Exclusivo: Haroldo Bontempo conta os bastidores por trás da música em parceria com João Donato

Em junho de 2022, João Donato e Jards Macalé foram a Belo Horizonte (MG) apresentar o disco em parceria, Síntese do Lance, na Autêntica. Na mesma noite o jovem músico Harold Bontempo, conhecido por seu projeto Mineiros da Lua, aos 25 anos realizar o show de abertura.

O músico lançou o seu segundo álbum solo, homônimo, sucessor de Músicas Para Travessia ainda no ano passado. Durante a passagem de som, Bontempo mostrou a João Donato uma progressão de acordes com melodia feitas inspiradas no disco Quem é Quem, lançado por Donato em 1973.

Donato gostou do som, mas sentiu que faltava algo, então se propôs, ele próprio, a fazer uma segunda parte, selando assim uma composição em parceria.

Os dois se reuniram novamente no final de Abril de 2023, no Rio de Janeiro. Juntos aos renomados músicos José Arimatéa, Luiz Alves, Ricardo Pontes e Robertinho Silva para gravar “Risada”, que foi finalizada em Belo Horizonte, com Bernardo Bauer e Felipe D’Angelo (Moons).

“Foi muito significativo ter este aval de Donato, um momento de afirmação e emoção muito forte. João Donato propor fazer uma segunda parte de uma canção que eu estava compondo foi uma prova, para mim, da qualidade do meu trabalho”, diz Haroldo.

“Risada” estará presente de um novo EP do mineiro programado para ser lançado em 2024.

“É uma tristeza que não cabe em mim saber que Donato nunca ouviu a música finalizada, mas também é uma honra estar ao seu lado em uma última risada dele nesse mundo. Seu riso era contagiante…’’, comenta o mineiro

Entrevista: Haroldo Bontempo sobre parceria com João Donato

Como foi o momento do show, aquele d’A Autêntica que realizou depois de ir atrás do trabalho do João Donato?

Haroldo Bontempo: “Foi o primeiro show que fiz com banda, digo, em carreira solo, com banda. Foi uma experiência, ouvir e apresentar minhas músicas com arranjos… As músicas ficaram mais animadas com o calor do palco, foi bem legal. Fiz algumas músicas só na voz e violão, inclusive toquei ‘Insensatez’ e minha baterista comentou que estava no camarim na hora, e o Macalé estava cantando junto…”

Voltando um pouco, quais foram as tuas primeiras impressões sobre a obra do músico?

Haroldo Bontempo: “Eu lembro da primeira vez que peguei um disco do Donato pra ouvir, e foi o “Quem é Quem”… E esse disco tem uma coisa que ele já chega chegando, os 3 primeiros segundos de “Chorou, Chorou” (primeira música do disco) são arrebatadores, laça qualquer pessoa!

O restante da música, e do disco também me encantaram, as melodias, que conseguem ser simples e ao mesmo tempo tão ricas… E quando o Donato resolve gingar, aí é um espetáculo à parte! Depois desse álbum parti pro “Lugar Comum”, que tem vários clássicos, e pro “Bad Donato” que tem um tom bem prog que me pegou muito também!”

* Nota do Editor: “Quem é Quem” completou 50 anos no mês de junho.

Como sente que ele te influenciou?

Haroldo Bontempo: “Principalmente em arranjos… Tiveram várias músicas do meu segundo disco cuja instrumentação foi pensada tendo o “Quem é Quem” como inspiração. E algumas novas também. Para além disso, o swing todo e as melodias como eu falei, mas essas eu ainda to introduzindo no meu processo de composição.”

Em que momento surgiu a possibilidade de gravarem juntos e como foram seus bastidores?

Haroldo Bontempo: “Eu apresentei a ideia na passagem de som do show, e durante a noite a esposa de Donato, Ivone, veio falar comigo! Falou que sentiu as referências e brincou comigo “cade o piano pro Donato gravar?”… Eu fiquei com aquilo na cabeça e algumas semanas depois entrei em contato com ela pra perguntar a possibilidade real de trabalhar com o Donato naquela música, talvez ele gravasse um piano, ou me ajudasse nos arranjos…

Ela respondeu que “a chance é o Donato gostar e querer trabalhar”, aí eu gravei e mandei pra ele ouvir de novo… Alguns dias depois ele me ligou de manhã pra falar que ouviu, gostou mas que tava faltando algo… E então propôs de fazer uma segunda parte! Isso foi la pra Outubro do ano passado, ai a gente encontrou em Abril, no estúdio do Kassin e gravamos.”

Você diz que pode contar sobre sua admiração por ele e como escreveu a música pensando nele, qual foi a reação e como o que ele te disse fez você aperfeiçoar e permitir adicionar mais elementos?

Haroldo Bontempo: “O Donato não era muito expressivo logo de cara… Era bem reservado, até meio misterioso, e eu fiquei sem saber o que ele achou da música quando toquei pra ele no show, só depois que fui atrás pra trabalhar junto que ele comentou sobre… E uma entidade como o Donato, acho que eu não teria as caras de negar qualquer sugestão dele… Mas aí nós trabalhamos juntos os arranjos em estúdio, com o Donato e a banda dele, o Robertinho Silva, Luiz Alves e Ricardo Pontes, na ocasião ainda estava presente o José Arimatéa.”

O que sentiu que aprendeu naquele momento com João Donato? Te fez enxergar estruturas de forma diferente?

Haroldo Bontempo: “Estar no estúdio com o Donato e a banda dele foi meio que um desafio pra mim… Antes de chegar lá eu tava com medo de não conseguir manter a postura, medo de não conseguir criar e trocar efetivamente ali, mas eu consegui!

Com uma gaguejada ou outra, mas consegui… Com certeza mudou a minha cabeça, ver músicos renomados em ação derrubou uma certa ilusão, trouxe as coisas pra mais próximo de mim e, desde então, eu tenho bem mais segurança sobre minhas preferências nas horas de gravação/produção.”

João Donato nos deixou e esse é um dos últimos materiais que ele pode gravar em vida, justamente uma canção alto astral que definitivamente é como ele gostaria de ser lembrado. Como observa esse fato? E como foi para você saber sobre a partida de Donato?

Haroldo Bontempo: “No dia que ele morreu muita gente me procurou, eu fiquei um pouco surpreso pois ele estava inteirão, sabe? Com cara e jeito de quem beiraria os 100… Eu fiquei um bocado triste, ele estava planejando outros lançamentos, e bem no fundo eu imaginava a possibilidade de “Risada” ser a primeira de mais parcerias… Mas logo me conformei, por quê a idade tem dessas, e o pensamento que ele fez o que ama até os últimos momentos me conforta muito.”

Para fechar, depois deste momento inesquecível, qual artista tem sonho de colaborar?

Haroldo Bontempo: “Tem vários ainda… Tenho um EP para lançar no ano que vem e depois dele to querendo dar um tempo de lançamentos, quero tentar uma posição de instrumentista, compositor, arranjador e efetivamente trabalhar mais com outros artistas, em lançamentos não necessariamente meus… Mas sendo mais objetivo, tenho muita vontade de entrar no estúdio com Ana Frango, e de passar uma tarde fazendo um som com o Toquinho.

Ouça Haroldo Bontempo e João Donato “Risada”