“A gente tem um fluxo muito grande de material pra ouvir e cada vez menos tempo” diz editor do Hominis Canidae
Se você se interessa por música independente nacional com certeza em algum momento de pesquisa por sites, acervos e festivais já se deparou com o Hominis Canidae por mais que tenha dificuldade em escrever o nome do portal.
Amado por fãs de música, músicos, e há 8 anos na ativa o site é um dos principais veículos citados e respeitados por jornalistas, assessores de imprensa e selos independentes do país. Claro que não é unanimidade como Diego Albuquerque – um dos criadores e editores do site – irá contar em entrevista concebida para o Eduardo Santana (Cérebro Surdo Produções / Penhasco / Howlin’ Records).
Desde sua fundação, que se confunde com as comunidades incríveis do orkut onde encontrávamos discografias completas de artistas, muita coisa aconteceu. Mas a missão da entidade Hominis Canidae nunca cessou.
A forma como se consome música também mudou, dos programas como kazaa, limewire, soulseek, Emule de outros tempos…para a realidade dos serviços de streaming como Youtube, Deezer, Spotify, Bandcamp e Soundcloud. Mas algo não mudou: o interesse em conhecer e estar a par do que está acontecendo.
Conforme o tempo foi passando o Hominis também passou a organizar festivais em várias cidades do Brasil através das iniciativas HC Apresenta e UIVO. O envolvimento com a música é algo natural e mensalmente os membros do HC preparam um apanhado com o que mais gostaram de conhecer naquele período. Batizadas de #Coletas já foram feitas #85 e a intenção é não parar, inclusive a capa de cada uma é realizada por um designer ou artista plástico diferente. O que deixa a ideia ainda mais colaborativa e ajudando mais artistas a ter seu espaço. Algo louvável. Confira o bate papo!
[Eduardo Santana] Desde a fundação do blog em 2009 até hoje, o quê na visão de vocês mudou na música independente nacional tanto em termos de produção como em termos de consumo por parte do público?
Diego Albuquerque: “Em termos de produção tá cada vez mais fácil de gravar em casa né? Isto inclusive ajuda a explicar como o rap cresceu nos últimos anos. A princípio você só precisa de um note e de um microfone ok, o resto se desenrola a partir dai. Eu sou do Nordeste, sou classe média quase baixe (ou baixa, sei lá), a questão é que não tenho grana, então nem sempre tive acesso a essas tecnologias todas e internet rápida.
E é tudo muito cíclico e os ciclos que antigamente eram de 20 anos, hoje em dia são mais curtos. Eu acredito que em 5 anos, a mentalidade do público consumidor de música já muda, principalmente a galera que vai em shows e eventos. Com a internet, essa geração “Tem wifi” tem acesso a tudo do PC / Note e celular. Então rola todo aquele comodismo de ir atrás dos sons, acaba que geral fica igual a como era o consumo de música nos anos 90. Ou seja, todos dependentes na época da rádio jabá e tv idem e hoje em dia de serviços de streamings bastantes duvidosos.
A questão massa é que a internet dá as duas possibilidades pro público, tanto escavar e encontrar coisas novas como ficar na superfície sendo alimentado pelos outros. Antigamente era bem mais foda escavar. Mas em geral, a livre demanda é alimentada e segue a cabeça dos outros. Não sei nem se esse é o “público” do blog, mas falando da maioria, o processo é o mesmo dos anos 90, só mudou a ferramenta.”
[Eduardo Santana] São mais de 7 anos disseminando música alternativa, o quanto isso interfere na vida de vocês? E hoje vocês vivem do Hominis Canidae?
Diego Albuquerque: “Bicho, interfere na vida no acesso a novos sons, a gente tem um fluxo muito grande de material pra ouvir hoje em dia e cada vez menos tempo. Então é foda falar como não interfere. Mas eu escuto música pra quase tudo, então pra mim é “de boas”. Por que eu consigo fazer várias coisas ouvindo música ao mesmo tempo, ai facilita. De maneira geral, o blog é alimentado por duas cabeças e várias outras através do e-mail e redes sociais. Como a ferramenta do blog nos permite, vez por outra agendamos o mês todo em um dia e nem olhamos mais o blog ao longo do mês. (risos).
Sobre viver do hominis, ninguém vive de trampo na internet. Tanto que a galera aceita entrar em roubadas como o projeto dos embaixadores do Spotify, por exemplo. Existe uma crise estabelecida na critica cultural e nos portais e sites, que é o fato de não conseguir transformar o seu trampo em dinheiro (me refiro equivalente a quantidade de trampo que você tem). Dai vem o spotify e da uma conta premium e um “quem sabe um dia” entre alguma grana com algum de nossos parceiros e todo mundo embarca sorrindo nessas promessas vazias. E não sei nem se o nada pop/ hits perdidos (seus parceiros) entrou nessas, mas o contrato é um lance bizarro onde você deve fazer tudo pro spotify e a contrapartida deles é mínima (a tal conta premium), que nem é cara. Saca?
Se por um acaso aparecer um contratante parceiro, o que vai acontecer é um leilão entre os sites dos embaixadores e o menor preço deve levar, saca? Acaba virando um trabalho escravo 2.0 e é bizarro entrar numa dessas tendo toda a informação do mundo ao alcance dos dedos e dos olhos.
Mas voltando pra nossa realidade, o lance financeiro que fazemos é tirar porcentagem dos eventos e vender material próprio e assim pagamos o site do hominis e não tiramos do nosso bolso. Tamos pensando em fazer outra camiseta, com a arte que o Flávio Grão fez pra uma de nossas coletas mais recentes, pra quem saber pegar uma conta premium no mega e mediafire, quem sabe até bandcamp, acho que iria ajudar muito no projeto de disponibilizar música na web.”
[Eduardo Santana] O que Hominis Canidae trouxe de positivo e o que trouxe de negativo para vocês ao longo desse anos?”
Diego Albuquerque: “Eu não costumo guardar coisas negativas não, então realmente não sei o que me trouxe de ruim. De positivo: eu conheci minha esposa por conta do blog, conheci infinitas bandas, pessoas, eventos, tecnologias, etc. Escrevi e ainda escrevo vez por outra pra uma galera, coisa que eu não fiz curso de jornalismo pra fazer, mas sempre fiz no DIY. Então pra mim é bem legal ter tido a ideia de por isso na internet, mesmo que nunca tenha pensado que iria chegar tão longe.”
[Eduardo Santana] Desde os tempos de Orkut você(s) não curtiam aparecer muito. Dito isso, Hominis ainda é um cachorro ou hoje em dia as pessoas te reconhecem nos rolês?
Diego Albuquerque: “Hoje em dia a galera sabe pelo menos quem são os dois que sobraram no blog. Eu (Diego) e o Paulo Marcondes (do altnewspaper), etc. Mas nunca colocamos nossa imagem vinculada a do blog por que a ideia inicial era do Hominis ser uma espécie de entidade. Tanto que costumo dizer que todo mundo que curte música brasileira independente, seja ouvir, seja disseminar, compartilhar, etc, é Hominis Canidae. Por que nós não fazemos o blog sozinhos, pelo menos metade das postagens mensais são retiradas do e-mail do blog, só pra dar um exemplo.”
[Eduardo Santana] A nossa geração usava o soulseek e baixava discos como se não houvesse amanhã. Com o lance das plataformas de streaming (levando em consideração o Youtube), você acha que esse comportamento mudou? E essa nova geração descobrindo música encosta ali no Hominis pra sacar bandas?
Diego Albuquerque: “Eu acho que quem curte procurar e conhecer coisa novas, ou tem vários serviços de streamings diferentes ou vive uma mentira, se não sai deles pra sacar outras coisas. O Youtube é o maior site de streaming do mundo, todo mundo tem que estar lá de uma maneira ou de outra e lá meio que funciona também no garimpo, então lá é mais ou menos a mesma ideia do kazaaa e soulseek da vida. Por mais que existam as mixs e etc, você acaba escolhendo se quer ou não ouvir.
Eu acho que quem cola no hominis pra baixar som é a mesma galera que procura no soulseek e que cola em show de banda pequena da cidade deles e das outras cidades. E como eu já disse, tudo isso já existia antes, zinismo, troca por cartas, fita k7 gravada, etc.”
[Eduardo Santana] De uns tempos pra cá vocês começaram a realizar eventos como HC Apresenta e UIVO. Como tem sido e o que vem pela frente?
Diego Albuquerque: “Antes do hominis eu já produzi e ajudei na produção de alguns shows de hardcore e coisas undergrounds em Recife, então pra mim foi um caminho natural tirar da web e levar pra vida real. A ideia do HC Apresenta nasceu pra levar bandas novas a lugares que nunca foram, por exemplo: este mês to trazendo pra Teresina Vitor Brauer, Jonathan Tadeu e Fernando Motta, que nunca pisaram por aqui, em um HC Apresenta, o primeiro que rola por aqui.”
Não que só role bandas novas em lugares que nunca foram. O primeiro HC Apresenta, por exemplo, foi o Eu Serei a Hiena tocando o “Hominis Canidae” na íntegra depois de um tempo sem tocar na antiga casa do mancha, querendo ou não “apresentamos” pra uma galera o disco ao vivo no evento.
A ideia dos eventos é fazer com que a galera que curte o blog e ouve os sons em casa saia de casa e vá sacar ao vivo como a coisa funciona. Assim interage com outros fãs de música e quem sabe até se instiga a criar uma banda.
O UIVO foi um passo natural do HC Apresenta, um festival curatorial desenvolvido por nós, que já rolou em João Pessoa, Recife, São Paulo, Maceió e espero fazer esse ano de novo em Recife e quem sabe em SP pelo menos. Quem sabe até alguma cidade nova que nunca rolou, até o HC Apresenta.
Seria massa realizar um HC Apresenta em cada capital do Brasil, seria foda. Um UIVO também. Tudo isso em parceria, o lance é o mesmo do blog, se vocês fazem o blog mandando material também podem organizar o role.”
[Eduardo Santana] De vez em quando, recebo mensagens de pessoas me pedindo autorização para utilizar alguma música que já gravei, seja em filmes, em documentários, até mesmo em aulões para concursos eu já recebi (o que achei muito legal). A minha resposta é sempre a mesma: use como se fosse sua, não precisa me pagar nada, apenas use a música.
Eu penso que a música, uma vez gravada, é de quem ouve. Não me pertence mais. É a mesma resposta que dou a quem me interpela para saber o que quis dizer com determinada letra…” Texto do Beto Cupertino sobre sua música tanto no Violins como em outros projetos. O que você pensa em relação à música nesse sentido? E vocês já tiveram problemas com artistas daqui sobre disponibilizarem algum disco?
Diego Albuquerque: “Cara, eu acho o Beto um puta letrista, pra mim ele é o melhor da minha geração. Ele consegue falar o que o Los Hermanos fala e o que o Cólera fala também. Isto é foda. Pode ser que seja muito rebuscado e os discos da Violins muito parecidos, mas como letrista ele é foda. Eu eu acho massa ele ter esse tipo de pensamento e corroboro, porque todos os discos do Violins e o dele solo rolaram pra download no Hominis.
Sobre ter problema, nada juridico rolou, mais mimimi normalmente de produtor ou selo, quase nunca dos artistas. Na real, os músicos e bandas quase que 100% são a favor do blog. Pelo menos aparentam ser. Mas sempre que pensarmos diferente do normal, vai ter gente achando massa e gente sendo contra, é normal e benéfico pra mudança. Unanimidade é uma merda.
Quando começamos a postar discos no primeiro dia do ano e no primeiro mês do ano, ninguém usava janeiro mercadologicamente para lançamentos. Deu certo com a Burro Morto da Paraíba, deu certo com o Siba de Recife, hoje em dia janeiro é cheio de lançamentos, inclusive no primeiro minuto do dia já tem post. A galera nem espera acabar os fogos pra inaugurar a tag do ano. E quando fizemos isso a primeira vez lógico que teve gente que chiou, do mesmo jeito que aplaudiu. Mas parece que tínhamos razão.
[Eduardo Santana] Em Junho de 2017 vocês soltaram a coletânea mensal #coleta85. Como funciona o setlist? Vocês selecionam tudo que curtiram no mês e há um limite para o número de tracks?
Diego Albuquerque: “As coletâneas são o resumo mensal no blog. Escolhemos os sons que mais gostamos e metemos um single ou faixa inédita de alguma banda legal pra fechar a mixtape com algum ineditismo. Tem também as artes de capa, que é um trampo visual além do sonoro, quase nunca repetimos o artista, várias pessoas de diversos locais do brasil, gente inclusive já profissional deste ramo de designer/ pintura, pediu pra fazer capa e isso nos deixa muito feliz. A ideia é a mesma, dar espaço para galera mostrar sua arte, seu traço, e divulgar o trampo de alguém todo mês. A capa da #coleta85 foi feita pela artista autodidata Stephany Christyne, de Recife.
Esse ano praticamente já temos artes até o fim, isso é massa e quase nunca acontece, mas parece corroborar com quão legal é o trampo.”
[Eduardo Santana] Pra você, quais 10 melhores discos que você ouviu em 2017 até o presente momento?
Diego Albuquerque: “Bicho, to casado, tenho dois filhos e procurando dinheiro onde aparecer, então não posso falar do ano (ainda), como um profundo conhecedor, mas seguem os 10 discos que achei mais legais que postamos no blog pra download (já são mais de 200 trampos de 2017), sem ordem de preferência:
Thiago Elniño “Rotina do Pombo”
Trio Repelente “Ao Vivo Pra Ninguém”
Sabine Holler “Mother Of Transition”
Melies “Ephemeris” * Intervenção do Editor* – “Ephemeris” teve Premiere no Hits Perdidos
Juliana R “Tarefas Intermináveis”
Sites de Fantasmas “Quais São Os Verdadeiros Monstros da Meia-Noite”
[Eduardo Santana] Agradeço muito pela sua atenção. O que vocês fazem é de uma importância para a música alternativa e desde os tempos de Orkut e Myspace sou máximo respeito pelo que fazem. Muito obrigado. Torço para que a música conduza suas vidas e dos seus numa caminhada linda e elegante. Espaço é livre!
Diego Albuquerque: “Opa cara, obrigado pelo espaço, é sempre interessante que ainda role gente interessado em ouvir o que a gente tem a dizer. Sdds do orkut, melhor rede social. Agradecemos pelo espaço, o blog segue ativo enquanto tivermos condições de disponibilizar sons por lá.”