As vezes a paixão pela música vem de casa. Algumas delas por estar em contato desde cedo com o assunto e quando você menos percebe: está realizando projetos em família. É algo natural, simples, afinal de contas quando mentes se encontram no mesmo tom: dá samba.

Mayer Kafrouni gravou The Color Of Sound (2016) em seu home estúdio em Itapecerica – MG

Nosso entrevistado de hoje, Mayer Kafrouni, é paulista e beatlemaníaco. Cheio de sonhos e ambições relacionadas ao mundo da música. A maneira com que ele fala sobre o assunto te mostrará como a paixão pela música pode sim mover montanhas.

No começo do ano, o futuro engenheiro de som, lançou seu primeiro disco solo The Color Of Sound (2016). Um trabalho que de certa forma conta passagens de sua vida até o momento atual. E o lançamento do disco foi um desafio em muitos sentidos:

  • Era seu primeiro disco solo
  • Totalmente em inglês
  • Ele ficou responsável pela gravação
  • Mixagem
  • Masterização
  • Gravou tudo em casa

Mayer sonha em um futuro breve se tornar engenheiro de som. Auto-didata ele diz que aprendeu muita coisa sozinho, estudando e com a ajuda de amigos. Aliás, estes que tiveram papel fundamental para que o disco fosse para a rua. No trabalho, Mayer convocou uma porção de músicos para contribuir em suas faixas.

Rute Lopes toca Violoncello em "I'm Not Saying"
Dan Calixto toca guitarra na canção "Marcelo Went Upstairs And Said Yes!"
Fernanda Pacianotto gravando "Mind Changes", no disco ela também contribuiu nos backin vocals na canção "Your Song"
O guitarrista, Marcelo Mayer, seu irmão também contribuiu em várias faixas tanto nas guitarra como nas letras
Vicente Valenti Jr. gravando guitarra para a canção "I'm Not Saying"
Cris Pires gravou a bateria na faixa "I'm Not Saying"

Seu irmão, Marcelo contribuiu em várias faixas nas guitarras, além de o ajudar nas composição das letras. Aliás, o disco teve muitos envolvidos tanto na questão de colaborações instrumentais como na tradução e adaptação das letras para o idioma inglês. O disco ainda conta com a participação de outros quatro guitarristas (Vicente Valenti Jr., Dan Calixto, Fábio Cairolli e Fernanda Pacianotto), dois bateristas (Fernando Mayer e Cris Pires), uma musicista comandando o violoncelo (Ruth Lopes) e um gaitista (Lucas Mendes).

Mas para entender melhor como Mayer chegou nisso, é necessário fazer perguntas pontuais. E porque não iniciar o bate-papo pelo começo de tudo isso?

[Hits Perdidos] Como surgiu seu interesse pelo universo da música e em qual momento decidiu estudar afundo a parte técnica?


“Meu irmão gêmeo, Marcelo Mayer é músico e já alguns anos lança material autoral na internet. Em setembro de 2014, ele iniciou o processo de gravação de um novo EP, “Casa”. Bem, eu sou baixista por formação, e ele então me convidou para participar do projeto. Foi minha primeira experiência em gravar algo. Quando aceitei, eu imaginei chegar num estúdio, já com tudo montado.

Mas não foi o que aconteceu. Por questão financeira, não tinhamos como bancar um estúdio profissional. Então, um amigo do Marcelo, Felippe Pompeo tinha um home-estúdio. Tudo montado de forma bem caseira. Ele trouxe os equipamentos de gravação para a casa; onde seria gravado. Guilherme Schildberg (da banda Floreosso) foi o produtor desse EP, e ele também me incentivou para tal. Tudo foi montado num quarto, sem tratamento de acústica algum.
A vantagem foi: gravando em casa, você tem controle maior da sua produção. Não tem gerente de estúdio batendo a porta, dizendo “seu tempo está acabando, se apresse!
E o resultado foi incrível! Se você ouvir o EP, nada deixa a desejar comparado com gravações em estúdio profissional.

Eu amei esse processo. Fiquei impressionado com o que foi feito. Então, entre a gravação de um take e outro, conversei bastante com Felippe Pompeo sobre isso. Ele me disse algo que me marcou: “o equipamento é importante. Mas a cabeça do produtor e compositor é insubstituível”. Ele me indicou a leitura do livro “Minha vida gravando os Beatles”, autobiografia de Geoff Emericks, engenheiro dos Beatles de 1966-1969. Eu fiquei impressionado com que li. Depois da leitura, pra mim, Emerick é quinto Beatle, e não George Martin.

As ideias dele para a captação de som, o interesse por algo diferente…Achei realmente incrível. E no livro, embora gravassem nos estúdios Abbey Road, foram usados muitos recursos “caseiros”, como toalha em cima da caixa da bateria, camisinha em volta do microfone para isolar o som, e tudo o mais. O livro mostrou pra mim que o som está na cabeça da gente. É possível executar sem grandes recursos técnicos. Eu não digo que ter um estúdio profissional não vale a pena. Vale sim. Mas essa experiência caseira que tive, me mostrou que o fator humano ainda é muito importante.
Por isso, tive o desejo de aprender mais sobre isso. Pompeo e Guilherme foram os meus mentores em toda essa descoberta. Tanto eles, como Geoff no livro, me mostraram que regras devem ser quebradas no processo de gravação. A parte quando é muito técnica podem tornar o processo muito chato e desgastante. E foi assim que decidi me aprofundar na área.”

Autobiografia de Geoff Emerick (engenheiro de som dos Beatles entre 1966-1969) mudou a vida de Mayer. Ele considera o engenheiro o quinto beatle.

[Hits Perdidos] O interesse maior pela música dos anos 60 como o rock progressivo/psicodélico e até um pouco da surf music veio de onde?

“Eu comecei com os Beatles. Sou geração “Anthology”. Eles foram a minha ignição para o interesse na música. O primeiro álbum dos Beatles que ganhei foi a coletânea Álbum Azul. Nela tinha A “Day in the Life” e aquilo explodiu a minha cabeça. Depois, ganhei de presente o álbum Revolver, e aquilo literalmente mudou a minha vida. Me fez querer pesquisar mais sobre a criatividade dos anos 60. E uma coisa puxa a outra, e assim fui descobrindo outros artistas psicodélicos e progressivos. E sobre surf-music, é engraçado. Pois sempre via os Beach Boys como uma banda de rock bobo (isso é um elogio). E eles nem eram SurfMusic de verdade. Mas Brian Wilson tem muita experimentação e progressismo. Então, não sou um expert sobre SurfMusic, mas posso dizer que a nomenclatura me fez conhecer Brian Wilson de algum modo.”

[Hits Perdidos] Quais discos acha fundamentais na sua formação musical?

“Difícil. Minha formação musical passou por várias etapas. Posso dizer, que primeiro foram Revolver e Abbey Road dos Beatles. Esse álbuns guiam minha vida musical até hoje e creio que continuarão até o fim de minha vida. Se pudesse definir a perfeição do Rock, esses dois álbuns seriam a minha escolha.

Mas, felizmente, eu também fui apresentado a música brasileira. E isso me engrandeceu. O álbum O Poeta e o Violão, Toquinho e Vinicius de 1975 me mostram o universo maravilhoso do samba, bossa nova e dos acordes dissonantes. Clube da Esquina 1 me mostrou como é perfeito o casamento entre música brasileira e rock and roll progressivo. Acabou Chorare dos Novos Baianos me mostra que o Samba pode ser bem pesado, e ainda continuar lindo. Espelho Cristalino, de 1977, por Alceu Valença, me mostrou a Psicodelia Nordestina, que pra mim, é o mais incrível movimento musical brasileiro. Com ele me anima e escrever Rock, usando toda a dissonância dos acordes “brasileiros”.

Claro, posso mencionar os grandes medalhões. Led Zeppelin II me tornou baixista. Embora ache Paul McCartney um baixista inspirador, John Paul Jones nesse álbum me fez querer entrar no mundo das 4 cordas. Creio que os principais para mim são esses. Essa pergunta não tem resposta com fim.”


[Hits Perdidos] Você mesmo diz misturar a música dos anos 60 com arranjos modernos. E isso está realmente em voga nos últimos anos com as bandas australianas. Como enxerga isso?

“É difícil pra mim pensar em inovação quando você olha pra trás e tudo já foi feito. Eu crio algo e ouço “os Beatles já fizeram”, ou “Tem um pessoal dos anos 70 que fez algo assim…”. É complicado. Então, eu imagino influencia seiscentista com arranjos modernos algo como pegar o melhor dos dois momentos. Existem bandas incríveis que fazem uma pegada muito interessante, que soam muito moderno, contemporâneo, mas com um pé ali nos anos 60 e 70.”

“…Acho que Arctic Monkeys é um exemplo disso perfeito pra mim. É claro e nítido que soa moderno. O estilo da gravação. A pegada do baixo e bateria. Mas você sente um pé ou dois ali beirando 66, 67. Mas moderno para mim, é tentar algo que não se tenta, ou resgatar isso. Por exemplo, como mencionei, criar Rock com acordes de Samba. Não é novo, mas não se faz muito isso hoje em dia. Não no grande circuito. O que é necessário é não se parecer com uma banda cover da época. Pode ter o som ali, mas é preciso ter uma identidade sua, atual.”

[Hits Perdidos] No Brasil temos excelentes artistas como Os Mutantes, Os Baobás, uma porção de artistas que podemos encontrar através de coletâneas da época. Ao mesmo tempo que vejo, em Recife principalmente, muitos discípulos dessa era. Como vê tudo isso e que bandas daqui você destacaria?

Acho digno. São artistas e sons que caíram no esquecimento do grande publico e precisam ser resgatados. Eu por exemplo, amo o timbre das baterias e baixo gravados nos anos 70. É algo que quero tentar recriar de modo caseiro. E temos ótimos exemplos dessa inspiração, e ainda assim soam modernos, novos. Gosto de pensar que tais artista não querem simplesmente ser uma cópia desses caras do passado. É como aquela velha roupa, mas restaurada, com uma nova personalidade a vestindo. Acho isso ótimo, de verdade.”

Os gaúchos do Apanhador Só fazem parte da trilha sonora de Mayer

“Eu posso destacar os gaúchos do Apanhador SóO Terno, mesmo que já seja uma indicação manjada, mas eles resgatam muito dos Mutantes, com uma pegada atual. Mas eu gosto de destacar Daniel GrooveÉ a pegada nordestina atual que mais gosto no momento. E ele serve de influência pra mim, sem dúvida.

Os paulistas do Vitreaux, Oito Mãos, de Campinas, Francisco El Hombre também gosto de citar…são os artistas nacionais que mais ouço no momento.”

Devidamente introduzidos ao universo de influencias de Mayer. Agora vocês podem ouvir ao trabalho do artista sem pré julgamentos.

[bandcamp width=415 height=535 album=672624028 size=large bgcol=ffffff linkcol=0687f5 tracklist=false]

 

Mayer fez um trabalho completamente D.I.Y., como tinha planos em divulgá-lo no exterior como parte de um projeto pessoal, ele decidiu fazê-lo em inglês e contou com a ajuda de uma galera para traduzir e conseguir aperfeiçoar sua pronúncia.

Aliás, o projeto foi gravado diretamente do home estúdio que ele mesmo montou na cidadezinha de Itapecerica/MG – cidade que é conhecida como o “berço cultural de Minas Gerais” – e que morou antes de ir para Los Angeles. Segundo Mayer: “pequena e com pouca estrutura”. E foi nesse contexto em que veio ao mundo The Color Of Sound (2016).

Após a audição resolvi fazer perguntas pertinentes sobre o processo de composição e a contribuição de cada artista convidado para o resultado final. O que resultou bastante interessante pois através disso descobri bastantes curiosidades sobre cada faixa.

“Após a gravação do EP do meu irmão, e depois de muitas leituras sobre o assunto, comecei a trabalhar nas minhas composições. Na verdade, boa parte dele eram coisas antigas, músicas que escrevi há muito tempo, mas nunca tive o desejo de grava-las. Eu não queria fazer um disco com uma temática. Quis colocar nele tudo aquilo que de certa forma me influenciou até então. Como uma enciclopédia. Como se tivesse gravados K7 das minhas músicas preferidas e dado para um amigo.”

A faixa que abre o disco “Color Of Sound” tem o poder de sintetizar o que é o disco. Ela é instrumental e bebe do blues, da psicodelia, do progressivo e pode soar para o ouvido de alguns como surf rock alá Beach Boys.

Nas palavras de Mayer:

“Essa música sintetiza o que o disco é. Começa com um Blues, um roquinho e então tem a psicodelia. É o resumo do álbum. Como o prefácio, se preferir. A dedicatória. Apesar de ser instrumental, é uma das mais incríveis composições que já fiz.Marcelo, meu irmão faz a guitarra solo nesse som. Na verdade, Marcelo é o melhor guitarrista que já pude trabalhar. Ele é o guitarrista que não preciso explicar, ditar, nada. Ele simplesmente respira a música e cria o som. Uma curiosidade: nesse música, tem todos os instrumentos e sons usados no álbum inteiro. Tem guitarra ao contrário, mellotron, órgão, distorção, reverberação do amplificador…tudo está ai.”

A faixa também da nome ao disco, que tem uma arte da capa toda conceitual produzida pelo artista, Glauco Guimarães.

“A ideia foi criar um labirinto, onde o ponto branco é o objetivo. A união de todas as cores, é o branco. E como se trata da “Cor do Som”, isso ilustra a união de todos os sons. Porém, como a som não tem cor, é invisível, o labirinto é impossível de completar. É um conceito meio viagem, mas é por aí (risos).”

“Never Feel Sad” é a canção mais antiga do álbum e foi composta por volta de 1998, por esta mesma razão ela sofreu alterações drásticas nesse processo. Afinal de contas o amadurecimento faz darmos novos rumos a nossas perspectivas sobre nossos trabalhos.

“Talvez a mais antiga canção do álbum. Eu a concebi por volta de 1998. Mas ela era completamente diferente. A harmonia tal como é, foi feita em 2000. Pode notar a influência beatlemaníaca nela. É o Rock and Roll do álbum. Meu irmão diz que “é a música quando o cara larga a cerveja na mesa e vai pra pista de dança”. Nessa em especial eu faço o solo de guitarra. Aliás, é um solo dobrado. Gravado em uníssono. Pode-se notar isso no canal direito, ao fundo. O fato dela ser a faixa numero 2 é bem proposital. Já que The Color of Sound é o resumo do álbum, eu quis mostrar a minha primeira influencia musical logo no início. A letra fala de felicidade (a letra é atual), escrevi para minha querida esposa, Soraia..”

A canção “They Said Around” possuí um teclado bastante melódico .

Se as canções anteriores tinham os pés cravados na obra dos eternos garotos de Liverpool, “They Said Around” viaja pelo rock clássico. Com guitarradas e solos virtuosos dos anos 70.

“Fala sobre pessoas que não aceitam o diferente, que se julgam superiores porque pensam diferente. Mais uma vez, algo da minha influência. Como citei Led Zeppelin II como o álbum que me tornou baixista, eu noto a influência do de “What Is and What Should Never Be” na levada e condução do baixo e bateria, em especial nos versos. Marcelo faz o solo nessa novamente. Ele quis colocar a inspiração dele nessa canção, e por isso o solo é feito tal como Steve Ray Vaughan.

“Mind Changes” aparentemente é bastante melancólica em sua melodia. Porém sua letra é sobre ciclos completos. Aquelas etapas da vida que se despedem pois estão completas. Uma visão otimista de um cara que finaliza e se despede do passado para poder seguir em frente com seus novos planos.

Mayer toca diversos instrumentos no disco, além de adicionar efeitos sonoros (produzir, mixar e masterizar)

“Fala sobre partida. Mas não uma partida melancólica. Uma partida alegre, como se estivesse indo embora porque concluiu o que planejava fazer. E pensa em voltar. Essa música foi pensada para ser o meu solo de baixo. Minha formação me obrigou. Como se minha mente dissesse: “você não vai solar? Você é baixista! Mostra ai!”. Eu quase desisti da ideia, mas Marcelo me incentivou a fazer esse solo. Na canção, uma das guitarras base, é feita pela Fernanda Pacianotto. É uma grande amiga, da qual tive o privilégio de ensinar os primeiros passos da guitarra. Por isso, a convidei para participar na canção. Quando ela gravou a guitarra, ela tocava haviam poucos meses.”

Fernanda Pacianotto gravando “Mind Changes”, no disco ela também contribuiu nos backin vocals na canção “Your Song”

“After a While” é uma música sobre arrependimentos. Tem uma história bastante curiosa e é inspirada no eterno vocalista do Beach Boys, Brian Wilson. Os acordes de samba mesclados com rock – como comentado por Mayer – são visíveis nessa faixa. Rock progressivo, psicodelia, samba e rock’n’roll em completa harmonia.

“É a música sobre arrependimentos. Ela foi concedida para ser um rock bem pesado e forte. Mas não estava funcionando. Não se encaixava. Uso os acordes dissonantes da minha influência sambista. E não se encaixava. A música original tinha pegada de bateria em toda a canção e uma guitarra bem marcante. Mas não soava como queria. Então, deixei pra lá. Porém, depois de ver o filme “Love & Mercy”, cinebiografia de Brian Wilson, eu me animei em voltar a trabalhar com ela. E então ela saiu como planejei. Tem bossa nova, tem samba e tem Brian Wilson nesse som. Depois ter feito toda a base, eu pedi para Marcelo solar no final. Mas ele me refreou. “o mellotron ficou tão lindo sem a voz, que um solo ai vai apagá-lo. Não faça isso”. E assim nasceu After a While”

“Marcelo Went Upstairs and Said Yes!” talvez seja uma das mais bonitas, justamente por ser uma homenagem ao casamento de seu irmão gêmeo, Marcelo.

“Eu fiz para o casamento de meu irmão. Ele “subir escada” é uma piada interna da família. Assim como Lennon subiu uma escada numa exposição de Yoko, e leu a palavra “Yes” no teto e se apaixonou por ela, Marcelo quando conheceu sua esposa, ele mudou de vida. A canção é sobre isso. Sobre o amadurecimento dele. Sobre o crescimento como pessoa ao lado dela. Como foi um presente para ele, ele não quis participar. Ele quis ter surpresa. Por isso, eu escalei Dan Calixto para o solo. Ele deu o toque bluseiro que a música pedia. A mistura psicodelica e bluseira deu a cara do meu irmão na canção.”

Dan Calixto toca guitarra na canção “Marcelo Went Upstairs And Said Yes!”

A canção “Your Song” se destaca por ser a única que a letra não foi composta por Mayer e sim por seu amigo, Fábio Cairolli. Ele que fez parte de uma das primeiras aventuras musicais de Mayer, sua primeira banda. Assim, a colcha de retalhos que é esse disco, ganha mais uma participação especial de alguém que marcou sua vida: significamente.

“A única canção que não foi escrita por mim. Ela é composição de Fábio Cairolli. Em 1998, quando toquei na minha primeira banda, Fábio Cairolli era o guitarrista base. Na banda era eu, Marcelo e meu outro irmão Fernando Mayer na bateria. É uma canção de amor. Mas a base dessa canção é antiga. Nós gravamos os ensaios num microsystem, em K7. Ano passado, resgatamos esses antigos K7. E Your Song estava lá. Eu arrumei o som e consegui isolar a bateria e guitarra base. Então, reaproveitei e regravei todo o resto. Como o solo e baixo da fita original não dava para ser usado, refiz. Adicionei percussão, teclas e um solo, que eu mesmo faço. Então, ela é uma música atemporal. A base da guitarra e bateria são de uma gravação de 1998, e todo o resto de 2015.”.

Mayer é beatlemaníaco até na escolha do instrumento. O baixo é seu instrumento de formação.

“It’s a New Day While the Morning Dies” é a canção mais bluseira do disco, aquela que tem até recurso de gaita. Este que os Rolling Stones vira e mexe resgatam em seu som. Sim, aquele pub rock’n’roll de outrora. O lado mais visceral e chorado do rock.

“É do tempo de nossa banda de Blues (Mean Town Blues). É uma composição escrita a 8 mãos, pois toda a banda participou na composição dela de certo modo. Porém, nessa gravação, apenas eu e Lucas Mendes, o gaitista participam. Quando a gravei, não foi concebida para ter solo de gaita, apesar das versões antigas da banda (nunca gravada) ter gaita. Lucas deu o toque que precisava a música. Apenas solos de guitarra tornariam o som maçante, tedioso. Mas o som da gaita é hipnotizador.”

“I’m Not Saying” é uma das canções que mais envolvem parceiros. Seja tocando ou sendo homenageados. A canção tem a participação de artistas da banda Whatever, esta que Mayer já produziu um trabalho. E é uma resposta a uma canção do trabalho do irmão.

Cris Pires gravou a bateria na faixa “I’m Not Saying”

“Essa música é a uma resposta de “Discussões com Deus” do EP de meu irmão. Ela foi gravada de modo diferente. Toda a base (guitarra base, baixo, violão, percussão) foi gravada de modo caseiro em 2014. Porém, em 2015, Cris Pires e Vicente Valenti Jr, da banda Whatever  me ajudaram na bateria e solo de guitarra respectivamente. Na verdade, a primeira versão dela é uma versão com letra em português. A bateria foi gravada num estúdio propriamente dito por conta das dificuldades técnicas que enfrentei. Eu tinha uma interface com apenas 1 canal. A música tem o ar que queria.

Vicente Valenti Jr. gravando guitarra para a canção “I’m Not Saying”

Embora não fale de “Deus”, o ambiente da música é esse, pois foi uma resposta a letra incrível que Marcelo fez em “Discussões com Deus”. Foi adicionado a letra em inglês. Porém, algo faltava. Então, conheci o trabalho da musicista Rute Lopes. Ela me ajudou a gravar Violoncelo na canção. E deu o ar que a música necessitava.

Uma curiosidade: A base da música é E Maior. Porém, no solo final, quando Vivente participa, Marcelo faz a base em E Menor. Deu uma cara incrível. Uma mistura perfeita que não sei se vi isso em outro lugar. Uma base em violão fazendo E Maior e uma base em Guitarra fazendo em E Menor.

Rute Lopes toca Violoncelo em “I’m Not Saying”

“Feedback Reverb” é a faixa escolhida para fechar o disco. Ela que tem uma temática que se destaca das outras: a astronomia. Ela que é apontada por Mayer como um dos seus pontos de interesse. Aliás, caso se interessem pelo assunto: vale a pena ver a série Cosmos. Dica: Tem no Netflix.

 

“É a psicodelia que fecha o álbum. A letra é surreal. É por causa da minha admiração com espaço e astronomia. Mais uma vez, para fechar, está tudo ai presente. Guitarras ao contrário, mellotron, pianos, percussão…Marcelo faz o solo final dessa canção. Porém, surgiu a ideia de termos nós dois solando. No ato final da canção, no canal direito há o solo incrível do Marcelo e no canal esquerdo tem o meu.”

Após a analise decidi fazer mais alguns questionamentos sobre o futuro. Afinal de contas, o trabalho foi fruto de um grande desafio pessoal. Ele deixou claro seus planos para em um futuro breve se tornar um engenheiro de som e atuar ajudando outros artistas a prosperar. Além de contar sobre o aprendizado que está tendo em sua ida para o exterior.

[Hits Perdidos] Ouço de muitos amigos músicos que podem até produzir mas na hora da masterização chamam amigos (ou profissionais) com o intuíto de ter um outro viés complementar em relação ao trabalho.  No livro de Yuri Hermuche, Rcknrll, no capítulo sobre o Forgotten Boys é até comentado como a masterização de Roy Cicala (John Lennon, AC/DC, Aerosmith) fez toda a diferença no resultado final. Como foi lidar com esse grande desafio?

“Masterização é um processo bem diferente da mixagem. E sim, faz toda a diferença. Eu poderia ter feito isso (e com certeza farei assim no meu próximo trabalho). Mas, como foi um projeto bem pessoal, eu quis participar de todo o processo, e me adentrei na masterização. A dificuldade: como não tenho um estúdio adequado, masterizar foi um trabalhão em dobro.

Eu testava o resultado no carro, no som da sala, no celular, com fones de ouvidos bons, com fones ruins…Tudo isso seria evitado com um Engenheiro de Masterização profissional. Mas eu quis aprender, e na prática isso ficou mais fácil pra mim. Mas com certeza, meu álbum teria tido um resultado, creio melhor, se eu tivesse terceirizado a Masterização. Fica o aprendizado.”


[Hits Perdidos] Gravar tudo em casa na qualidade que conseguiu é realmente de tirar o chapéu. Como funcionou isso? Montou um estúdio em casa?

“Sim. Adquiri uma interface de áudio de 8 canais de terceira mão. Usei microfones bem simples, partindo do princípio que todo o som que queria estava na minha mente e que era possível atingir o que queria. Então, uma interface, um computador e dois monitores de áudio. Foi tudo o que eu tive. As guitarras e baixo e teclas foram gravadas em linha, então EQ no computador. Para a bateria, transformei meu quarto num espaço para grava-la. Ela foi gravada em 6 canais. A voz foi gravada dentro de um closed de um quarto. Aproveitei a madeira e roupas para usar como abafadores de som e pegar o som mais limpo possível. O violoncelo de Rute Lopes foi gravado numa sala com bastante Reverb. Eu quis pegar o Reverb natural do ambiente.”

[Hits Perdidos] Você diz que aprendeu a maioria das coisas com auxílio de amigos e é meio autodidata. Em que momento você falou: vou para Los Angeles absorver mais? Como tem sido a experiência? Recomendaria para outros artistas/produtores fazerem o mesmo?

“A minha vinda para LA não foi apenas com esse objetivo. Então, juntei o útil ao agradável. Aqui, eu noto que espalhar conhecimento é muito importante para eles. Os americanos gostam de ensinar, ver outros aprender.

Infelizmente, em alguns fóruns, Grupos do Facebook, se tem muito professor e pouco instrutor. Muita gente para só dizer que faz melhor que você e ninguém para pegar sua mão e te direcionar. Por isso, gostei do americano. Estou fazendo um curso breve numa renomada Faculdade de Artes de Los Angeles, e é um curso gratuito. Recebi até mesmo um convite para em agosto participar de Workshops em Abbey Road Studios, em Londres. Gratuito. Não vi iniciativas dessas no Brasil.

Apesar de amar o processo caseiro, é importante pra mim também aprender o lado profissional. Até mesmo como Negócio. Por isso, minha experiência é que sim, vale a pena se tiver a oportunidade para isso.”

Para passar a régua e fechar o post com chave de ouro depois dessa aula de produção e repertório. Decidi questionar sobre o futuro.

[Hits Perdidos] Como tem sido a receptividade com o disco (The Color Of Sound -2016)? E quais os planos para o futuro?

“Eu não tive condições de fazer uma grande divulgação. É muito difícil fazer as coisas sem aporte financeiro. Então, percebe que hoje se não tem grana, é muito mais tortuoso para mostrar o seu trabalho, por mais excelente que ele esteja. Porém, para quem ouviu, quem curtiu, as recepções estão ótimas. Para mim, o mais importante é que dei o sangue para fazer isso sair do papel. Suei para fazer as ideias saírem da minha mente e virarem som. Eu me daria tranquilamente uma nota 9. Mas me dou 8, pois não gosto da minha voz. De verdade. Não acho que canto bem. Como por ser um projeto bem pessoal, quis dar a cara pra bater. E o meu principal retorno: pessoas se animaram para fazer o mesmo. Isso vale muito!
“Sobre meus projetos futuros, eu já estou compondo novas canções e pretendo em agosto iniciar os trabalhos de produção. Farei uma coisa mais enxuta, sem muita “pilhação”. Serei mais organizado dessa vez e acho que o que estou aprendendo aqui, me ajudarão a mixar e masterizar melhor.
Minha ideia no futuro é ser engenheiro de som, gravar outras pessoas. Eu ajudei na gravação do album autoral da banda Whatever. Eu mesmo fiz a captação deles, mixagem e master. Foi um grande desafio, pois o meu LP eu gravei um instrumento de cada vez. Mantive o controle. Já para a Whatever, gravamos a banda toda junta, com apenas alguns overdubs pontuais. Não saiu como eu esperava completamente, por causa da falta de experiência, mas o resultado me satisfaz muito, pois é um sonho que se realiza, em ajudar seu amigos a também mostrarem o som deles.”

“Em breve lançaremos um álbum ao vivo. The Color of Sound foi tocado na íntegra. Em fevereiro fizemos uma festa de despedida pra mim, antes de embarcar para LA. Tocamos o álbum na íntegra.”


Uma pequena amostra para matar a curiosidade:

Ficha técnica da formação da banda ao vivo:

Guitarra Base: Mayer Kafrouni
Guitarra Solo: Marcelo Mayer
Bateria: Fernando Mayer
Baixo: Erico Alencastro
Teclado: Leonardo Schons
Foi gravado no Espaço Som em SP, com produção, mixagem e masterização por Felippe Pompeo.
Sobre o futuro de seu estúdio caseiro, Mayer já tem planos para – se tudo der certo – expandir para um estúdio móvel com melhor capacidade e assim dar um pontapé inicial em seu sonho de se tornar um engenheiro de som profissional.

“Entrei com um projeto no Ministério da Cultura, pela Lei Rouanet, para montar um estúdio móvel mais emparelhado e ajudar outros artistas a também gravarem. É incrível como tem gente boa por aí que não grava porque os processos num estúdio convencional são muito caros. Apesar de toda a polêmica em volta da Lei Rouanet recentemente, eu acredito no meu projeto, pois é cultural, honesto e vai ajudar muitos artistas. Sem cobrar deles e nem do público que vai consumir.”


A entrevista foi bastante rica e mostra um lado que no Hits Perdidos as vezes passa batido apenas dando nomes aos responsáveis pela produção, mix e masterização. Dessa vez o holofote foi para todo o processo e não apenas focado em seu resultado final. É muito bom ver, num país onde temos a cultura tão deixada de lado no quesito leis de incentivo e ajuda do governo, pessoas com gana e força de vontade de pensar no coletivo. De tentar construir, mesmo na dificuldade, um profissionalismo que hoje em dia é raro entre bandas, artistas, selos e produtores.

O profissionalismo e o respeito pela arte deveriam ser o carro chefe da indústria em todas suas faces. Seja na banda na hora de ensaiar, na casa na hora de repassar o cachê, no selo em distribuir de forma honesta, em respeitar o trabalho de quem faz parte da produção nos eventos e na profissionalização de nossos engenheiros de som que tem um trabalho danado e muitas vezes vivem a margem do reconhecimento que deveriam receber. O showbizz precisa de tudo isso e tantas outras coisas. O ecossistema da música é complexo, envolve muito investimento financeiro e – na maioria das vezes – o retorno muitas vezes é baixo.

E convenhamos, não é porque você faz as coisas por amor, que não merece ser um profissional valorizado. E o mundo da música respira a cada Mayer que esbarramos nessa jornada. A cada produtor que apoia a cena independente, a cada banda que faz o “corre danado do dia-a-dia” em nome da boa música.


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This post was published on 5 de abril de 2016 1:07 am

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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