Nilüfer Yanya estreia em São Paulo com show intenso e atmosfera sombria no Cine Joia
Nilüfer Yanya no Cine Joia. – Foto Por: Rafael Chioccarello (Hits Perdidos)
Nilüfer Yanya se apresenta pela primeira vez no Brasil via ÍNDIGO, plataforma da 30e
Muitas vezes reclamamos por demorar muito para assistir a um artista em seu auge artístico. Seja pela dificuldade de construção de público em outro continente como também pelos altos custos que envolvem o esforço dos produtores. A vinda de Nilüfer Yanya ao Brasil, em meio ao seu terceiro álbum de estúdio, vai justamente contra essa frustração.
Podemos atestar, com certa tranquilidade, a qualidade de seus dois álbuns mais recentes, My Method Actor (2024) e PAINLESS (2022), que agradaram não somente a uma base de público, como também encantaram a crítica especializada.
Filha de dois artistas visuais, com mãe de ascendência irlandesa e barbadiana e pai turco, a artista teve a oportunidade de estudar música e se desenvolver como produtora. A riqueza dos ritmos e combustão sonora do seu jeito de produzir pop não é por acaso. Influências do indie rock, soul, jazz e trip-hop são perceptíveis em seu som. Lembro-me quando pude conhecer seu trabalho durante o lançamento de uma coletânea na qual ela reconstruiu uma versão de Pixies (“Hey”).
Seu vocal bastante maleável e sua técnica são fatores que impressionam na apresentação da tímida inglesa nascida em Londres. Seu estilo de produzir música já lhe rendeu comparações a artistas variados como King Krule, Siouxsie and the Banshees, Parquet Courts e The Breeders. Tendo isso em vista, o que mais me interessava em conferir ao vivo a apresentação que aconteceu na noite da quarta-feira (12) era justamente qual seria a energia e a vibe que a artista imprimiria na apresentação.

Um setlist equilibrado entre introspecção e energia
Se seria algo mais eletrônico, dançante, punk, post-punk, pop ou até mesmo convocando o público para cantar junto. O que vimos no palco do Cine Joia foi uma artista ganhando confiança a cada nova música que era apresentada e que distribuiu seu setlist igualmente com seus dois mais recentes discos. Tivemos até uma versão mais intimista de ‘Rid of Me’, clássico absoluto da PJ Harvey — uma grata surpresa.
Das inúmeras opções de como comandaria o show, ela optou por um misto entre pop e post-punk, não que chegue a ser um dark pop, mas até mesmo o direcionamento das luzes que alternavam entre roxo e avermelhado sugeriam um show com enfoque nessa energia mais introspectiva e muitas vezes mais gelada. Como se trouxesse mesmo um pouco da capital inglesa para São Paulo.
Entre o pop e o post-punk: um show de atmosferas e contrastes
Entre momentos mais introspectivos, o show alterna entre a dinâmica da saxofonista Jazzi Bobbi, que também assume os backing vocals, e sua capacidade vocal de impressionar com sua maleabilidade. A interação com o público foi um show à parte. Se muitos artistas parecem que são “brifados” previamente que o Brasil é explosivo, receptivo e que deixa memórias, ela demorou um pouquinho para se acostumar com o carinho que recebia desde “Method Actor”, faixa que abriu o show. Para se ter uma ideia, a primeira fala — ‘Olá, Brasil..’ — veio só antes de cantar ‘Crash’, que antecedeu o hit “Like I Say (I runaway)”, esse cantado em uníssono pelos presentes que ocupavam cerca de metade do espaço.
É bem verdade que o show tem seus altos e baixos, mas ela faz valer muito quando sobe. É o caso dos momentos em que toca a introspectiva, mas radiofônica “Call It Love” que vem em dobradinha com “Binding”. A sequência do PAINLESS com “the dealer” e “stabilise” talvez tenha sido um dos pontos mais altos do show, justamente pelo delírio e sinergia com uma plateia que queria cantar aqueles hits de uma pista nada confessional em canções que ressoam como o desabafo de quem quer que tudo se encaixe e fique bem.
É o caso do refrão de “stabilise” que questiona justamente se em algum dia tudo vai se estabilizar. Aquele pop derradeiro cheio de sentimentos envolvidos que ao observar o rosto dos presentes parecia traduzir uma série de sentimentos das vidas cotidianas. “Rid of Me”, da PJ Harvey, é tocada de forma mais introspectiva e realça a capacidade da artista em retrabalhar canções de outros grandes artistas.

Clímax, encerramento e conexão
Pouco mais de uma hora após o início do show, ela avisa os presentes que iria tocar sua última canção da noite. Neste momento os presentes até se perguntaram se seria apenas uma provocação, mas ela foi direta. Embora a escolha por fechar com “midnight sun” tenha sido bastante feliz, visto que é uma das mais pesadas, com direito a arranjos mais roqueiros e atmosfera upbeat que incendiou a casa. Conversando no fim do show, chegamos à conclusão que foi um show muito mais focado em vibrações e conexão intimista do que poderia ter sido. Feito um show numa tarde no tão londrino Hyde Park, nada mal, né?
No fim do show, a artista retirou todos os setlists do palco. Minutos depois tudo se justificou. Yanya pegou eles e desceu do palco, ficou cerca de 30 minutos autografando vinis, tirando fotos com os fãs e presenteou alguns felizardos. Ganhou pontos demais pela humildade, respeito e carinho com quem mesmo do outro lado do oceano a acompanha e saiu de casa em plena quarta-feira para assistir a ela.

Setlist Nilüfer Yanya em São Paulo
Method Actor
L/R
chase me (in)
Crash (Interlude)
Like I Say (I runaway)
Wingspan
Ready for Sun (touch)
Heavyweight Champion of the Year
Call It Love
Binding
trouble
the dealer
stabilise
Rid of Me (PJ Harvey cover)
midnight sun