show, ia em todos os rolês podres de banda lá de Salto (SP), achava importante estar por dentro das coisas e tudo mais. E junto com tudo isso veio a internet, o MySpace e me tornei uma ratinha em buscar bandas diferentes e que ninguém conhecia. Passava horas fazendo isso e já criando blogs e escrevendo sobre música.
Em 2011 estava morando em Sorocaba, estudava Geografia, na UFSCAR. Depois de ter contato com eventos dentro da universidade senti vontade de ter autonomia de empreender meus próprios eventos, com as bandas legais que eu curtia, somado a isso enxergava a escassez de coisas acontecendo naquela altura. Bandas surgiam e rolês para tocar diminuía, principalmente no interior.
Aí, criei um blog e passei a divulgar eventos do interior só, dei o nome de Coletivo Sumo Cultural. Ele nunca foi de fato um coletivo, pois na maior parte do tempo era eu sozinha, mas tive vários colaboradores ao longo dos 3 anos de existência.
Depois do blog, senti a necessidade de criar de fato as coisas e o primeiro grande rolê foi um festival em 2012, lá em Salto. Consegui apoio da prefeitura então a estrutura foi massa. Depois disso, viciei, produzi e planejei pequenas rotas pras bandas, passei (e sobrevivi ao) pelo Fora do Eixo, passei a criar conexões entre shows e bandas de outros estados, colaborava nos eventos dos parceiros e amigos que foram surgindo, aprendi muito, e errei muito, demais.
Aí, em 2013, produzi, como aluna da UFSCar e produtora da Sumo Cultural, o Festival UFSCar Votorantim de Música, na cidade de Votorantim, e de tão certo recebemos, naquela altura haviam colaboradoras no Sumo, convite da secretaria de cultura para criar um projeto. Nasceu o Cinese.
Em 2016, já em São Paulo, fiz uma edição, mas empreender eventos com o caráter do Cinese, que é apoiar/divulgar a cena independente, por aqui é difícil. Burocrático. Moro em SP há três anos e sinto dificuldades em pensar eventos, pois existem tantos. Apesar de achar ao mesmo tempo que tem lugar para todos. Mas estando aqui, consigo enxergar a pluralidade de possibilidades em contribuir com a cena.“
[Hits Perdidos] Como enxerga a evolução do Projeto Cinese? Planeja fazer mais edições?
Thabata Arruda: “De Votorantim (SP), cidade natal do projeto, até a edição de SP, muita coisa aconteceu e deixou de acontecer. A edição do ano passado foi épica para mim, por conta dos convidados que consegui angariar.
O Cinese nasceu da maneira como ele foi apresentado, com palestras, oficinas, alimentação, shows e expos. Em Votorantim (SP) ainda não tínhamos alçada para botar em prática aquele formato. Em 2016, no Centro Cultural da Penha, teve a possibilidade. Teve Roberta Martinelli palestrando, outros produtores, teve o Hits Perdidos, apresentando o projeto Ruídos Urbanos, que descobri na rua. Foi bem bacana! Não sei se sinto vontade de produzir algo daquele formato. Hoje não.”
[Hits Perdidos] Para você o que é ser independente?
Thabata Arruda: “Ter autonomia sobre tuas escolhas, tuas ideias, desde a criação até a difusão da mesma. E isso não tem nada a ver com a linguagem. Pode ser qualquer uma. O importante é entender a complexidade de se transmitir as ideias e respeitar isso.”
[Hits Perdidos] De onde surgiu a inquietação para criar o Ouça Música Independente
Thabata Arruda: “Depois do Cinese eu passei por diversas coisas na vida e a inquietude para se criar algo, falar sobre o que gosto, que é música, que é essa coisa doida que é o movimento da cultura independente, vinha latente. Mas sempre caía naquela de: “Ah, mas o que dizer? Tem o que dizer ainda? Para quem dizer? Por que insistir em dizer? Sabe?” Aquele desânimo prematuro até. Porque eu não tava a fim de produzir mais. Mas não queria sair do meio disso tudo.
E sou muito metódica para botar uma ideia pro universo, sempre fui. É chato demais. Fiquei semanas pensando em um nome e me recordei dessa hashtag que criei durante o Festival da UFSCar, era para alguma promo, sei lá. E passei a usá-la em muita coisa de eventos e etc. Pensei: pq não? Tenho gostado muito desse nome e do que ele remete, do que ele sugere. É uma ideia, né? Não só um nome.”
[Hits Perdidos] O blog mesmo que ainda no começo possuí diversas ideias e trabalha bem o espaço interno. Com conteúdos interativos como playlists curiosas, textos críticos e informação. Como é o processo criativo e a procura por pautas?
Thabata Arruda: “A brisa principal do Ouça MI é usar a música como protagonista. E utilizar como foco a cena artística independente. No caso das pautas de textos tento não pensar muito, apesar de pensar (risos). Não sei se tenho processo criativo. Bem, no caso das playlists tento sempre pensar em coisas bem pessoais, hábitos meus que coloco música, farei uma playlist para asmáticos, em breve. Se me chama a atenção a ponto de me fazer escrever, boto lá no site. A minha ideia é que o OuçaMI seja um site que sirva de consulta sobre a música independente, sei lá, pensando de maneira mais ousada (risos). Não sei responder essa pergunta (risos).”
[Hits Perdidos] Você agora planeja começar um programa de rádio no estilo Podcast. Como tem enxergado esse desafio e quais possibilidades pretende explorar neste formato?
Thabata Arruda: “O maior desafio é se ouvir e se deixar fluir. Acho minha voz super grave, estranha. Mas normal esse tipo de sensação. Estou na parte do processo de fazer pilotos. Quero que seja bacana, claro. Vai que alguém ouve, né.”
[Hits Perdidos] Você trabalhou no Centro Cultural e agora no SESC. De uma forma ou outra sempre próxima dos artistas. Isso te ajuda a conhecer nova música todo dia?
Thabata Arruda: “Total! No Centro Cultural da Penha, eu era responsável pela arte gráfica e diagramação do caderno de programação, portanto eu acabava pesquisando todos os artistas que estariam ali. No SESC é o mesmo processo, vejo a programação e gosto sempre de escutar o que estará lá naquela semana.”
[Hits Perdidos] “Vendo a música do lado de dentro de instituições tão profissionais, acredita que as bandas independentes ainda pecam na organização e profissionalismo?
Thabata Arruda: “De modo geral melhoraram muito. Hoje em dia você acha e-book pra tudo quanto é coisa na vida. Como fazer um bom presskit, um bom release, organizar um clipping, as bandas estão percebendo que tem que pensar as redes sociais não só como um repositório de conteúdo, mas sim como um material de engajar pessoas em sua música, e no que você se propõe a dizer ali, entre outras mais dezenas de coisas, que sempre foram importantes, mas que só agora estão tendo o devido cuidado.
As que ainda pecam, tento pensar que por não se levar a sério. Que não é errado também, ué. Cada sabe a prioridade que dá aos seus projetos. Nossos resultados são proporcionais a quantidade de trampo que damos nas coisas que queremos. Por outro lado também, no quesito coisas burocráticas como SESCs, prefeituras e editais, essas sim, são coisas ainda obscuras para muitas bandas, e até mesmo produtores, e são informações menos difundidas quanto outras que citei.”
[Hits Perdidos] Quais shows mais te marcaram?
Thabata Arruda: “Aos 15 anos vi um show da Pitty, em Sorocaba e isso fudeu, no bom sentido, com a minha vida. Ver uma mina fazendo tudo aquilo em um puta de um palco gigante. Ali, eu saquei o que era representatividade, se pá.
Eu sou muito fã do Oswaldo Montenegro, sério. Fui em um show dele com a minha mãe há uns dois anos atrás, em Jundiaí. E foi lindo demais. Chorei horrores. Ele é formidável!”
[Hits Perdidos] O machismo dentro do mundo da música infelizmente ainda impera. Porém temos muitas musicistas talentosas que vem quebrando todo esse sistema. Quais gostaria de destacar do atual cenário brasileiro?
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=amgAI0-vj3U&w=560&h=315]
Thabata Arruda:
- Banguela Records. Importantíssimo! Todos têm que ver. Ricardo Alexandre traçou uma linha cronológica foda da música independente dos anos 90 a partir do selo Banguela Records.
- The Punk Singer – Riot grrrl e Kathleen Hanna!
- Alive Inside, tem no Netflix, fala sobre o uso da música no tratamento de Alzheimer dentro de um asilo. É genial.
[Hits Perdidos] Se pudesse montar um festival sem pensar em custos e em toda dor de cabeça. O que não poderia faltar?
Thabata Arruda: “Cachê para todas as bandas.”
Playlist Exclusiva feita para o Spotify do Hits Perdidos
Para fechar essa papo musical pedi para a Thabata preparar uma playlist com artistas que merecem serem mais ouvidos e que estão aí lutando por sua espaço para serem ouvidos. Ela selecionou 20 artistas e a lista é riquíssima e mostra muito do momento atual da música independente!
Com direito a Mulamba, Deb And The Mentals, Tássia Reis, Flora Matos, Rincon Sapiência, Os Mulheres Negras, Paula Cavalciuk, Cidade Dormitório e Bruna Mendez. Aumente o Volume e Ouça Música Independente!