Katze revela as dores e memórias por trás de “Fratura Exposta” em faixa a faixa exclusivo
A espiritualidade, as memórias, os traumas, neuroses, as Deusas e o poder de cura reverberam no disco de estreia da cantora, compositora, beatmaker e produtora musical Katze. Conhecida por seu trabalho ao lado das bandas curitibanas Cora e Noid, a artista traz relatos bastante pessoais e sensíveis ao longo das 10 faixas que contemplam a estreia, Fratura Exposta.
O material sucede seu primeiro EP, Moon Phases of a Relationship, e funde referências de trap, o rock e o indie com uma roupagem bastante contemporânea e distinta em relação aos seus outros projetos. Se você gostou do álbum de estreia do RESP, 2X, provavelmente irá curtir a proposta de colagens sonoras.
Na era do algoritmo e contemplando a ansiedade dos nossos tempos, o registro conta com aproximadamente 25 minutos e tem a participação especial do rapper Bface em “Estarless”, um dos pontos altos do álbum.
Katherine Finn Zander, aka. Katze, traz consigo a proposta de lidar com as feridas internas que carregamos.
“Reconhecer a dor é o primeiro passo para a cura, por isso eu exponho a fratura. A gente só tem certeza que algo está errado no nosso corpo quando sentimos dor, ela nos impulsiona a tomar uma atitude. E ao expor o que está quebrado em mim, eu reconheço o que e onde dói e acolho o que sinto”, explica Katze.
O sentimento de empatia – e de abraço imaginário – é o que move as batidas e brisas da estreia da paranaense que faz o convite para que o ouvinte reconheça sua dor e não deixe com que suas feridas se anestesiem. Trazendo à tona uma imensidão de reflexões, estabelecendo paralelos com situações vividas no cotidiano e despertando um sentimento de acolhimento genuíno para enfrentar os fantasmas do passado.
Para que desta forma o ouvinte olhe para o futuro com as cicatrizes fechadas. Ela mesmo se coloca no lugar de forma bastante empática em trechos como:
“Se se sente imagina eu,
30 ano na cara e nada entendeu
te contei o caminho que me levou destruir meu destino
a cada novo silêncio é um pedaço meu que dilacera”, Trecho de “Obsidiana” (Katze, Fratura Exposta / 2021)
Katze Fratura Exposta (2021)
A cantora, compositora, beatmaker e produtora musical curitibana preparou um faixa a faixa exclusivo para o Hits Perdidos e contou mais sobre as nuances, dores e o poder de cura. Ela aproveitou, claro, para falar sobre como a conexão com espiritualidade e a vivência dos relacionamentos influenciaram em seu primeiro álbum solo.
1) TRONO DE LÓTUS
Katze: “Eu fiz esse som quando tava numa fase bem terrível, passando por vários processos de luto e minha mãe me sugeriu consultar o oráculo da Kuan Yin, deusa adorada em diversas culturas orientais. Tirei a carta que batiza a música, ela trazia ensinamentos de acolhimento e autonomia.
Além disso, traz em sua simbologia a flor-de-lótus, que nasce e se enraíza na lama. Onde não há lama, não há lótus. A lama representa todo tipo de sofrimento e dificuldades necessárias para criar base e terreno fértil para o desabrochar de nossa consciência. Por fim, adicionei aquele áudio da minha mãe no início do som, era sobre outro assunto, mas me ajudou muito a refletir sobre questões que também faziam parte do contexto dessa música.”
2) INVISÍVEL
Katze: “É meu hino feminista (risos). Tive figuras masculinas bastante complicadas na infância (como a maior parte do povo brasileiro), e ao chegar na fase adulta, escolhi companheiros bastante complicados. A minha sensação de desvalia e invisibilidade é reforçada o tempo todo, e nesse som tirei um momento pra reclamar sobre isso.”
3) KANI KAMA
Katze: “Deve ser a música mais boba do álbum (ou talvez um respiro naquela densidade toda, risos). Eu escolhi ela como faixa foco por achar que é a mais dançante e envolvente, mas ela não deixa de ter um conceitinho também…
kani-kama, a comida, é uma propaganda enganosa, se vende no mercado como carne de caranguejo, mas não passa de uma salsicha de peixe. ainda, a frase é um anagrama de uma declaração de amor pro meu ex (socorrr, risos). E por fim, também tem um trocadilho infame com cana (cachaça mesmo) e cama (literal mesmo, risos) que é mais ou menos no que algumas das minhas relações se pautavam 🙁
E embora possa parecer só mais uma tola canção de amor, eu trago temas de outras músicas do disco, como a repetição de padrões e também a dificuldade de escolher o que eu quero (algo mais racional e que eu sei que é “certo” e bom pra mim) em detrimento das coisas que eu desejo (que apenas sinto, inconscientemente ou instintivamente que quero) e o domínio que esse desejo tem sobre a minha personalidade a ponto de me levar a me relacionar com gente que não me respeita.”
4) PSICOSTASIA
Katze: “Foi batizada com o termo encontrado no livro dos mortos egípcio e representa o julgamento final das almas no tribunal de Maat, Deusa da verdade, justiça, retidão e ordem, em que o coração do morto precisa pesar menos que uma pena para ser absolvido.
Esse som veio dos devaneios que tenho com relação às minhas atitudes e das pessoas perto de mim, sobre falar a verdade, sobre ser virtuosa (ou não), sobre arrependimentos, saudades, escolhas, essas coisas que a gente pensa e revê quando tá prestes a morrer (risos aflitos).”
5) SAMSARA
Katze: “É um conceito budista e hinduísta que pode ser descrito como o ciclo incessante de morte e renascimento, em que o indivíduo só se liberta quando alcança o estado de nirvana. Mas no meu entendimento o Samsara é um tipo de personal hell: é um ciclo que vc não consegue romper e ele se repete porque tem uma questão mal resolvida.
Essa música veio em um momento em que eu tava me relacionando com uma pessoa de que tinha namorada e essa situação me trouxe um desconforto muito familiar. Eu fui querer entender de onde esse desconforto vinha e fui parar nesse momento do meu passado onde eu sentia que eu não ocupava um lugar que era meu e não exercia um papel que me cabia. E agora, mesmo sendo uma pessoa adulta, parece que essas situações na infância me marcaram de tal forma que isso modela meu comportamento nas escolhas que eu faço hoje em dia. E por mais que eu queira seguir outros caminhos, acabo atualizando esse ciclo sem querer 🙁
6) OBSIDIANA
Katze: “É uma rocha de vidro vulcânico usada em terapias alternativas para contatar com força e intensidade o seu lado de sombras, questões ocultas e inconscientes, bloqueios, traumas, segredos, medos, emoções reprimidas e lembranças antigas. O magneto ensina o caminho para desvelar quem realmente se é. E esse som acabou sendo exatamente isso: um desvelar de várias questões ocultas de uma relação que tive e que era muito confusa e complicada.”
7) SHIVA
Katze: “Deidade que na tradição hindu representa o que destrói para construir algo novo, motivo pelo qual muitos o chamam de “renovador” ou “transformador” – em um interlúdio de beat instrumental com trechos da palestra da psicanalista Maria Homem sobre o ódio.
Acho que o recorte que eu trouxe da fala dela é mais sobre essa desmistificação do ódio como um sentimento apenas negativo. Eu costumava reprimir esse afeto por pensar que só me fazia mal, até entender que na verdade o ódio pode até te proteger de situações que te fazem mal. E para além disso, a professora coloca o ódio como potência criativa e tão logo me remeteu à Shiva.”
8) FACA
Katze: “Tem várias frases “roubadas” de músicas do Inaki a.k.a Ice Neve, tanto é que algumas pessoas me perguntaram se era uma “diss” pra ele (risos). Na realidade, esse som veio da frustração que tive com uma pessoa que se dizia minha amiga, mas que puxou meu tapete de uma das formas mais cruéis que já vivi.
No fim também tem um áudio da minha mãe (que era sobre outro tema), mas o exemplo do lugar da faca pra mim foi tão nítido e útil que achei que o mundo deveria ter acesso (risos).”
9) ESTARLESS
Katze: “Essa música saiu em 2018 quando chamei o Bface pra fazer um som. a gente meio que resolveu tudo (letra e produção) em um único dia. Mas foi esse ano que nos reencontramos e demos uma repaginada na produção dela, que conta com sample da música “Starless” do King Crimson. Como é uma canção sobre mal-estar, acabamos fazendo esse trocadilho infame com o nome (risos).”
10) DISSOCIAL
Katze: “Esse som vem de uma sensação de inadequação, especialmente em festas e shows, parece que todo mundo sempre tem que tá se divertindo e pulando…e eu não consigo. Gosto de pegar a oportunidade de ver as pessoas que estão ali pra conversar de verdade, saber de verdade quem elas são e/ou como estão. Para além disso, foi um resgate afetivo do HC melódico que eu ouvia na pré-adolescência, a temática da música me levou pra essa época…”