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Como montar uma turnê de um artista independente pelo Brasil

Músios gaúchos revelam como montar uma turnê de um artista independente pelo Brasil

Certa vez li o livro The Road Most Traveled, do vocalista do Hot Water Music, Chuck Ragan. A ideia do livro não é tentar uma carreira literária, e muito menos, ser protagonista da história. Em pouco mais de 100 páginas, o livro traz histórias curiosas de artistas, managens, bookers, roadies, iluminadores, técnicos de som, entre outros profissionais, que o público não imagina. Desde percalços, acidentes, problemas, pequenas alegrias ao surgimento de amizades, a riqueza da experiência e aprendizados que ajuda a construir nossa percepção de realidade e vivências. A vida em turnê pode proporcionar os mais diferentes tipos de emoção mas nem sempre é algo fácil. De ficar longe da família e amigos, a problemas de saúde a dificuldades financeiras.

Ainda mais em um país como o nosso onde a música como principal atuação é um privilégio de poucos – e o incentivo cultural ainda chega a uma pequena parte do mercado como um todo. Independente disso, iniciativas independentes e movimentos culturais servem como força de resistência para ajudar a escrever histórias e viabilizar trocas.

A partir desta quinta-feira  (31/08), VIRIDIANA e recreio embarcam na Turnê Tiranos de Plástico: um projeto do it together, onde os dois artistas independentes dividem trajetos, repertórios e instrumentos para viabilizar shows que vão de Porto Alegre até Goiânia. Ao todo, são 7 pessoas viajando por mais de 5 mil quilômetros, passando por 13 cidades ao longo de um mês.

Além da questão logística, a turnê une os dois artistas esteticamente. Especialmente para o projeto, VIRIDIANA desenvolveu um novo formato de show onde conta com os músicos da recreio como banda de apoio. Compartilhando seus conhecimentos e recursos, os artistas se abrem para novas experiências, possibilitando maiores trocas no cenário nacional da música independente.

“Desde que eu lancei o Transfusão, em 2021, e Pérolas de Plástico, esse ano, a constante que eu sempre dizia é ‘quero circular com esse trabalho’. É um sonho pra gente-artista-independente poder viver essas outras cidades e cenas autorais, e a junção com a recreio (que eu já sou fã desde que conhecia só os garotos individualmente) foi essencial pra viabilizar isso”, conta VIRIDIANA.

“A cooperação, seja pra dividir o volante ou os palcos, é o que está nos fortalecendo pra percorrer essa estrada e plantar essas tantas sementes de projetos, festivais, colaborações e tudo mais. Sei que por cada lugar que passarmos, a maior saudade vai ser voltar”, acrescenta a artista. 

“Lançamos nosso primeiro disco há um ano e agora organizamos essa turnê nacional para divulgar o disco para além da nossa  região Sul”, conta Ricardo De Carli, integrante da recreio.

“Boa parte dos membros da recreio e a Viridiana se conheceram na faculdade de Música Popular da UFRGS, inclusive já havíamos tocado juntos em outros projetos. Além da admiração mútua no sentido profissional, essa afinidade já existia entre a gente num contexto pessoal, então foi uma ideia espontânea que fluiu bem naturalmente”, explica.


Artistas percorrerão mais de 5000km com shows de Porto Alegre a Goiânia – Cartaz: Pyetra Salles | Foto recreio: Danilo Christidis | Foto VIRIDIANA: Biel Gomes

Como montar uma turnê de um artista independente pelo Brasil

Muito se fala sobre os perrengues das turnês de artistas independentes mas pouco se fala em “como fazer”, “com quem dialogar”, “como se planejar” e “como minimizar custos”. Aproveitamos a oportunidade e boa vontade dos artistas e sua equipe para contar mais sobre como foi planejar uma turnê de mais de 5.000 KM com uma equipe formada por 6 pessoas, tendo integrantes que se dividirão tocando nos dois projetos.

Responderam as perguntas sobre como montar uma turnê pelo país: Marta (manager, produtora), o Ricardo De Carli, aka. Ric da recreio (que também vai tocar synths pra Viridiana na tour) e a Viridiana.

Como enxergam a importância desta movimentação e quando começou o planejamento da tour?

Ric: “Em 2021 realizamos a produção e gravação do nosso primeiro disco; em 2022 fizemos o lançamento e os primeiros shows; em 2023 nos pareceu uma boa estratégia (e muito tentador) idealizar uma turnê pra poder apresentar o trabalho fora do nosso estado. Ainda mais por sermos gaúchos, moramos numa região relativamente distante dos centros mais ativos do mercado no país, é preciso focar um tempo em que seja possível juntar todo mundo e fazer o maior número de shows possíveis e depois retornar.

Na mesma época em que estávamos na pilha de fechar uma turnê, começamos também a retomar um contato com a Viridiana, amiga nossa da época da faculdade e de outros projetos. Numa reunião com ela brincamos com a ideia de dividir essa turnê com a recreio sendo a banda de apoio do repertório dela… e aí a ideia foi colando e colando, normalmente conosco as coisas tendem a acontecer assim (gravação do disco, show de lançamento), meio que despretensiosamente jogamos a ideia no ar e um tempo depois acaba se materializando, todo mundo entende que um foco foi definido, parece que sai da gente, toma corpo, somos envolvidos juntos e, quando vê, tá aí a turnê. Escrevendo isso 1 dia antes de pegar a estrada, sensação doida!

E a importância, pra além do que citei ali acima dessas etapas da vida de um disco, estamos muito animados em poder dividir o palco com muitas bandas que ainda não conhecemos, organizar as noites com os produtores locais – tecer essa rede de apoio de forma orgânica, abrir caminhos pra podermos tanto retornar futuramente quanto receber todo esse pessoal aqui, caso desçam pro sul. E tocar o máximo possível, se reconhecer como banda em palcos e condições bem variadas, com públicos variados, lidando com o que aparecer pela frente. Esse tipo de experiência não vem só de ensaiar em sala de estúdio.”

A ideia de realizar uma turnê conjunta surgiu em que momento?

Viridiana: “A vontade de circular tocando nosso som parece que sempre existiu, mas algo que foi muito animador e nos deu muitos nortes de como viabilizar isso foi um painel sobre a Rota do Cerrado que a gente (eu e a Marta) assistimos na SIM São Paulo desse ano, lá em janeiro.

Ouvir os bookers das casas de show darem seus relatos sobre como era possível (não confundir “possível” com “fácil” hehe) montar formas de viabilizar shows que sejam vantajosos pra quem contrata e pra quem toca realmente nos deu um brilho no olhar que não conseguimos sossegar. Desde então era algo que surgia em todas as nossas reuniões: como pegar essa faísca de ideia e fazer nosso rolê atravessar meio-país até lá?”



Como enxergam o circuito local do RS? Vocês costumam fazer intercâmbio e trocas com bandas de outros lugares do país?

Ric: “Levando em conta como foi legal e acessível fechar essas datas em Goiânia e Brasília, talvez nosso estado poderia ser mais bem estruturado nesse aspecto, com uma troca entre casas de show pra facilitar as logísticas. A Marta inclusive tinha voltado de uma SIM com a ideia de se inspirar e fazer uma rota dos pampas. Vamos ver se acontece…

Mas em termos de bandas, nos últimos anos sinto que muitos trabalhos foram lançados aqui por Porto Alegre e pelo RS. Pouca variedade de casas de show (algumas fechando na pandemia, infelizmente), mas bastante volume de lançamento.

Nossas trocas com bandas de fora tem sido mais pelas redes, agora que vamos partir pra troca mais orgânica de fato. No fim do ano passado tocamos aqui com a Exclusive Os Cabides (SC) que foi ótimo, e no fim de setembro estaremos juntos em Floripa pra dividir mais uma noite.”

Quais as casas de shows / espaços de cultura que mais gostam no RS?

Marta: “O Agulha há tempo é referência em Porto Alegre, e sempre nos abrem um espaço maravilhoso. Nós somos muito fãs também, particularmente do Teatro de Arena, e agora nesse show da volta pra casa vamos testar um espaço novo pra nós, o Teatro Oficina Olga Reverbel, que fica dentro do complexo do Multipalco que acabou de ser inaugurado. Vai ser bem emocionante pra gente abrir essa ponte.”



Como foi desenhar essa turnê? Desde agilizar contatos chave a ver a viabilidade de data e logística para sair da forma mais costurada possível?’

Marta: “Tudo começou graças à Aninha e ao Thiago do Shiva Alt-Bar, de Goiânia (GO). Eles compraram a ideia desde o dia 1, e sugeriram o trabalho dos artistas dentro do grupo da Rota Cerrado. O pessoal da Infinu e do Lab96, de Brasília (DF) e Uberaba (MG), gostaram e quiseram tentar viabilizar, e aí fomos correndo atrás das outras cidades pra conseguirmos chegar até o centro-oeste.

O grande pulo do gato da logística tá sendo na questão da formação das bandas: três dos membros da recreio vão ser banda de apoio da Viridiana. Então, nas cidades que ficam no caminho entre POA e SP, vamos passar duas vezes, fazendo um show da Viridiana numa data e um show da recreio em outra. Isso também ajuda no sentido de termos mais motoristas pra revezar na estrada.”

Em questão de organizar o orçamento e dosar as expectativas, como tem sido isso?

Marta: “A gente entendeu muito de cara que íamos ter que investir desde o começo, e com antecedência. A gente juntou todos os cachês, bilheterias e venda de merch que rolaram desde janeiro, e estamos sendo super econômicos em tudo que é possível.

Demos uma recheada na lojinha também esperando converter boas vendas pra complementar as bilheterias. Importante ressaltar também que a turnê também só se torna possível com muitos apoios de estadia em casas de amigos, conhecidos ou algum lugar já organizado pela casa de show de cada cidade.”

Vocês escolheram as cidades com quais critérios? Houve pesquisa de dados estatísticos por ferramentas ou um mix de possibilidades que foram aparecendo pelo caminho e demanda?

Marta: “Foi bem mais pelo caminho e demanda! A gente começou com a missão de chegar até Goiânia e estávamos super abertos a qualquer oportunidade que surgisse no trajeto. Até agora estamos abertos a acrescentar alguma data extra, como foi o caso de Campinas, se a logística facilitar.”

Quais dicas dariam para uma banda independente que quer realizar uma turnê D.I.Y.? Em outras palavras, quais seriam os caminhos das pedras para artistas que ainda buscam um maior reconhecimento…

Ric: “Tentar entender, através das redes sociais, quais são as casas de show que mais se complementam à proposta e sonoridade da banda em si, pra então sacar quais são as bandas locais que ali tocam, e a partir disso, iniciar uma troca de ideias sobre os projetos, explicitar o desejo de tocar ali. Aos poucos vai se sondando tudo, com algumas datas âncoras fechando, outras peças vão se encaixando. Dividir a noite com bandas locais também é legal pra chamar mais público e fortalecer a cena.

Outro ponto também é entender que não vai dar para fazer tudo, que algumas datas e parcerias podem cair, mas que faz parte! Se for de carro, é importante buscar uma rota entre cidades em que o trecho não seja tãão longo assim. E como nos recomendou um amigo (Vitor Brauer), nesse caso hard case é uma merda, só ocupa espaço. Vamos de soft!”

Uma vez conversei com o Gabriel Thomaz, que pega estrada desde a adolescência (muitas vezes com autorização dos pais) e considera o offline uma das melhores formas para construção de público. Que a cada ida após, via o público crescer porque uma pessoa que foi indicou para outra que indicou para outra. É essa a ideia de vocês?

Ric: “Com certeza – sinceramente não esperamos (apesar de estarmos trabalhando muito para isso!) um enorme público garantido em cada local, já que os projetos são recentes e o alcance nas redes não é tão amplo assim. Sentimos que fizemos um bom lançamento de disco aqui em porto alegre, com uma repercussão boa nas redes e em alguns veículos de mídia, mas há um limite do que se pode fazer virtualmente.

Então, nos pareceu lógico dar esse passo da turnê pra colocar o som na rua, testar em outras cidades, estados, ambientes… Acredito que tem muito do próprio repertório que ainda vamos descobrir de acordo com a reação das pessoas, a subjetividade de cada lugar do país é bem diferente. Passar um tempo nas cidades, criar laços com as casas de show e produtores, aquele papo que sempre acontece no pós-show – tudo isso sem dúvida tá dentro de nossa expectativa de formar novas pontes e amizades, especialmente pra podermos num segundo momento receber o pessoal aqui.

Apesar de existirem muitas ferramentas disponíveis pra criar, divulgar e patrocinar conteúdo, no fim das contas o objeto em si é o show, aquela experiência física com o som, espaço, luz, temperatura, gente.

Vocês coincidiram com as férias de outros trabalhos?

Marta: “No meu caso, a tour vai ser meu trabalho principal durante esse próximo mês. Estamos desde janeiro trabalhando nela, então me organizei financeiramente pra isso, larguei meu emprego CLT e esse vai ser meu primeiro passo nesse tentar viver de música.

O Arthur, vocalista da recreio, também é psicólogo e remanejou seus atendimentos. O Gabe da recreio tá estudando pro doutorado e vai com os textos baixados pra estrada. Já o restante vive a música integralmente, de uma forma ou outra – seja gravando ou produzindo outras pessoas, criando trilhas ou estudando na faculdade. Aí foi mais a questão de contar com a compreensão de outros parceiros e alinhar agendas.”



O merch nessas viagens longas acaba sendo uma forma de amenizar gastos, até aqueles que não esperamos, pretendem vir com materiais promocionais? O que os fãs – e os novos fãs – poderão esperar?

Ric: “Uma nova leva de camisetas e adesivos da recreio, além do nosso pen drive refill!

A ideia de produzir uma mídia física convencional ficou além do orçamento do nosso disco, então idealizamos um pen drive (com números limitados) que funciona desta forma: dentro dele vem toda nossa discografia, o LP I e EP I, além de bootlegs. Se uma pessoa comprar nosso pen drive, a cada vez que ela for num show pode levar pra que a gente carregue com novidades exclusivas (vídeos de session, takes alternativos, músicas inéditas)

Viridiana: “Sempre fico muito emocionada quando a gente leva os merchs pros shows, no meu caso vem com a cerejinha no bolo de que meus merchs tem o design da minha irmã, a Florença Dapest, então sei que mesmo na estrada vou estar acompanhada dela!

E por mais que seja algo meio retrô, também tô levando exemplares do meu disco de 2021 lançado pelo Natura Musical, o Transfusão. Esse também tem um apego sentimental porque toda a parte visual dele, das fotos e figurinos, foi feita por pessoas trans. É legal ver como todos esses objetos, pra além de ser algo que vai nos ajudar muito a mitigar os gastos da tour, trazem histórias muito pessoais nossas.”



Confira as datas completas:

📌 31/08 – FLORIANÓPOLIS – VIRIDIANA + Orquidália @ Haôma | Ingressos

📌 01/09 – CURITIBA – recreio + resp + DJ Set Bolachas Abusadas @ Ada Bar | Ingressos

📌 03/09 – SÃO PAULO – recreio + Duo Chipa @ Bar Alto | Ingressos

📌 06/09 – RIO DE JANEIRO – recreio + VIRIDIANA + Tori @ Audio Rebel | Ingressos

📌 09/09 – JUIZ DE FORA – recreio + VIRIDIANA @ Necessaire

📌 12/09 – BRASÍLIA – recreio + VIRIDIANA + Karla Testa @ Infinu | GRATUITO

📌 14/09 – GOIÂNIA – VIRIDIANA + recreio @ Shiva Alt Bar

📌 17/09 – UBERABA – VIRIDIANA + recreio @ Laboratório 96 | GRATUITO

📌 20/09 [DATA EXTRA] – CAMPINAS – VIRIDIANA + Marina Tenório @ Casa Gambá

📌 21/09 – SÃO PAULO – VIRIDIANA + Pablo Vermell @ Bar Alto | Ingressos

📌 22/09 – CURITIBA – VIRIDIANA + Kluber + DJ set NVK @ Ada Bar

📌 23/09 – FLORIANÓPOLIS – recreio + Exclusive Os Cabides @ Haôma

📌 30/09 – PORTO ALEGRE – recreio + VIRIDIANA @ Teatro Oficina Olga Reverbel

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Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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