Unbelievable Things: O poder da música como força de superação
Nunca duvide do poder de uma viagem. Viagens são transformadoras em diversos níveis, alguns guias turísticos dirão: “Nada como uma viagem para aprimorar seu auto conhecimento”. Mas acima de tudo aprender com diferentes culturas e observar outras maneiras de encarar a vida.
A experiência nos força a quebrar amarras e experimentar outros horizontes. É completamente normal ver algum amigo voltar de um intercâmbio com a “cuca fresca”. Cheio de ideias para novos projetos como se tivesse apertado o botão “reset” no videogame da vida.
E essa conexão astral fez com que Tim Fleming repensasse uma porção de coisas, como por exemplo seu futuro profissional, as coisas que queria para sua vida entre outras coisas. A viagem serviu como uma terapia intensa repleta de bons momentos. O que foi coroado em seu último dia em San Diego quando decidiu comprar uma guitarra nova. Foi mais ou menos assim que nascia o Unbelievable Things.
A partir disso ele tirou da gaveta algumas antigas composições e passou a trabalhar elas melhor. O resultado disso foi o Tributo a Laura Palmer, seu primeiro trabalho solo lançado no começo de setembro.
Assim como o nome nos diz Tim estava obcecado pela clássica série de TV que tem como diretor o icônico diretor de cinema, David Lynch. O trabalho em parceria com Mark Frost que foi para o ar no dia 8 de abril de 1990. Sim estamos falando de Twin Peaks. Mas não da ótima banda de Chicago antes que venham me perguntar – mesmo assim a banda é um verdadeiro Hit Perdido que merece sua atenção.
Voltamos a programação normal, ou melhor dizendo a Twin Peaks – a série. No ano que vem o seriado fará sua tão aguardada terceira temporada, para quem não acompanha a trama: a viagem no tempo faz parte do roteiro e a última frase da segunda temporada faz uma promessa.
Esta que basicamente diz: nos vemos em 25 anos. E não é que a dupla David Lynch e Mike Frost realmente levou à risca sua provocação?
Como a segunda temporada foi exibida na ABC ainda em 1991, os rumores de que teríamos em 2016 a tão aguardada terceira temporada ficaram mais fortes. Após negarem e descoversarem a negociação com a rede de TV Showtime começou a esquentar. No meio do caminho até uma das personagens mais carismáticas de Twin Peaks veio a falecer, a tal da misteriosa Log Lady.
Demos tantas voltas para explicar que a chama da série entre 2015/2016 voltou a ser acessa. O que gerou o surgimento de uma nova legião de fãs que ao lerem nos portais as notícias ficaram curiosos e assistiram pela primeira vez. Tim foi uma das vítimas.
A trama é carregada de elementos que nos deixam preso mesmo com os básicos efeitos especiais existentes no começo da década de 90, o que de certa forma traz um charme para Twin Peaks. A produção já está sendo filmada e em 2017 finalmente a espera vai acabar.
Tenho certeza que a partir de momento se você já viu a série começará a contagem regressiva para assistir a terceira temporada e os que ainda não viram já estarão com o torrent calibrado para o download. Mas vamos voltar a não menos importante: música.
Tributo a Laura Palmer é oficialmente o segundo lançamento da NapNap Records. O selo é novíssimo e lançou no mês de agosto seu primeiro trabalho: Flooded Bassitt EP da banda Flooded Bassitt. Até o momento com o EP que ouviremos agora o selo chegou a três lançamentos, o último sendo Todas as coisas que eu acho que sei do Errorama.
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O EP passa como um tiro mas nem por isso não deixa marcas. Ele é voraz, te pega pelo pescoço e em pouco mais de 6 minutos consegue passar através de seus ondas lo-fi provenientes de um pedal distorcido tranquilidade e desabafos.
“Não me arrependo” tem a vitalidade do Dinosaur Jr., a crueza do Sonic Youth e o ar seco do Pavement. É como o árido do deserto do Atacama viesse feito rajada desmoronar todos castelos de areia. O começo dos anos 90, do 1991: The Year Punk Broke está mais vivo do que nunca nesses acordes desajustados e nesse espírito moleque de empunhar sua guitarra.
Já sua letra desacreditada tem um pouco de inspiração na cena de rock triste mineira de artistas como Johnatan Tadeu, Lupe de Lupe, Fábio de Carvalho, El Toro Fuerte entre outros. Com um simples verso que diz tudo desde revival do emo: “eu não vou dizer que não valeu a pena / mesmo sabendo que eu preferia ter ficado em casa bebendo.
“Daydreaming” já tem outro tipo de sonoridade mais na onda dos grupos noventistas de outro hemisfério. Estamos falando da geração “Creation Records” que trouxe uma leva de grupos lo-fi um tanto quanto espetaculares como o My Bloody Valentine e RIDE. Algo que tem sido resgatado por artistas como Mac Demarco e Real Estate.
Sua tristeza no momento da composição é sentida, ele se vê no fundo do poço sendo coberto por suas lágrimas. Tristes versos que poderiam ter sido escritos por grupos como Tigers Jaw, Joyce Manor ou Make Do and The Mend.
A terceira e faixa que fecha o disquinho é um surpreendente cover de “True Love Will Find You In The End” originalmente presente no disco Retired Box (1984) do Daniel Johnston.
A versão com certeza perturbará o mais purista mas isso pouco importa, eu consigo imaginar o Kurt Cobain tirando onda com pedais brincando de “maltratar” o triste clássico do Daniel. E talvez a graça está justamente em Tim não se levar tão a sério nessa versão, para quem curtir algo mais punk escrachado como os trabalhos do Dead Milkmen provavelmente não irá se decepcionar. Vou até deixar uma dica de banda para ele ia ir atrás com essa sonoridade mais crua sem perder densidade nas letras: Hot Water Music.
O disco foi gravado, mixado e masterizado por Tim. Já as baterias eletrônicas foram feitas por Daniel F Branco Bezerra e Fernando Parreira. Ou seja, DIY da gravação a distribuição já que Tim faz tudo no selo. Um grande exemplo dele com certeza deve ser o Fred do finado selo carioca Bichano Records mas pessoas com a garra do Fred costumam inspirar mesmo.
Acredito que nada teria saído da ideia se ele não tivesse contado com a ajuda dos amigos e gostaria de destacar um trecho do release que seu amigo Murilo escreveu sobre o disco:
“No último mês meu amigo Tim Fleming veio do Brasil para ficar um mês em minha casa em São Diego. Eu conheci o Tim alguns anos atrás em um show do Stephen Malkmus and the Jicks durante a tour brasileira da banda. E desde então eu e ele temos ajudado bandas de nossa cidade: marcando shows, criando eventos, distribuindo links, escrevendo sobre eles, criando posteres, tudo que estivesse a nosso alcance.
Durante esse mês de férias em San Diego nós nos divertimos bastante indo a pequenos shows, andando de bike, dançando e conversando com estranhos em festas, bebendo drinks de anônimos em festas aleatórias, assistindo televisão…você sabe o que rola fazer para se divertir com pouco dinheiro no bolso.
Tim voltou na semana passada para o Brasil, e no último dia ele decidiu voltar para casa com um novo brinquedo: uma linda nova guitarra. Os resultados dessa semana com sua nova guitarra, vocês podem ouvir no EP. Altamente recomendável para fãs de Rock Triste, guitarras altas, vocais debochados, gravação lo-fi e coisas. Eu diria que isso é uma coisa inacreditável (Unbelievable Thing) se eu não te conhecesse.”
E acredito que seja isso, um pouco de admiração, nostalgia, sentimento, farra, tristeza, superação e vontade de desbravar o mundo que façam do disco algo simples porém muito além de um EP com três canções. Ele tem uma porção de histórias não narradas por trás e uma cura de depressão. Algo muito sério e que superar não tem preço, as vezes a vida nos dá uma chance de recomeçar e talvez Tim tenha agarrado essa oportunidade com todas as forças.
O EP é só um pontapé inicial de alguém que ainda flerta com a guitarra mas se todos tivessem a força de vontade de fazer o mesmo, talvez o mundo fosse um lugar um pouco mais “leve”. Não tenho dúvidas que após esse trabalho virão outros e com uma energia diferente, afinal aquele fantasma de outrora: ele deixou para trás.
[Hits Perdidos] O EP Tributo a Laura Palmer surgiu durante uma viagem pela Califórnia. Conte como San Diego te inspirou a colocar composições antigas e novas para o mundo poder ouvir?
Tim Fleming: “Pô, então, quando eu decidi fazer essa viagem eu estava numa época bem ruim na minha vida, por vários motivos, então eu decidi que era hora de passar um tempo longe pra poder pensar melhor no que eu ia fazer dali pra frente, larguei o trabalho que eu tinha na época, saí da casa que eu morava com mais dois amigos pra fazer essa viagem que a princípio eu iria ficar 6 meses ou até mais.
Só que no meio tempo de tudo isso antes de chegar a data da viagem, aconteceu tanta coisa boa que eu já comecei meio que a repensar essa ideia de ficar tanto tempo longe. A viagem foi tudo muito bom, mas cada vez mais eu pensava que eu queria fazer as coisas darem certo no meu país, perto das pessoas que eu gosto, então acabei voltando antes do que eu havia planejado, no meu último dia em San Diego, comprei uma guitarra nova pra dar aquele último empurrão, e daí na semana seguinte meio que pra não ficar pensando muito no que eu poderia ter perdido de ter voltado antes, eu gravei esse EP na casa dos meus pais em Mandaguari no Paraná.
Eu já tive uma outra banda chamada Laundromaths que a gente lançou um EP nesse mesmo esquema, mas depois de lá eu entrei nessa fase ruim e sai dessa banda e não tinha gravado mais nada. Então essa viagem foi tipo um recomeço pra mim em várias coisa, uma delas foi voltar a gravar minhas músicas.”
[Hits Perdidos] Você conta que durante a viagem ficou magnetizado pela clássica série Twin Peaks do David Lynch que teve gravada sua última temporada em 1991 e que ano que vem chega com tudo para a continuação (mesmo alguns personagens como a Log Lady terem já falecido com o passar dos anos).
– Qual seu personagem favorito e por que?
Tim Fleming: “Essa é difícil, eu pensei bastante e vou ficar com o “Big Ed”, porque ele é um dos personagens mais “normais” e carismáticos da série, a forma como ele lida com a Nadine colegial e super forte é muito foda, gosto muito também da cena quando ele o agente cooper vão pro cassino e das cenas dele com os bookhouse boys. Menções honrosas para Audrey Horne, Log Lady, Agente Cooper e o agente do FBI que o Lynch faz.”
– O que mais gostou da série?
Tim Fleming: “O que eu mais gostei foi o clima estranho, sombrio e vazio da série, essa mistura de coisas místicas com a realidade e tudo com um lado “novelão” que te deixa viciado em querer desvendar o mistério da série. A trilha sonora também é uma obra prima.”
– Tem algo que ache que vai acontecer e quais suas expectativas?
Tim Fleming: “Pô, eu to mantendo minhas expectativas bem baixas, assim eu não passo raiva se for ruim. Na real pra mim a série devia ter acabado no momento que revelaram o assassino da Laura Palmer. De qualquer forma, com certeza vou assistir.”
[Hits Perdidos] Ainda no campo das séries, quais tem assistido? E qual a série com melhor trilha sonora que já assistiu?
Tim Fleming: “A última série que eu assisti foi Luke Cage da Netflix, gostei muito, antes eu vi Arrested Development e agora comecei a rever The Office e pretendo assistir completo, pois eu ainda não vi algumas temporadas. A série com melhor trilha sonora pra mim é Twin Peaks, sem dúvida.”
[Hits Perdidos] Quais influências sonoras do EP Lo-Fi curto e reto?
Tim Fleming: “As influências foram principalmente as primeiras coisas do Lê Almeida, No Crowd Surfing que é a banda de um grande amigo meu que moramos juntos em Maringá e fiquei na casa dele em San Diego e Electric Lo-Fi Seresta. As canções curtas são porque eu gosto do muito do Joyce Manor e dos álbuns deles terem de 11 a 13 minutos. Eu lembro que o disco Of All Things I Will Soon Grow Tired tinha exatamente a duração de tempo do trajeto da minha casa até o meu antigo trabalho de bike.”
[Hits Perdidos] Na hora de escrever o que te inspira além do universo misterioso de David Lynch?
Tim Fleming: “Principalmente as coisas que eu e o meus amig@s vivemos, sempre.”
[Hits Perdidos] Pude notar que o EP de estreia conta com uma versão alá Dinosaur Jr. fazendo cover de The Cure de “True Love Will Find You In The End”, clássico do Daniel Johnston que por coincidência tem pouco mais de 25 anos justamente coincidindo com a última temporada da série. Foi algo pensado ou totalmente coincidência?
Tim Fleming: “Totalmente coincidência, não fazia ideia disso! Esses dois discos saíram antes de eu nascer. Eu escolhi fazer esse cover por que eu gosto muito dessa música e não conhecia uma versão dela que fosse um pouco mais porrada, tem um milhão de versões, mas eu nunca tinha ouvido uma mais punk assim, então resolvi eu mesmo fazer! Queria tentar ressaltar o quanto essa música é esperançosa também, além do tom triste que ela tem.”
[Hits Perdidos] O disquinho conta com participações de outros músicos, conte mais sobre o processo de criação e comente sobre a capa elaborada por Jung.
Tim Fleming: “Então, dois amigos meus me ajudaram fazendo as programações de bateria, o Fernando e o Daniel, como eu queria gravar esse EP em uma semana no máximo e sou um péssimo baterista, a saída foi programar, mas nenhum de nós 3 sabia muito bem como fazer, então foi uma coisa bem simples. O resto eu compus e gravei tudo.
A capa foi feita por uma amiga minha que hoje mora na China, eu gostei muito, lembra um pouco a capa de um disco que gosto muito que é o jamboree do Beat Happening.”
[Hits Perdidos] Você também comanda o selo Nap Nap Records. Conte-me mais sobre como surgiu? Quais artistas estão no casting? Quais próximos lançamentos e como os artistas devem fazer para entrar em contato, etc…
Tim Fleming: “O NapNap surgiu de uma ideia já antiga que eu e o Murilo, o cara da banda No Crowd Surfing, vínhamos bolando já há algum tempo. a princípio era pra se chamar Preguiça Records, mas resolvemos mudar de última hora.
O NapNap é o lugar onde a gente vai registrar as coisas que a “nossa” cena já vem fazendo há algum tempo. Eu, ele e outros amigos da região do norte do Paraná sempre nos sentimos muito deslocados das outras bandas e rolês de lá, então a NapNap é o lugar onde vamos por tudo que esse pessoal tende a produzir e ser um lugar onde as pessoas possam encontrar mais fácil essas coisas.
Hoje o casting da NapNap tem o Flooded Bassitt, errorama e o Unbelievable Things. Os próximos lançamentos devem ser um single do No Crowd Surfing com alguns b-sides de gravações ao vivo deles, uma fita cassete do Ataque de Tubarão, uma banda de power violence de Maringá que vai sair numa parceria com um outro selo e eu quero lançar mais duas músicas com o Unbelievable ainda esse ano também. Vamos ver.
Pra entrar em contato é só procurar a gente pelo página do selo no facebook (facebook.com/napnaprecords) ou pelo e-mail [email protected]. Mandem mesmo, nosso foco é principalmente em gravações que se identificam com o lo-fi, k records, merge e o indie 90’s.”
[Hits Perdidos] Quais acredita que sejam os maiores desafios para uma banda/selo independente?
Tim Fleming: “Tanto pra uma banda e um selo, acredito que o maior desafio é criar uma identidade honesta com o que/quem você é e encontrar o público que vai gostar disso e fazer essa roda girar. Eu quero criar o som do Unbelievable Things onde as pessoas ouçam, independente de que influência tenha o som e digam “opa, isso é Unbelievable” e também quero criar com o NapNap isso, um som que só poderia sair na NapNap. Esse é o maior desafio pra mim.”
[Hits Perdidos] Quais artistas e bandas tem ouvido e recomendaria para os leitores do Hits Perdidos?
Tim Fleming: “Eu to ouvindo muito o novo do Joyce Manor que se chama Cody, o primeiro EP da banda mineira Kill Moves, o último disco do Jonathan Tadeu e o EP da BRVNKS. O último do Electric Lo-Fi Seresta também tá animal!”
[Hits Perdidos] Qual foi o disco que mudou sua vida?
Tim Fleming: “Essa também é díficil, mas o disco que mudou tudo pra mim foi o Amarga Sinfoniade um Superstar do Superguidis. Quando eu ouvi eu tava saindo do colegial, depois desse disco eu fui ouvir mais a fundo o Pavement, que é a minha banda favorita de todos os tempos, Guided By Voices, Lê Almeida, guitar bands em geral. E a partir daí eu descobri o que era DIY, punk e que existia essa coisa chamada cena independente e que era possível participar dela e descobrir uma infinidade de sons e pessoas parecidas comigo.”
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