Resp traz colagens, experimentações e lo-fi hip hop em “2X”
Colagens, frequências, vivências, testes, quebras, experimentações e uma energia magnética. Tudo isso faz parte proposta libertina e agregadora do Resp, projeto de Lorenzo Molossi, que já performou o Mante e tocou/toca em bandas como Veenstra, Imã e Cora.
A linguagem é seu ponto de partida nos mais diversos âmbitos, desde a narrativa, passando pelos elementos escolhidos ao mix de estéticas. Tudo com muito detalhe e englobando universos, e realidades completamente distintas. Voraz, por si só, sua pesquisa vai desde os inventivos King Krule, Standing on the Corner e Earl Sweatshirt aos brasileiros Yung Buda e NiLL.
Assim como Run The Jewels no ótimo TJR4, a mixtape que leva o nome de 2x conta com diversas participações especiais, entre elas Katze, Shower Curtain, teshea e Deni. A sinergia de Resp é tão agregadora que estilos como hip hop, jazz, folk, rock, lo-fi, eletrônica acabam convivendo em harmonia.
Resp / 2x, a Mixtape
A mixtape é o resultado final de uma busca por referências, texturas, experimentos e aperfeiçoamento realizado nos últimos 5 anos, de 2015 a 2020, quando o primeiro ciclo do projeto se materializa.
Assim como o filme Número 23 (Joel Schumacher, 2007), estrelado por Jim Carrey, a fascinação e obsessão por um numeral foi o ponto de partida para o longo processo. Simples objetivo auto-imposto a limitar canções com até 2 minutos de duração.
Quase um objetivo digno do punk rock, e suas inúmeras vertentes, só que para criar algo novo e não tão preso em uma só estética.
Os astros, o equilíbrio e a magia do Yin-yang, a constante de Feigenbaum, o espírito colaborativo, sua história e aprendizados, drogas, rotina, trabalho e o tempo, acabam entrando como elementos da sua narrativa.
As transformações, paisagens, conexões internas e externas, acabam equalizando nas frequências, horizontes e complexidade da identidade de Resp.
“São composições baseadas em beats sampleados e guitarra”, conta Lorenzo Molossi, do Resp, que já tocou bateria em diversas bandas
A Audição
Ouvir esse disco é feito uma viagem de trem, a cada estação a mixtape entra em uma diferente rotação e fluxo. Seja no assunto que aborda, como pela colagem que elabora. Ela bate em diferentes frequências. A conversa ganha desdobramentos, passando íntimo, pelas relações interpessoais e pelo cotidiano.
O Jazz, o coral, o folk, o hip hop, o rock, o sing-a-long e a música eletrônica acabam entrando na engenharia feito os episódios de uma série com começo, meio e fim. Daquelas que a cada vez que você assiste tenta observar por outro ângulo.
Com a vibe hora caótica, ora chill, as diferentes vivências e experimentação são condensadas. Assim como os questionamentos que extrapolam a auto-crítica e individualidade, por mais que estes também sejam pilares dentro sua parte lírica.
Urbano, acizentado, caótico e abrangente, ele dialoga com os “corres” das principais metrópoles e capitais brasileiras sob um ponto de vista de outsider. As participações trazem novas estéticas e visões para a obra, deixando se levar pela corrente dos bailes da vida.
Com uma liberdade e sem medo pelo que vai encontrar pelo caminho. Como artista ele sabe roubar como diz o livro de Austin Kleon, deixa claro em suas entrelinhas, com direito até mesmo a citações de outros artistas e referências da cultura pop; entre arranjos, timbres e sonoridades.
Resp: O Processo de 2x
Lorenzo Molossi contou com exclusividade detalhes sobre o processo de criação do primeiro lançamento do Resp, 2x (2020).
Confira o texto livre do músico
A base de 2x veio da sobra de trampos feitos entre 2015 e 2018. A mais antiga a entrar no álbum é CWCG – da época que conheci o thesea, janeiro de 2017. Sempre quis chamar alguém no feat, e quando rolou com ele vi que era possível. A versão original de CWCG tinha quase 7 minutos e incluia também 600202 e uma outra parte que não terminei.
Várias músicas eram assim: demos enormes com muitas partes. Em dezembro de 2018, quando lancei o Som Estendido, um EP tipo checkpoint do álbum, composto de algumas dessas demos, lembro de não sentir muito o público durante os shows. O som era muito confuso. Percebi que o melhor seria separar as partes, ser mais direto.
A maioria dos trinta e poucos cortes que surgiram não passavam de 2 minutos. Quando ouvi Whack World da Tierra Whack, que são 15 tracks de 1 minuto (algumas nem se resolvem, só cortam do nada), comecei a gastar uma onda com criar os sons sem passar dessa marca do 2. P
irei nos símbolos do número 2 mais a fundo quando escrevi 2020HIDRA e Na Pele 2x, especialmente o verso “já vivi na pele duas vezes (2x)”. Isso conectou tudo. Foi aí que decidi o nome do álbum e o tema. Veio a ideia de Karma, Yin-yang, Feigenbaum, Gêmeos (por isso escolhi lançar em junho), Libra, Dois de Paus, Sol e Lua, Luta ou fuga, Eu e Outro, etc etc.
As Experimentações de Resp
Já em 2020, pré-COVID, testei elas ao vivo antes da finalização, e isso mudou bastante coisa. Surgiu Nova Lua, que é uma versão alternativa e mais lenta de uma track chamada Lua; e também Relaxx, quando conheci o Deni aleatoriamente numa festa da Casaluzdelfuego.
Katze e Vic entraram pra somar ainda mais nessa fase final. Ambas conheço a alguns anos e já tivemos banda, selo, clipes e altos roles junto. Com a Katze fui batera no álbum El Rapto da Cora e na Shower Curtain toco bateria nos shows.
Meu instrumento é a bateria, por isso boto beat em tudo. É difícil pra mim sentir uma track que não tem um ritmo forte. O som que eu tento fazer é beats do Kanye (West) encontram a vibe do King Krule. Piro muito nas colagens lo-fi do Standing on the Corner e Earl Sweatshirt. Mas na hora de cantar só consigo focar no que é daqui, então tenho aulas com Gil, Taiguara, Yung Buda e NiLL, pra citar os mais mais.
Tive que cortar muita (muita) coisa pra montar o 2x, porque acho que hoje só faz sentido a ideia curta e direta. Se o trampo do artista é roubar o tempo das pessoas, to trabalhando numa época de crise de tempo.
10 faixas e menos de 30 minutos, músicas de 2 minutos, só isso vira. Muita coisa ficou de fora e assim já tem uma mixtape quase pronta, que imagino pro início de 2021, com muito mais samples, um pouco de post-hardcore e mais participações.
Ouça a Mixtape
Faixa-a-faixa de 2x
A sinergia, conexões, e detalhes do lançamento do projeto Resp são latentes ao projeto. A música, a literatura, as paisagens naturais, o cosmo e o mundo a sua volta acabam transparecendo ao longo das 10 faixas da Mixtape.
Confira um faixa a faixa detalhado com impressões, contextos e relatos do músico. O texto é assinado por Flora Miguel.
TEMPO
Recheada de samples, a canção traz o alternativo para a pista de dança, “Tempo” fala do ofício do artista: criar distrações, “na missão de matar o tempo”. É também sobre mudança: a ideia de que não é possível entrar duas vezes no mesmo rio, porque a água está sempre em movimento.
O álbum foi finalizado a poucos metros do Rio Belém, em Curitiba, e aqui Resp o imagina como os espíritos dos rios do filme “A Viagem de Chihiro”. Ao final, um trecho de entrevista de Clarice Lispector. Questionada se ela se reinventa a cada trabalho, ela responde: “agora eu morri, vamos ver seu eu renasço”.
CWCG part. thesea
Primeira colaboração do álbum, em “CWCG” Resp convida thesea para falar sobre a possibilidade de criar uma nova persona ao se jogar na estrada, já que em outras cidades ninguém te conhece.
Os artistas se conheceram nesse contexto, em datas comuns em turnês de suas bandas, em Campo Grande. A faixa também explora o mundo dos sonhos, onde nossas intenções e ambições se expressam sem filtro. Questões sobre movimento e mudança reaparecem: “tenho que andar, não sei criar raiz em nenhum lugar” canta Resp.
OLHE / EU SEI
Escrita no trem em São Paulo, esta faixa é um exemplo da habilidade de Resp de criar verdadeiros portais e combinar canções aparentemente desconexas em uma única. A primeira parte, “Olhe”, um hip-hop alternativo de atmosfera urbana, fala do caos e magia da metrópole, sobre observar e buscar, e como é possível reconhecer verdade nos outros apenas pelo olhar.
Brincando com o ouvinte – “tu acha que sabe o que vem agora?” – Resp transiciona para “Eu Sei”, de tema muito mais otimista, onde canta sobre liberdade e perigo, esse amor envenenado da cidade.
NOVA LUA
Cercado de ambiência atmosférica, como olhar a Lua numa noite de névoa, Resp canta sobre um artista com esperança de ter retorno de seu trabalho. Ele sabe de sua função, “meu serviço é roubar teu tempo”, e já tentou diversas coisas, como um camaleão que busca não se repetir e sobreviver.
A melancolia nos mostra que talvez não tenha sido bem-sucedido. Enquanto viaja no busão 265 ou 777, o protagonista observa a Lua e procura um tipo de conforto: “diz: ‘fica peixe, a gente ainda vai virar e viver aquelas coisa, as notas de cem’”.
2020HIDRA
Esta faixa é outro exemplo de duas canções dentro de uma. A imagem da Hidra é central aqui, como uma força monstruosa que se multiplica exponencialmente. Na primeira metade, o ritmo frenético parece acelerar e somar cada vez mais artefatos, como várias fichas caindo sobre situações negativas.
Esse empilhamento de raivas explode na segunda metade, que, apesar de menos intensa no som, tem uma atmosfera ainda mais ameaçadora. Na letra, Resp conta de dias quentes mas feios, de rolês e goles infinitos e sem sentido, “no sangue, fogo”. Mesmo sabendo que não o leva a nada, ele clama “toda essa raiva… mais!”.
RELAXX part. Deni
Iniciando a segunda metade do álbum, Resp se une ao rapper Deni, do selo Mandarinas. “Relaxx” tem um beat tradicional de hip-hop, mas os outros samples, melodias e guitarras tornam essa track uma curiosa mistura desse mundo com o do rock alternativo. Os artistas falam sobre manter-se humilde e somar forças na caminhada, “não faz o corre sozinho não”. Como uma resposta à faixa anterior, o refrão diz “relaxx um pouco aí, só precisa do tempo”. Essas contradições, dualidades e, porque não, mentiras, são constantes no álbum e totalmente dentro do domínio do número 2.
600202 (CUIDADO) part. Shower Curtain
A parceria, a amizade e a coletividade transformam a pessoa. A voz doce de Shower Curtain acompanha Resp em “600202” e os dois cantam juntos a letra sobre cuidado e carinho com si próprio, os outros e a cidade.
Em contraste com “2020HIDRA”, onde o sujeito clama pela raiva e pela destruição, aqui os artistas dizem “cuidado com teus desejos, tu atrai tudo que procura”. Uma sequência de áudios de Whatsapp pontuam a parte final da faixa, onde estão presentes diversas amizades e amores, colaboradores deste trabalho.
OSASCO part. Katze
Outra faixa que mostra a influência do hip-hop e do R&B neste álbum, em “Osasco” o beat é “Sugah Daddy”, do norte-americano D’Angelo. Em tema que se conecta com “CWCG”, Resp canta o poema original da amiga Isabelle Eller, sobre sentir-se preso à uma persona criada em relação a sua cidade natal, “onde Osasco acaba também acabo eu”.
A protagonista busca o Sol como forma de libertação. Katze soma cantando sobre vícios e fugas, predominantemente na madrugada, também ligando a noite a uma falta de resolução. Ambos parecem se livrar das angústias no fim dos refrões, da maneira mais direta possível: “parei com esse som igual cansei de ti”, eles cantam.
NA PELE 2X
Faixa que deu nome ao disco. Resp canta sobre karma, sobre receber duas vezes algo feito a alguém. A força da repetição é o que tira uma situação do domínio do acaso, e também gera aprendizado. Apesar dos significados, esta é uma canção de amor simples.
Para o autor, amar equivale a morrer, porque é inevitável se desapegar da pessoa que você já foi pra que seja possível conviver com outra, e a morte física seria o maior amor, por ser a única certeza no absurdo da vida. A letra então, em forma de carta, tem como destinatário M., de Morte.
SOU DE SOL
O encerramento oferece desapego, dizendo que “sempre é melhor soltar”. Essa força de mudança relacionada ao Sol contrapõe os temores e profundidades da Lua, que domina boa parte dos temas de “2x”, e oferece uma resolução simples e direta, intenção presente na curta duração da faixa e na instrumentação mais simples de todo o projeto.
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