O mergulho profundo nos anos 90 do debut do Teen Vice (EUA)
Conheci a May Dantas ainda nos tempos de The Fingerprints e cheguei a ver lá em 2014 alguns shows. A energia era um punk rock cru e com o tom visceral de bandas como Hole, The Distillers, The Muffs e Bikini Kill. Pouco tempo depois a banda entrou em hiato, já que May acabou se mudando para Nova Iorque.
Era uma nova etapa e um novo recomeço repleto de desafios, e claro que a paixão pela música ia continuar correndo em suas veias. Imaginem o desafio de mudar de país, encontrar uma cultura e indústria totalmente diferentes e se adaptar. Não é tão fácil assim. Ainda mais indo para uma das maiores metrópoles do mundo.
E não demorou muito para que já encontrasse “sua gangue”. A alguns meses atrás até tocou na programação do Hits Perdidos na Mutante Radio o single “Out Of Excuses” do seu novo projeto TEEN VICE.
Mas antes de falar sobre o som do grupo gostaria de apresentar o background de cada membro do grupo já que o passado é riquíssimo. A banda é formada por Tammy Hart (guitarra, vocais), Joshua Ackley (baixo, vocais), May Dantas (guitarra, vocais) e Derek Pippin (bateria).
A vocalista e guitarrista Tammy Hart começou sua carreira ainda nova – ainda nos tempos de escola – na Carolina do Sul. Quando ela assinou com a Mr. Lady Records e excursionou como banda de apoio do lendário Le Tigre. Com 18 aninhos ela lançou seu primeiro álbum, No Lights In August, que foi bastante elogiado pela crítica especializada. Na época para terem uma noção ela chegou a fazer turnê com bandas do calibre de Sleater-Kinney, Indigo Girls, The Butchies e muitas outras.
O que fez com que ela se mudasse para San Francisco (CA) onde acabou formando a banda de post-punk GangWay!, esta que contava com membros dos já conhecidos No Age. Mas ela não parou por aí, logo se mudou para Nova Iorque onde teve outras duas bandas Winning Lookes – nesta teve um single gravado por ninguém menos que Kathleen Hanna em sua casa – e Making Friendz que teve material lançado pelo selo Last Bummer Records. Em 2009 ela entrou para o MEN, que aqui no Brasil tem uma legião de fãs, esta que conta com JD Samson.
Já Joshua Ackley começou sua carreira sendo membro e frontman – ao lado de Derek Pippin – na banda punk nova iorquina The Dead Betties. Tendo uma rápida evolução no quesito gravadoras saindo das mais indies e assinando um contrato com a gigante Warner Music. Ali lançaram seu segundo álbum – e primeiro no selo – Nightmare Sequence, este que teve o single “Hellevator” chegando a estrelar nas telinhas da MTV, M2 e VH1. O que fez com que excursionasse não só nos limites dos EUA como fizesse turnês internacionais. Após seis álbuns a banda entrou em um longo hiato, reduzindo muito seus shows e lançamentos.
A carreira do batera Derek Pippin começa aos 19 quando se muda para Nova Iorque com Ackley para tentar viver de música. Tendo tocado por muito tempo com o The Dead Betties eles também era compositor das letras da banda. Já que é multi-instrumentista, ele chegou a tocar em diversos projetos como Fur Cups for Teeth, Boogie Brains, Sped, The Kickstarts, The Baddicts, Tight Chocolate, the Buybacks entre outros. Ele ainda comanda a casa de shows underground Divine (localizada em Bushwick) e tem carreira solo.
Mas vocês devem estar se perguntando mas como eles se conheceram? A resposta é a mais simples possível: em um show. Mais precisamente Hart, Pippin e Ackley se conheceram excursionando, em um show em Berkley (CA), no lendário clube de punk rock 924 Gillman.
A Indústria Fonográfica Americana
Devidamente introduzidos ao background do grupo nova iorquino, podemos tentar fazer um check-up para dizer como essa fusão de músicos experientes faz a panela do som do novíssimo TEEN VICE. Estando na ativa desde o ano passado eles lançaram os primeiros singles no começo do ano o que explica um pouco como a indústria fonográfica americana funciona.
Diferentemente do Brasil onde uma banda dá a cara a tapa e lança seu material por conta própria, o mecanismo lá funciona diferente. Tão quebrados quanto as bandas daqui a realidade é similar – por mais que os instrumentos tenham um custo bem mais abaixo – e é complicado pagar horas de estúdio, gravar, mixar e masterizar com os “caras” sozinho.
Então por lá eles trabalham pensando no “single perfeito” e daí começa a correria de ficar em cima de todos os selos possíveis que a banda acredita que seu som tenha alguma chance. Acordo feito a parceria acontece de fato, o selo é parceiro e dá todo suporte para a banda ter a possibilidade de crescer, tocar nos lugares cobiçados, assessoria de imagem e imprensa, coordenar parte da carreira do artista e participar dos custeios de todo processo.
Para quem vive por aqui isso “praticamente não existe” ou é raro mas a visão por lá é algo muito mais favorável a um artista ter mecanismo para crescer de fato e não ficar preso nos porões tocando para 15 gatos pingados para sempre. O corre e a mentalidade são os mesmos, são garotos e garotas com o mesmo sonho e querendo viver de música. Ninguém é menos especial ou diferentão que ninguém.
O Som
Ouvir o primeiro disco full-lenght do TEEN VICE é uma viagem muito gostosa pois passeia por uma porrada de projetos incríveis dos anos 90 como The Breeders, Sleater-Kinney, Hole, Pixies, Mazzy Star, My Bloody Valentine, Slowdive, Garbage, Le Tigre e de outros grupos de outras épocas como o The Subways (00’s), The Oh Shees (’10), Sheer Mag (’10), Fleetwood Mac (’70), Dum Dum Girls (’10), Ramones, Joan Jett, Wire (’70), Jacuzzi Boys (’10), Siousxie And The Banshees (’70), Speedy Ortiz (’10), Cherry Glazerr (’10), Ex Hex (’10), Bleached (’10) entre outros.
Além de uma canção em específico, “Cochon Deluxe”, absorver influências de hip hop e trip-hop o que é demais pois acho que faria nomes como Iggy Pop e Beastie Boys pirarem nessa “fusão”. Uma coisa que deu para notar desde o começo do disco é o tom politizado e contra toda forma de opressão que o disco carrega, tanto é que em uma entrevista para um veículo de lá eles afirmam que são contra a violência policial e o sistema carcerário americano. O que faz o disco conversar muito com o mundo atual.
TEEN VICE – Saddest Summer (Lançamento: 14/07/2017)
O álbum se inicia com a quente “Kiss It Goodbye” já com guitarras lo-fi e um punch dark que desembarca num vocal doce e atmosférico. Quando chega no refrão vira algo dançante como eram os discos dançantes – e hipnotizantes – do Le Tigre.
Sabe a energia alegre mas que nem tudo está bem que o The Subways emplaca em seus discos? Bem por aí, soa como um fim de um relacionamento que não está nada sadio. Como se fosse a retomada da liberdade embrulhada em lenços de seda para ajudar a escorrer as lágrimas.
Terreno preparado para o disco crescer em velocidade de maneira raw. Já que “Anti-Privilege” mantém o ritmo dançante e a tônica é de levantar a cabeça sabendo que as frequentes quedas fazem parte do jogo da vida. Tudo isso com bateria energética e riffs de guitarra cativantes. Um punk rock com influências de post-punk e o espírito shoegazer. Se você pira em Cherry Glazerr esse som vai cair bem.
O túnel de tempo nos joga de volta para NY dos anos 70 com a bela “How Does It Feel?” que me lembra ícones como Debbie Harry, Patti Smith e Fleetwood Mac. Uma banda que conseguiu captar isso muito bem também são as Dum Dum Girls assim como os ótimos grupos que foram produzidos por ninguém menos que Richard Gottehrer (que já trabalhou com Richard Hell, Blondie, The Go-Gos e The Raveonettes), o que levou a banda a assinar logo depois com a Sub Pop.
A áurea é doce e fica ecoando na cabeça feito um interlúdio de tão pop que esta balada te prende a atenção. O espírito é tão empoeirado e nostálgico que consegue te levar para aquele fim dos anos 60 e começo dos 70 com os painéis brilhantes de propaganda, cigarros e boas composições. Gosto muito como os backin vocals que parecem ter como inspirações as divas dos anos 60 e o groove do jazz/blues em seu DNA.
Você gosta de Yeah Yeah Yeahs? Não sei vocês mas tudo que a Karen O produz eu acho que merece ser ouvido e replicado para o máximo de pessoas que vocês conseguirem, o mesmo vale para o ótimo guitarrista Nick Zinner. A mais densa e com energia de grupos como Yeah Yeah Yeahs e Smashing Pumpkins é justamente “Softee” que passeia pela fusão desses grupos de rock alternativo dos anos 90 com os acordes rebuscados dos anos 70 sejam eles vindos do rock progressivo, psicodelia ou post-punk, o que dá toda a graça ao longo de seus 5:30 de canção. Como os gringos costumam dizer: uma masterpiece!
Chegamos a “Y U WNT 2?”, canção que tem um tom mais leve depois de uma densa canção. Se você gosta de Ronnie Spector, Jannis Joplin, The Ronettes, Bikini Kill certamente vai pegar o vocal rebuscado e trabalhado “oldies” desta faixa. Eu particularmente adorei a guitarra mais solta no estilo Ian Dury aliado a essa delicadeza dos vocais resgatarem uma época tão vanguardista – e maravilhosa da música. Acho que Sylvain Sylvain (New York Dolls) discotecaria esse som em seus DJ’s Sets.
Vamos voltar para o punk 77 e sua primeira leva? É a proposta de “Think Tank” que poderia cair bem em diversas vozes da época como Buzzcocks, Undertones, The Adicts e o polêmico Gary Glitter. Tanto é que o The Briefs poderia fazer uma versão ótima dessa faixa. O mix de vocais tem um pouco de The B-52s o que deixa ela dançante, divertida e empolgante. Você só quer dançar e esquecer aonde está. Pronta para as pistas!
O que é um disco de rock sem um deboche? Simplesmente não é um disco de rock. E o tapa na cara vai de mão cheia na face dos hipsters com um punk rock ramoníaco para não tirar defeito. “Hipsters” tira onda com a auto afirmação do mundinho módico e conveniente da categoria.
A partir daí chegamos na reta final do disco com a estranha e divertida, “Cochon Deluxe”, essa que vai para cima com rimas, acordes rasgados alá Fugazi, e carregam no hip-hop e trip-hop sua carga energética. Mostrando que a fusão de estilos soma demais. Essa faixa merece para ontem um vídeo clipe pois acredito que é um dos grandes cartões de visita do trabalho. O comportamento misógino é atacado nos versos: “Cause Boys Will Be Boys And Pigs Will Be Pigs”.
“Out Of Excuses” é uma das mais deliciosas faixas do disco e mais uma vez nos leva para os anos 70. Consigo imaginar até um clipe com uma lente sépia ou degradê com uma roda gigante girando e os integrantes se divertindo a moda antiga em um parque de diversões old school. Recomendado para fãs de Suzy Quatro, Joan Jett, rock psicodélico e Fleetwood Mac.
Particularmente uma das minhas favoritas é “White Guilty” pois me lembra a crueza do art-punk do Wire, a leveza do primeiro disco do Vaccines, as camadas do Wavves, o deboche do Japandroids e o poder magnético do Twin Peaks. O humor e a ironia também são pontos altos da áspera canção que dá um tapa com luva de pelica na sociedade estado-unidense. Principalmente nos conflitos de intolerância que tem acontecido nos últimos tempos nos EUA. Como Josh contou em entrevista para a self-title magazine:
Josh: “There was seemingly more white outrage over Cecil the Lion’s murder than Trayvon Martin’s murder. I actually see a connection between big game hunting in Africa and the way some white Americans treat black Americans. Both are criminal.”
Quem tem a árdua tarefa de fechar o disco é justamente “Who Am I?”. Essa que de certa forma sintetiza o disco e suas ricas influências. O questionamento para se encontrar depois de ver seus sonhos e desilusões se cruzarem – e se confundirem. A busca pela identidade e seguir seu caminho depois de todas as sovas que a vida nos dá.
*Curiosamente essa foi uma das primeiras demos da banda em que eles contam que queriam soar como The Breeders mas no final soaram como Juliana Hatfield.
O primeiro álbum do TEEN VICE é interessante por vários aspectos. O primeiro é que não se prende em uma fórmula monótona e clichê que muitas bandas tentam abraçar de focar em três sons e ver o que acontece. Tem diversidade nas influências e consegue imprimir um ritmo cadenciado, em outras palavras: você escuta um som e não sabe o que esperar do próximo. O que faz com que se surpreenda e traga referências dos 70’s, 80’s e 90’s de forma repaginada. As misturas entre rock alternativo, shoegaze, trip-hop, punk rock, post-punk somam e permitem com que o ouvinte entre na onda do disco.
As letras carregam vivências pessoais e conflitos do dia-a-dia. Nem é necessário entrar muito em detalhes do momento instável e político nos EUA para entender a pressão e a ânsia por justiça política e social. Um bom álbum para ouvir, cantarolar e dançar sem perder o estilo. Punk Rock com “otras cositas más”.