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Tindersticks faz show impecável em São Paulo e afaga os fãs brasileiros, 30 anos depois

Na estreia da produtora de shows Latina Shows, a banda britânica Tindersticks fez uma apresentação impecável do começo ao fim.

Natural de Nottingham, Inglaterra, Tindersticks foi criada na década de 1990 pelo multi- instrumentista e cantor Stuart A. Staples (voz, guitarra, violão, percussão), ao lado de seus fiéis parceiros Neil Fraser (guitarra, vibrafone) e David Boulter (pianos, xilofone). Desde o início, a banda se destacou pelas composições complexas e delicadas, pela riqueza de timbres e pela imersão sonora que mistura chamber pop com jazz, indie rock e outras delicadezas.

A primeira vez que ouvi o Tindersticks foi em 1995, quando comprei inadvertidamente o álbum II. Me apaixonei pela sonoridade cool, enevoada, melancólica e poética, como se pintassem um quadro com música. Eles sempre ocuparam um lugar especial no meu imaginário — e na minha discoteca básica.

O show deles não tem firula, não tem apego nostálgico. Ouvir um novo álbum do Tindersticks é sempre uma experiência — e ao vivo, ainda mais.

O show esperado por 30 anos

As luzes se apagaram. O show começou às 20h43, com os músicos entrando lentamente no palco e assumindo seus instrumentos. O que veríamos a seguir era algo que já sabíamos: ficaria gravado na memória para sempre.

Eram apenas cinco músicos no palco, todos de terno, num cenário minimalista com amplificadores e instrumentos. A luz era baixa, o som perfeito, e a banda destilando tema bonito atrás de tema bonito — a velha classe do Tindersticks.

Foram 30 anos de espera. E a noite começou de forma perfeita com a batida delicada da bateria e os acordes de piano de “How He Entered”, do álbum The Waiting Room. A música é uma poesia belíssima:

(…) “This is how he entered
How he came in
With his hair cold he stood in the doorway
Like a lost dog holding his missing poster
Just to be sure – to be sure everyone knew just how lost he was
Telling his story he broke onions and sang songs
The street walkers carol
Soft tissue
The fear of emptiness
Planting holes to grow some money
These were his songs
And this was how he came in”
(…)

Stuart A. Staples cantava, e talvez poucos tenham percebido, mas abrir o show com esse tema era quase um anúncio: o foco da noite seria o novo álbum Soft Tissue — e isso logo ficou evidente. Um pequeno detalhe em meio a uma imensidão de sutilezas e poesias cuidadosamente alinhadas por Stuart e sua trupe. A plateia estava com eles — e isso ficou claro nos aplausos efusivos após a primeira canção.

“A Night So Still”, do álbum The Something Rain, veio em seguida, pavimentando o terreno com mais delicadeza. A cada música, Stuart nos brindava com poesia pura em forma de som, nos transportando para uma espécie de conto de fadas.

No terceiro tema da noite, Stuart A. Staples assume o violão para cantar “Trees Falls”, do álbum No Treasures But Hope, de 2019. E que coisa linda de se ouvir, que interpretação delicada e cheia de sentimento envolvido em cada acorde.

Nesse momento, depois dos 03 temas de abertura, o show começou a apresentar as músicas do novo álbum Soft Tissue, que era o motivo da turnê, e banda não economizou, apresentando 08 temas desse último trabalho.


Tindersticks faz show histórico em São Paulo, Stuart A. Staples em destaque. – Foto Por: Fernando Yokota (@fernandoyokota)

O novo álbum: Soft Tissue ao vivo

Depois das três primeiras músicas, o show mergulhou no repertório do novo álbum Soft Tissue — grande motivo da turnê. Foram oito faixas apresentadas, e a banda não economizou em emoção.

“Falling, the Light” destacou a percussão absurdamente sutil de Earl Harvin e o xilofone encantador de David Boulter. Um tema onírico, extraído de um conto de fadas, imerso no velho e bom chamber rock que é marca registrada da banda.

Na sequência, “Nancy” trouxe novamente Stuart ao violão. A leveza da percussão nesse novo álbum é impressionante e dá às músicas um brilho ainda mais suave.

Um dos grandes momentos foi “Second Chance Man”, do álbum The Waiting Room, seguida por “Lady with the Braid”, do Distractions — esta última ganhou uma versão ainda mais tocante ao vivo. Um momento de suspiros e contemplação. Como pode ser tão poético?

Em “Willow”, composta para um filme de Claire Denis e originalmente cantada por Robert Pattinson, Stuart soltou sua voz aveludada, cercado por Fraser e Boulter. Puro encanto.



Então veio “The Bough Bends”. Sons de pássaros, voz sussurrada, batida eletrônica sutil… e a harmonia foi tomando conta da sala — e dos nossos corações.

Nesse momento, já seria redundante dizer que o show estava sublime, pois estava além disso. Foi um encontro de suavidade catártica e deleitosa entre os Tindersticks e plateia, em que cada tema apresentado nos mostrava um lado ainda mais delicado e introspectivo da banda. Mas eles ainda tinham muitas cartas na manga.

“Medicine”, de The Something Rain, arrancou os primeiros aplausos realmente efusivos. O público, tímido até então, se rendeu. A emoção tomou conta — afinal, somos brasileiros, e sentimos tudo com intensidade.

Em “Always A Stranger”, uma daquelas baladas que os Tindersticks sabem fazer tão bem, mais aplausos calorosos.

Stuart bebe seu primeiro gole de “caninha da roça” (sic)… e entram os acordes de “The Secret of Breathing”. Sua voz carregada de melancolia, marcada pelo ritmo suave da bateria. Um dos momentos mais profundos do show.

(..) “Tell me the secret of breathing
Does it depend on believing, believing in the air?
For I have been ridden more than I have rode
And I have been brokenAnd I have been rode and rode and rode” (…)

“Turned My Back” ganhou nova leitura ao vivo, com os vocais originalmente de Gina Foster sendo preenchidos por Stuart e o baixista.

Em “Don’t Walk, Run”, o baterista tocava pandeirola e bateria simultaneamente, o teclado imitava um violino e Neil Fraser dedilhava acordes como numa trilha de faroeste. Sublime.

“New World”, inspirada no trabalho artesanal da filha de Stuart, Sidonie, ficou lindíssima ao vivo. Ela criou as peças em feltro para a capa do álbum, além das paisagens e personagens do clipe em stop motion — mais um exemplo de como o universo do Tindersticks é profundamente artístico e afetivo.

“A Sid estava fazendo esses pequenos personagens de cerâmica, pedi a ela que fizesse alguns dos membros da banda. Mais tarde, compus a música ‘New World’ sobre, de alguma forma, tentar dar sentido a esse mundo estranho que eu sentia se desenvolvendo ao meu redor, e esses pequenos seres voltaram à minha mente – vamos levá-los em uma jornada em stop motion por uma terra estranha, das rochas áridas às frutas abundantes que não são familiares e talvez venenosas (a fruta Durian tinha um cheiro muito ruim, elas não são permitidas em ônibus em algumas partes do mundo!).

A Sid montou as paisagens e moveu as figuras, milímetros de cada vez. O Neil tirou as fotos, nós editamos conforme avançávamos.”, Stuart A. Staples

“Soon To Be April”, escolhida para ser a última música, foi o desfecho perfeito para o show sublime que os ingleses nos apresentaram. A banda agradeceu ao público e saiu brevemente do palco, para voltar logo em seguida e tocar mais quatro temas.

Encore

Sem enrolação, eles já voltaram executando “Starts at Noon”, canção composta para a trilha sonora do filme homônimo (vencedor do Grand Prix de Cannes), o mais novo trabalho da amiga e cineasta francesa Claire Denis. Aqui, mais uma vez, pudemos sentir a potência e delicadeza da bela voz do Stuart, que também tocava um cymbalzinho maroto nesse tema, enquanto o baterista se ocupava do bongô.

Essa música é mais uma contribuição do Tindersticks ao trabalho cinematográfico da amiga. Claire e Stuart tem uma longa estória de trabalho juntos. Os filmes “Nénette et Boni”, “Vendredi Soir”, “35 Doses de Rum”, “Desejo e Obsessão” (Trouble Every Day) e “Minha Terra, África” (White Material) já contavam com trilha sonora original do vocalista do Tindersticks.

“Show Me Everything”, também de The Something Rain, veio na sequência, com riffs deliciosos e a voz sempre marcante de Staples. Meu amigo Zé Antonio Algodoal (Pin Ups) me mandou um vídeo que gravou dessa.



“Tiny Tears” arrepiou. Os primeiros gritos e sorrisos da plateia surgiram. De repente, era 1995 de novo… Lembrei da minha antiga namorada e de como esse disco me acompanhou por tanto tempo. Um verdadeiro mergulho emocional.

O fim chegou com “For the Beauty”, também do No Treasures But Hope. Um último suspiro, uma valsa triste e bela no Auditório Simón Bolívar, com a voz tristonha de Stuart nos guiando pela beleza — e agruras — do amor.

O que achamos do show do Tindersticks?

Perfeito, do começo ao fim. Uma estreia de gala da produtora Latina Tour, que teve ousadia e curadoria apurada ao trazer os britânicos — e acertou em cheio.

E que lugar lindo é o Auditório Simón Bolívar. Meu primeiro show lá, e impossível pensar em noite mais perfeita: cercado de gente querida, com um espetáculo impecável do Tindersticks.

O show dos Tindersticks não se prende ao passado, nos provoca a pensar, a sentir, a respirar, olhar para o lado e sentir a vida vibrando, com respiração ofegante, batendo como um coração bate, ritmado, suave, forte, suave.

Obrigado Vida!

Obrigado Tindersticks!


Carlo Bruno Montalvão, Zé Algodoal, Alexandre Matias e Katia Abreu reunidos para o show do Tindersticks. – Foto Por: Carlo Bruno Montalvão

Setlist Tindersticks no Auditório Simón Bolívar (16/04/2025)

How He Entered
A Night So Still
Trees Fall
Falling, the Light
Nancy
Second Chance Man
Lady With the Braid (Dory Previn cover)
Willow
The Bough Bends
Medicine
Always a Stranger
The Secret of Breathing
Turned My Back
Don’t Walk, Run
New World
Soon to Be April

Encore:
Stars at Noon
Show Me Everything
Tiny Tears
For the Beauty

This post was published on 17 de abril de 2025 5:08 pm

Carlo Bruno Montalvao

Nascido em Aracaju, Sergipe. É Manager Artístico, Booker Internacional e Produtor Cultural com +25 anos de atuação contínua no mercado musical. Apaixonado por Vinyl, Viagens e Shows. Amante Universal. Flerta com o Beatnik, com a Contra-Cultura, com Alienígenas e com muitas energias astrais. #ForaBolsonaro

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