Curadoria de Palco: Festival Carambola 2025
Didi Magalhaes e Lili Buarque, diretoras do Festival Carambola. – Foto Por: Karoliny Nascimento
Curadoria de Palco estreia com entrevista exclusiva com Lili Buarque sobre o Festival Carambola 2025
No dia 1º de novembro o Festival Carambola chega à sua 9ª edição e acontece em Jacarecica, no litoral norte de Maceió, homenageando o Rio São Francisco e traz para o palco a sonoridade de regiões atravessadas por essas águas. Desde 2019, Lili Buarque (Diretora de programação) e Didi Magalhães (Diretora artística) conduzem juntas o principal evento independente de música em Alagoas.
“Escolher o São Francisco como tema é um gesto de celebração e também de alerta. Em um ano de COP 30 no Brasil, isso dialoga diretamente com as urgências da crise climática e reforça o compromisso do Carambola com a preservação, a sustentabilidade e a transformação através da cultura”, aponta Didi Magalhães, diretora artística do Festival Carambola.
O Carambola é reconhecido por fortalecer a cena autoral nordestina e conectar o público a artistas de relevância nacional, sempre a partir de uma proposta estética e curatorial comprometida com a diversidade.
Neste ano o line-up é composto por Luedji Luna (BA), Marina Sena (MG), Saci (AL), Fidellis
“A curadoria deste ano seguiu o fluxo do Rio São Francisco e seus ensinamentos. Escalamos atrações oriundas dos estados cortados pelo rio, mas não só. Estão presentes outros nomes e conceitos que trazem essa ideia do mergulho, de pesquisas musicais aprofundadas e diversas, como se fossem “afluentes estéticos”.
Acreditamos contemplar demandas do público alagoano e, ao mesmo tempo, manter uma linha que mistura o novo com o mais antigo, o pop com o erudito, entre outras confluências”, reflete Lili Buarque, diretora de programação e curadora do Festival Carambola.
A nossa editoria Curadoria de Palco começa dando destaque a um dos mais importantes festivais do circuito nordestino.
Curadoria de Palco, mapeia o que leva os artistas aos palcos dos principais festivais e casas de show. Um espaço feito para programadores, curadores, bookers e amantes da música ao vivo poderem falar sobre o seu lado do bizz sem amarras ou cortes. Com direito a entrevistas, provocações e análises pensadas por quem vende e contrata o front.
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Curadoria de Palco: Festival Carambola
O festival chega a sua 9ª edição, quais foram os maiores aprendizados e como vê as mudanças ao longo do tempo?
Lili Buarque: “Ah, com certeza a maior mudança é o tamanho que o Carambola tem hoje em dia. Nossa primeira edição foi uma noite, numa casa de shows, e quatro bandas. Agora a gente ocupa uma área externa, próxima ao mar, com capacidade para 6 mil pessoas e mais de dez atrações. É uma construção, né?
E depois de muitos anos de luta e fé nesse projeto, acho que podemos afirmar que atualmente o Carambola é o principal festival de música independente de Alagoas. Além de ser um espaço relevante de integração artística com outras linguagens – gastronomia, moda, artesanato, artes visuais, audiovisual, etc.
Sinto que nossa trajetória até aqui nos fez evoluir enquanto produtoras culturais e, ao mesmo tempo, vem formando um público muito carinhoso. Essa vem sendo a nossa maior conquista, com certeza: fazer o fã alagoano sentir orgulho de si e do seu território por meio da arte.“
Quais foram os shows mais interessantes ao longo deste tempo e como é o processo de ouvir o público para tomar decisões?
Lili Buarque: “Pergunta difícil, hein?! Poxa, a gente já fez muita coisa memorável por aqui, tanto com artistas locais, quanto com atrações de outros cantos brasileiros. Mas acho que é impossível eu não citar nosso Campeão, Hermeto Pascoal.
O último show do bruxo em sua terra natal foi em nosso palco, em 2024. Ele já apresentava um quadro de saúde debilitado na época, mas por uma escolha própria, se esforçou ao lado de sua equipe e veio para Maceió. Foi um momento lindo, mágico, ele estava radiante. Fico feliz de pensar que o último encontro musical dele com Alagoas foi conosco.
Agora, sobre o público, a curadoria do Carambola está sempre atenta ao que o pessoal pede, é um termômetro de tendências pra gente entender o que vem ecoando por aqui. Mas também não abrimos mão de escolhas que nos fazem sentido, sabe?
A gente passa o ano todo pesquisando, ouvindo música, a equipe tá sempre consumindo outros festivais, gringos e brasileiros. Tudo isso contribui para uma curadoria ampla. É uma negociação interna, de saber captar as demandas do público e também as nossas. Festival de música é sobre descobertas, né? Então a gente tá sempre equilibrando esses pratinhos todos e sinto que estamos conseguindo achar um meio de campo bem bacana nesse sentido.”
A curadoria neste ano segue o fluxo do Rio São Francisco com atrações de estados cortados pelo rio. Quais foram os maiores desafios e como sente que cada artista contempla a narrativa?
Lili Buarque: “O maior desafio é a quantidade de projetos musicais incríveis que cada um desses cinco estados atravessados pelo rio apresenta. Teve muita coisa bacana encontrada durante a pesquisa, então, para definir os nomes, nos guiamos também pelas estéticas que seriam contempladas.
Isso nos ajudou a variar a programação com gêneros musicais diferentes e, ao mesmo tempo, peneirar as opções de cada estado. No final das contas, penso que alcançamos uma programação diversa, com atrações que se complementam em suas propostas, ainda que por caminhos e estilos diversos. Assim como o Velho Chico, nosso line busca essa integração nacional também. Uma música brasileira que deságua no mundo, mas sempre com as inspirações motrizes achadas dentro de casa.”
A ideia é manter curadorias temáticas? Como é o processo de pesquisa de vocês por atrações? Artistas sempre perguntam qual seria o melhor caminho para apresentar o seu trabalho, no caso de vocês, como funciona isso?
Lili Buarque: “Não, cada ano é um tema e nem sempre um tema de âmbito nacional como é o caso do Rio São Francisco.
Já homenageamos pessoas, como Mestre Nelson da Rabeca e Mestra Irinéia. E também já homenageamos o povoado da Ilha do Ferro. Nossas escolhas de homenagens têm mais a ver com a valorização da cultura alagoana do que, necessariamente, servir de referência para curadoria, entende?
Nossa curadoria segue outro fluxo, é uma pesquisa permanente porque, antes de tudo, somos fãs de música. Vamos a shows como lazer, sabe? Então é uma pesquisa orgânica e contínua, que vai se moldando a partir das aspirações temáticas que vão surgindo para cada edição.
E sobre o envio de material para análise da curadoria, a gente sempre olha nosso e-mail e DMs. Já recebemos materiais de artistas que não conhecíamos e que viramos fãs e entraram no line-up. A música tem desses caminhos misteriosos e a gente percorre todos eles.”
O compromisso com a valorização da cultura local e de artistas emergentes é algo que observamos a cada novo line-up do festival. Como vê a responsabilidade e que narrativas sente que eles agregam neste ano?
Lili Buarque: “É o ponto de partida e de destino do Carambola: fomentar a cena de Alagoas. Colocar Maceió no mapa da música brasileira de modo permanente. O festival literalmente nasceu disso.
Eu era artista e sentia falta de espaços para tocar em minha própria cidade, Maceió. Criei o Carambola para ser esse palco de vitrine de Alagoas para os alagoanos. E aos poucos o evento também assumiu esse caráter de formação de plateia.
É muito bacana ver crianças e jovens indo ao Carambola como seu primeiro evento cultural da vida, sabe?
Este ano, especificamente, acompanhando a ideia do Rio Opará, a gente se volta ao chão mesmo, isto é, artistas locais que abriram caminhos, como Fidellis e Wilma, assim como novos nomes que estão renovando o que se estende por “música feita em Alagoas”, como Saci e Bárbara Castelões, por exemplo. Isso sem falar de mais um momento especial em nossa caminhada: a estreia em Maceió do Grupo Sabuká Kariri-Xocó, tribo guardiã do Velho Chico, e que parte de uma cidade ribeirinha daqui, Porto Real do Colégio. O toré num festival de música popular, entende? É de um valor imensurável pra gente.”
Em um ano de COP 30 no Brasil, como vê que o festival Carambola contribui para o maior diálogo sobre preservação e sustentabilidade?
Lili Buarque: “A escolha pelo Rio São Francisco veio também dessa agenda, com certeza. Apesar da gente ser um festival sustentável desde nossa fundação até agora, este ano era inevitável não colocar esse tema como pauta principal. E o Rio São Francisco precisa, de fato, da nossa ajuda.
Ele corre risco de minguar em algumas décadas se nada for feito, a situação é bem dramática mesmo. Por isso que a nossa narrativa, para além de exaltar as riquezas naturais e culturais do rio, também foi a de olhar para ele com atenção, algo que traduzimos em nosso vídeo manifesto.
É um rio do qual milhares de pessoas sobrevivem e dependem. Acho que o Carambola contribui dando visibilidade a esse tema, trazendo ele pra cima do palco, refletindo sobre sua relevância por meio da arte, que tem um poder de diálogo e impacto sempre muito único e grande.”
Algo que sempre aparece em conversas com curadores e produtores fora do eixo é justamente a dificuldade em conseguir parceiros e patrocinadores. Em estudos de caso conseguimos ver a concentração das principais marcas em festivais no sudeste. O que acredita que precisa mudar para que mais parcerias aconteçam nesse sentido?
Lili Buarque: “Um olhar descentralizado. Precisamos de mais pessoas de outros estados brasileiros assumindo as tomadas de decisões que partem do eixo, que entendam que todo público importa, todo festival é uma oportunidade de impacto social e econômico, para além da visibilidade pura e simples.
O capital está concentrado no eixo, mas a cultura está pulverizada por todo o país. É importante descentralizar a leitura do Brasil que temos também. Essa coisa de “centro” e “Brasil profundo”. Isso não existe. Somos uma coisa só. Com suas particularidades, é claro, cada região com sua cultura e contexto, mas ainda assim, uma coisa só. Descentralizar bota todo mundo em pé de igualdade e fortalece a economia criativa brasileira.”
Outra crítica que vemos é justamente o aumento dos cachês dos artistas no pós-pandemia. Como isso tem afetado vocês?
Lili Buarque: “Ah, essa conta que nunca fecha… Esse tema é complexo, precisaria de uma entrevista só para isso. Mas assim, no caso do Carambola, além de cachês, temos a questão da logística. Maceió é um dos destinos turísticos mais procurados no Brasil e isso é ótimo!
A gente inclusive fortalece substancialmente o turismo do estado, com mais de 25% de turistas presentes. Mas a malha aérea ainda é limitada e isso, junto com a procura intensa do destino Alagoas, acaba por encarecer as movimentações de atrações e equipes para cá. Então pra gente é sempre ir testando onde dá pé e botar tudo na calculadora, justamente para não estourar as contas e ainda assim conseguir adequar valores num meio-termo eficiente para o festival e para as atrações.”
Em termos de cenário alagoano, quais artistas que não estão no line-up deste ano vocês têm observado a caminhada e acreditam que num futuro próximo terão mais visibilidade?
Lili Buarque: “Olha, tem um menino incrível do trap de Alagoas chamado Aldo Vinícius. “Menino” apenas por ele ser novinho, porque já tem uma bagagem grande e é um super profissional. Tem também algumas bandas de indie rock muito legais, como Quarto Vazio, Lugar Algum, azul azul e Cães de Prata. Uma leva recente de bandas e artistas que estão repensando esse rock feito a partir daqui.”
Serviço
Festival Carambola 2025
Data: 01/11/2025
Local: Maceió/AL
Line-up: Luedji Luna (BA), Marina Sena (MG), Zé Manoel (PE) convida Juçara Marçal (RJ), Saci (AL), Bárbara Castelões (AL) convida Wilma (AL), Grupo Sabuká Kariri-Xocó (AL) convida Héloa (SE), Fidellis (AL), DJ Thuppa (AL), DJ Gigis Banks (AL) e DJ Erika Morais (SP/AL)
Ingressos: Shotgun
Mais informações, acesse o Instagram do festival: @festivalcarambola