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Bruna Mendez navega entre contradições e delírios no 3º álbum “Nem Tudo é Amor”

Bruna Mendez lança Nem Tudo é Amor, um disco sobre amores e (alguns) delírios

Chegar ao terceiro disco dentro da música independente vem com uma certa bagagem. O gosto de vitória não camufla as lágrimas e lutas diárias para continuar produzindo música. Ainda mais no Brasil onde há que provar todos os dias o seu valor. Um gosto agridoce que mistura a vitória de existir e o azedo dos obstáculos para isso.

A barreira parece que aumenta ainda mais quando você é uma artista de Goiás, lésbica e tentando a vida bem longe de casa. A trajetória de Bruna Mendez passa por tudo isso, e se conecta com tantas outras histórias do cenário, mas nem por isso deixa de ser uma conquista conseguir manter sua verdade em meio a um mercado que dia após noite tenta ditar como se portar e o que fazer para (poder) viver desse sonho.

A compositora e produtora musical está nessa caminhada há 15 anos e todo esse “calejar” fez com que ela se envolvesse em todas as etapas da produção. Tudo isso também se traduz nas parcerias e envolvimento profundo com a equipe que a acompanha. Seu novo disco revela também um maior controle e liberdade dentro da sua até então tríade de discos.

“Este álbum reflete tudo que eu experimentei nos meus trabalhos anteriores, desde o meu primeiro EP em 2014, entendendo ao longo do caminho como eu poderia criar algo pop e autêntico mesmo que em um mercado desgastado, cheio de fórmulas e hitmakers”, conta Bruna. “Nem Tudo é Amor” sucede o celebrado “Corpo Possível” (2019).

Nem Tudo é Amor, editado pela BMG, está sendo lançado nesta quinta (25) e traz mulheres para o primeiro plano, do backstage as parcerias com Lay (Tuyo) e Bebé.

Ser artista em 2024 é…

“Tendo experimentado mais de 10 anos de carreira sendo independente, hoje me vejo madura o suficiente pra saber que a música, como qualquer outro ofício, é trabalho constante e não hype. Tenho orgulho de todos os discos que eu fiz porque sei que a minha construção passa por algo a longo prazo, por uma vida inteira.

Está cada vez mais difícil ser artista, então eu me vejo mais do que nunca como uma trabalhadora, fazendo o que sei independente do que aconteça. E considerando de onde eu venho, o caminho ainda é um pouco mais longo para chegar nesse reconhecimento. Então busco permanecer fiel ao que eu acredito para construir a minha identidade”, revela a goiana


Bruna Mendez – Foto Por: Alile Dara Onawale

Bruna Mendez Nem Tudo é Amor

As Parcerias

Com composições de Bruna Mendez e colaborações de Lay (em “Imenso Mar”) e Bebé (em “Risco”), Nem Tudo é Amor reúne produções de Adieu, Enzo DiCarlo, Mateus Lanzarin e Machado, além da própria artista e Lucs Romero, indicado ao Grammy Latino 2021 na categoria “Melhor Álbum de Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa” com a banda Tuyo.

João Milliet assina a mixagem e o projeto ainda contou com o trabalho do grupo criativo que desenvolve narrativas entorno da cultura dyke (sapatão) e dissidente na cultura pop, Radar Energia Dykezona.

Este é um disco feito para o feminino, sobre um relacionamento entre duas mulheres e todas as letras foram escritas por mulheres porque eu não queria cantar sobre algo que eu não vivi e não viveria.

Quando comecei a trabalhar no álbum, compartilhei o rascunho com as meninas e logo elas me apresentaram como referência a obra “Le Chevalier aux fleurs”, do artista francês Georges-Antoine Rochegrosse. Essa pintura clássica retrata um herói adornado com flores, simbolizando uma fusão de nobreza e beleza.”, diz a artista

“Então, buscamos reinterpretar essa ideia de forma contemporânea para a capa do álbum. No lugar de um herói, temos uma heroína, mantendo o conceito original de força e beleza, mas com uma abordagem mais densa e emocionalmente complexa. O cenário escuro e a expressão mais introspectiva da figura feminina adicionou uma nova camada de dualidade. Assim, a imagem reflete não apenas força, mas também fragilidade, criando um contraste mais acentuado e uma profundidade emocional mais intensa”, completa Bruna Mendez sobre o design da capa e a estética escolhida

O lado confessional e os delírios da narrativa

“O disco parte do que eu vivi, do que eu acho que vivi, do que eu elaborei disso, do que eu fui dentro da minha cabeça e de todas as contradições que existem nessas relações. E esse amor também passa pelo ódio. É como se eu estivesse falando em voz alta para que eu possa entender o que aconteceu.”, tenta explicar Bruna Mendez sobre a temática que permeia o terceiro álbum.

Na audição que aconteceu no QG da BMG, localizado na Av. Paulista, Bruna ainda revelou o quanto ela se permitiu somar as suas histórias pequenos delírios de situações que não necessariamente aconteceram no mundo real. Ela ainda revelou que o álbum conta com 31 minutos e 10 faixas e brincou: “Foi tudo o que consegui falar” antes de apertar o play.

“Ele é um tanto pessoal das coisas que vivi, das coisas que eu acho que vivi. O personagem desse disco é um pouco exagerado. Eu acho até difícil falar que é um personagem porque é difícil desassociar e mim. Ele é um tanto exagerado, mas é um tanto prático, é um tanto “delusional” (delirante) também porque eu não sei se eu vivi, eu acho. Do meu ponto de vista.

Parte eu vivi, parte eu tentei falar alto para que eu acreditasse que vivi. É um pouco delusional e vocês vão me perdoando aí. Porque eu não sei de nada desse disco mas tô tentando descobrir também.”, contou com bom humor Bruna

Ao mesmo tempo que ela expõe a vulnerabilidade ao falar sobre a própria obra, o registro tem como Easter Eggs diálogos com outras canções presentes em seus primeiros dois álbuns, como revela Gustavo Koch, responsável pela comunicação e gerenciamento do projeto. Então, após ler esse texto, vale o exercício de reouvir a discografia para desbravar como as faixas se relacionam em um timeline um pouco diferente do habitual. Algo um tanto quanto Black Mirror, não é mesmo?

A hora do Play!

Não é difícil notar como o fenômeno global Rosalía acabou influenciando bastante as texturas e escolhas artísticas desse novo disco, a atmosfera da primeira parte do disco que vai beber de ritmos como o reggaeton vai de encontro com a MPB já conhecida pelos fãs da artista. Conforme o material vai avançando e entram as colaborações com Lay e Bebé, a soul music e a música eletrônica também aparecem como elementos dentro da sua base instrumental.

As dicotomias entre se afundar no amor, querer dissociar e o ódio, todas elas aparecem ao longo da narrativa de um personagem que, ao mesmo tempo que é prático: se permite ser vulnerável.

O grande trunfo do material são as escolhas estéticas e isso se evidencia desde a faixa que abre o registro, “eu já não falo de amor (nem quero que você me ame)”. Uma mistura entre reggaeton, batidão, experimentações eletrônicas, confissões de uma mente inquieta e introspectiva e arranjos de cordas que elevam a sua potência.

“Imenso Mar”, canção que tem a participação de Lay, tem o funk carioca e a soul music ganhando terreno. Entre delírios, pensamentos altos e uma progressão interessante em seu refrão que para os padrões quadrados, e até mesmo problemáticos do esvaziamento do pop atual, causa uma estranheza interessante – e se chegar nas pessoas certas vai dar um bom caldo.

A faixa título “Nem tudo é Amor” declara a contradição em sua verve. Ela vai destilando dos teclados as batidas mais suavizadas do Midi em uma balada bastante descritiva ao falar sobre conexão e vulnerabilidade emocional. As batidas da sua parte final lembram até mesmo o ecoar dos paredões que se ouvem das ladeiras no carnaval baiano.

“Tô por você” é uma típica love song, daquelas de playlist, e vai crescendo entre frequências de batidas mais quentes (ao mesmo tempo que mantém a serenidade). Funciona como o fluxo das batidas dos corações quando se entrelaçam em slow motion. A natureza dos seus beats parece homenagear grandes nomes da música como Djavan e Peter Gabriel.

“Temporal” se agarra no groove da soul music e um tanto de rancor. De ver a casa desabar e ter que lidar com os cacos depois de uma grande desilusão. O olhar no retrovisor de forma quente e um tanto quanto exagerada. Ela mesmo disse isso em outras palavras na audição, não é mesmo?

Abrindo a segunda parte do álbum, Bruna Mendez tem a companhia de Bebé em “risco”. Entre o amargo da saudade e o temor pelo reencontro. Entre a vontade e a tristeza que não esvai. As pequenas contradições entre o amor e o ódio, entre o ego ferido e a explosão de emoções envolvidas. Os diferentes timbres se somam, com a artista de Piracicaba (SP) nos backin vocals, em uma canção mais dramática.

“não te conheço” leva Bruna para um lugar de conforto dentro da sua obra, a MPB. Então, se você já acompanha ela nos registros anteriores, essa bossa nova in drama irá te agradar. Seu canto livre ganha arranjos orquestrados com sentimentos em combustão. As teclas do piano deixam todo choro que escorre ainda mais intenso.

“baby, não me liga” é a mais tropical, e dançante, do disco, sinto que nela, ela consegue encaixar seu estilo com a nova fase. Um mix de fases interessante que reflete o amadurecendo e a vontade de experimentar novos horizontes. Daquelas que seria interessante, quem sabe ver uma produção audiovisual. Confessional, ela é de fácil assimilação, e como uma boa canção pop “tem um refrão que fica na cabeça”.

“só + uma chance” fica num território interessante entre o lo-fi, do bedroom pop, e o trabalho de vocais em hi-fi. A dor de cotovelo ganha camadas e lembranças de um passado. Entre mágoas, delírios e uma iminente vontade por uma recaída.

Quem fecha o álbum é “eu ando pensando” que de certa forma esteticamente parece ser uma continuação da anterior. A história não se fechando, mas abrindo caminhos para recomeços, nem que isso envolva, um remember. Entre sentir a dor no peito, a vontade de se libertar, o reconhecimento do autovalor e a iminente morte de toda uma história de amor. Entre as recaídas de uma mente ainda presa no passado, de memórias que coexistem no hoje apenas em seu universo particular.

A Capa

A capa de Nem Tudo é Amor revisita esses temas através de uma lente moderna, enfatizando uma narrativa onde a heroína não é apenas uma figura de poder, mas também uma representação de vulnerabilidade, evocando uma Joana d’Arc sapatão. Quem assina as imagens, é a fotógrafa do disco Alile Dara Onawale, responsável pela capa do primeiro álbum da Luedji Luna, Um Corpo no Mundo (2017).



Ficha Técnica

Direção Musical: Bruna Mendez e Lucs Romero
Produzido por: Lucs Romero, Bruna Mendez, Enzo DiCarlo (faixas 2 e 8), Mateus Lanzarin (faixa 7), Adieu (faixa 10) e Machado (faixa 10)
Baixo: Dudinha (faixa 5), Be-Atriz (faixa 10) e Érica Silva (faixa 7)
Guitarra: Bruna Mendez (faixa 1), Filipe Coimbra (faixas 4 e 5), Guga Sanva (faixa 6) e Lucs Romero (faixa 9)
Violão: Ingrid Lobo (faixa 1) e Lucs Romero (faixa 7)
Arranjos de Corda: Matt Gripz (faixa 7) e Lucs Romero (faixa 1)
Cordas (Violino e Viola): Pedro Bernardo (faixas 1 e 7) e Allan Jordam (faixas 1 e 7)
Synths e Pianos: Lucs Romero
Artistas Convidadas: Lay (faixa 2) e Bebé (faixa 6)
Mixado por: João Milliet e Lucs Romero
Assistente de Mixagem: Dani Mariano
Masterizado por: Fili Filizzola

Concepção e Direção Criativa: Energia Dykezona
Fotografia: Alile Dara Onawale
Iluminação: Laís Catalano Aranha
Beleza: Natália Almeida
Set Design, Direção de Moda e Produção de Objetos: Energia Dykezona
Produção de Moda: METRÓPOLIS (Vanessa Oliveira e Nathalia Fernanda)
Jóias: Nina Candido e Karen Wu
Identidade Visual e Tratamento de Imagem: Energia Dykezona
Catering: Thuany Vermelho
Agradecimentos: Kátia Buteikis, Hemerson S. Camargo, Pétala Lopes, Murillo Mahnic, Mit Locadora, CAJÁ, PLACEBO, Okoko & Abel, Chrisley Hernan, Rodrigo Andrade, Dudinha, Dani Mariano, Michelly Jardim e Lio Soares

“Nem Tudo é Amor” foi gravado entre abril e agosto de 2024 por Lucs Romero, Bruna Mendez, Dani Mariano, Dudinha e Matt Gripz nos estúdios Cada Instante e Buena Família, em São Paulo (SP).

Tracklist

  1. eu já não falo de amor (nem quero que você me ame)
  2. imenso mar feat. Lay
  3. nem tudo é amor
  4. tô por você
  5. temporal
  6. risco feat. Bebé
  7. não te conheço
  8. baby, não me liga
  9. só + uma chance
  10. eu ando pensando

This post was published on 26 de setembro de 2024 9:00 am

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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