Besouro Mulher percorre diferentes universos e destila sentimentos em “Volto Amanhã”
Formada por Arthur Merlino no baixo, Bento Pestana na guitarra, Sophia Chablau na voz e Vitor Park na bateria, a banda BESOURO MULHER apresenta hoje seu álbum de estreia, Volto Amanhã. Um disco que não se restringe apenas ao indie rock mas que vai beber em referências bastante particulares do universo de cada integrante. Até por isso o ar de vanguarda e de testar possibilidades sonoras transparece ao longo das 10 faixas compostas durante um período muito difícil da nossa recente história.
Previamente lançado, o single “Torresmo”, é uma versão para uma canção de Juliana Perdigão em parceria com Arnaldo Antunes, feita especialmente para um programa de rádio de Londres, e essa história eles contam em entrevista exclusiva para o Hits Perdidos. Eles gostaram tanto do resultado que acabaram produzindo um clipe bastante divertido e repleto de referências no qual Sophia também revela no papo qual filme inspirou a aventura nada careta que ele propõe em sua narrativa.
“Essa música é uma música que fala muito sobre imaginação e até uma certa subversão do normal, daquilo que é a nossa sina. E por isso que escolhemos ela como single, porque ela traduz muito bem o que queremos com o nosso som e com o nosso disco, que tem uma relação muito forte com a possibilidade da gente de imaginar um tipo de estética, de som estando a sós com nós mesmos.”, conta Sophia
Besouro Mulher Volto Amanhã
A produção musical do álbum conta com Diego Vargas (Dizzy), Guilherme Cunha, Felipe Martins (FEPA) e Pedro Marques (PH), todos integrantes do selo RCKB.
Sobre o campo aberto de referências Bento diz: “nunca escutamos – pessoalmente – o mesmo tipo de som (ou sons) que escutamos juntos. E isso não mudou do começo da banda até aqui. Talvez tenha até se acentuado. Mas, para nós, isso fez parte do processo de composição do disco, foi a graça de toda a imersão que fizemos na casa da Sophia enquanto escrevíamos o disco.
Dias e dias escutando coisas dos outros, criando afinidades nas nossas relações como músicos e pessoas, partindo das diferenças sonoras de cada um e se encontrando também nelas”.
“Foi um momento que nos aproximamos muito como amigos e que nos fizemos muito bem um para o outro. Os dois intensivões que fizemos durante esse período eram lugares de muito acolhimento também. Pra gente conversar, dar risada, ter um ombro pra chorar, falar o que tava acontecendo em casa e na vida de cada um. De fato, aproveitamos muito as duas semanas que passamos juntos”, completa Sophia sobre o momento da pandemia momento onde o disco foi idealizado
Os Bastidores das gravações
“Na hora do estúdio e da composição propriamente dita, separamos a parte mais rock de garagem (no melhor sentido possível) das músicas com mais camadas e elementos sonoros: Ana Frango Elétrico, a música ‘Trago’ em especial, um pouco d’O Terno olhando para timbres de guitarra, a sonoridade do baixo de ‘Ramble On’ do Led [Zepellin] para as músicas ‘Carótida’ e ‘Torresmo’”.
Escutamos muito o álbum da Noname, Telefone, com ênfase nas músicas ‘Yesterday’ e ‘Sunny Duet’, que guiaram o arranjo de ‘Pão Francês’. Também rolaram Mac DeMarco, Homeshake e um pouquinho de Billie Eilish, referências principais para ‘Curto Tempo’”, lista Bento
A intensidade também contribuiu para o processo.
“O processo de gravação foi muito intenso, ficamos mais de um ano gravando e regravando e repensando nossos arranjos com ajuda dos engenheiros e produtores do selo.
Eles nos ajudaram muito a alcançar nossa ideia, que era misturar um pouco das nossas experimentações com uma linguagem mais pop da coisa. Quem tocava mais a ideia sempre foi o Park, que quis trazer mais elementos eletrônicos pro nosso som. Lembro que as primeiras demos eram bem esquisitas, fomos cortando as rebarbas e conseguindo construir um negócio com pé e cabeça. Foi um tempo bom no estúdio RCKB”, conclui Sophia.
Entrevista: BESOURO MULHER
Conversamos com os integrantes do BESOURO MULHER para saber mais detalhes e curiosidades por trás de Volto Amanhã, primeiro álbum de estúdio do grupo paulista que sucede o EP Depois do Carnaval (2019).
O disco foi se moldando em um período bastante estranho e confuso para criar e vocês aproveitaram o encontro para lapidar e chegar num lugar comum mesmo tendo referências muito distintas, como foi colocar tudo isso dentro do liquidificador e chegar no conceito que queriam para o disco?
Arthur:”A pandemia da COVID-19 chegou no Brasil um ano depois do lançamento do nosso primeiro EP, na hora que a gente tava começando a bolar nosso álbum, juntando referências e pensando na identidade sonora que a gente queria pro próximo lançamento. Esse processo foi interrompido pelo período de isolamento, não só pela distância física que se impôs, mas também porque a vida de todo mundo ficou virada de cabeça pra baixo. Foi só no final de 2020 que retomamos o contato pra valer, começamos a fazer reuniões à distância e trocar mensagens com referências, composições e ideias de arranjos. Aproveitando que já tínhamos feito uma imersão no interior antes da pandemia, resolvemos fazer de novo e passar 14 dias em isolamento juntos, dessa vez na casa da Sophia, pra criar essa identidade que queríamos e juntar nossas referências. Acabamos fazendo duas, uma em fevereiro e outra em agosto de 2021.
O fato de virmos de lugares diferentes na música é mais enriquecedor do que uma dificuldade. Claro que exige mais trabalho juntar as referências quando são mais distintas, mas todo mundo é muito aberto às músicas que o outro traz, e sinto que cada um de nós na sua própria trajetória tá sempre procurando novos caminhos, ouvindo sons diferentes na busca de produzir novos sons.
Como metodologia, a gente olhou pra característica da música pop de juntar aspectos de muitos estilos e fazer uma coisa nova – se você olha pro pop estadunidense, muitas vezes você consegue ver ali retalhos de diferentes estilos musicais tradicionais de lá, que a indústria musical e os artista pegam pra produzir sua música. Da mesma forma, fizemos um “pop besouro mulher” com nossas referências, que acaba sendo também um pouco das diferentes referências que formam a música brasileira. Daí que vem a gente identificar nosso novo álbum como pop alternativo.”
Já que cada um tem referências tão distintas, poderiam contar mais sobre os universos de cada um?
Sophia: “O Arthur é um contrabaixista erudito da Orquestra Jovem do Estado que adora Don L, o Bento é o famoso cara que sabe todas no churrasco e é um grande fã de Milton Nascimento, a Sophia é fundadora do (por enquanto imaginário) fã clube do Negro Leo e o Park é um ex-baterista de jazz produtor de Trap.”
Ouvindo as canções senti um “Q” de dadaísmo de trazer um pouco de poesia concreta…como funciona para vocês esse processo de composição?
Sophia: “NO-[E]RRRR[O]-MAL-MENTE
SEM MUI+AS
AT(CHIM)I VIVI (VIVEMOS) IDADES
PROTOCOLAAAARESSS<<<
DEEP-END DADÁ MUS ICÀ”
O disco conta com músicas com nomes como “Carótida” e “Pele”, alguém na banda estava estudando para o vestibular, é da área de medicina ou foi só uma viagem? Como foi para vocês escolher a ordem das faixas?
Bento: “Não, ninguém estava estudando pro vestibular (risos). Na verdade são duas músicas bem diferentes, tanto no jeito que soam quanto no conteúdo, no tempo que foram escritas.
“Carótida” é muito mais sobre uma aflição de um sujeito vivo e mudando e sentindo seu corpo… um ataque de pânico ao se perceber vivo no mundo. Em “Pele”, as omoplatas são a imagem do corpo de um outro, uma imagem que ficou de um amor que já não existe mais.
A ordem das faixas foi uma coisa natural, a gente percebeu que tínhamos blocos de músicas muito diferentes: uma parte mais rock de garagem e outra mais densa, com mais elementos… Inclusive, “Carótida” é a primeira faixa e faz parte desse primeiro bloco, enquanto “Pele” já está lá no segundo, é a faixa número 8. Tentamos fazer disso uma história.”
O álbum também olha muito para si e para o campo das emoções loucas daquele período, como foi esse momento de assimilação e reflexão de tudo que estávamos vivendo?
Bento: “Não foi nada muito claro, quer dizer… será que a gente conseguiu refletir sobre todo o processo esmagador e horroroso que foi a pandemia? Na verdade, o disco foi se tornando o espaço e a “chave” de reflexão desse processo todo. Na pandemia não havia vida, ou vivacidade, ou certeza no dia a dia, mas isso de um ponto de vista individual. Enquanto esse estado permanente de congelamento acontecia, o Brasil tava morrendo as baciadas, aos montes, corpos por todos os lados e lugares do país.
Essa tragédia dupla de morte existencial e literal certamente estava acumulada quando nos encontramos para fazer o disco. Tomamos vacina juntos, levamos o Park pra tomar a dele um dia depois, quer dizer, aquilo foi uma alegria, foi uma alegria convivermos juntos e, principalmente, voltar a se relacionar com gente que é o que o ser humano faz no mundo.
Então, tudo estava muito à flor da pele, cada pequeno sentimento era um furacão e um motivo de choro ou de alegria intensa. Tudo isso desaguou no disco, foi um turbilhão de sentimentos escorrendo para dentro das canções e uma força muito louca de estarmos uns com os outros. A tragédia precária está no tom melancólico de todas as músicas e, afinal, feliz é quem ainda pode dizer “vamos indo”.”
A partir de que momento resolveram regravar uma canção do Arnaldo Antunes e da Juliana Perdigão? Eles chegaram a ouvir? Se sim, qual foi o feedback?
Bento: “Essa história é legal… a gente tinha se encontrado (pela primeira vez) em fevereiro de 2021 para começarmos a compor o disco. Ficamos tipo uma semana juntos (talvez um pouco mais ou um pouco menos) e no final dela, a Sophia recebeu uma mensagem do Pedro Montenegro, que é responsável pelo programa BarKino na rádio Soho, uma rádio de Londres, pedindo para a gente gravar uma música pro programa dele.
O programa do BarKino é um programa que na época da pandemia pedia covers de músicas brasileiras feitas por bandas brasileiras. A So tinha gravado, com a Enorme Perda de Tempo, a música “Ele me deu um beijo na boca”, do Caetano, pro mesmo programa e falou que era uma vibe. A gente só precisava escolher qual cover faríamos. Aí, a So falou da música, “Torresmo”, de uma artista muito massa que é a Juliana Perdigão, com um artista muito massa que é o Arnaldo e a gente adorou a música, amou mesmo.
A So conhecia a Ju e aí pôde falar com ela e perguntar se ela achava massa e tal da gente fazer, e a Ju achou muito legal. Aí virou nosso projeto da semana: a gente ia sair com uma parada gravada, mesmo que precariamente, que depois tocaria num programa legal. E aí a questão era trazer aquela música pra nossa sonoridade, porque é uma canção muito louca, a música acompanha as divisões rítmicas da poesia e é meio blues e com convenções… Aí fomos construindo em cima e caminhamos mais pro rock, tentando preservar os aspectos rítmicos que estão na versão original.
Da Ju, que é uma pessoa mais próxima, tivemos sim um feedback muito legal e muito positivo, ela disse que adorou e postou no insta dela a música, enfim, uma troca muito legal. Do Arnaldo não escutamos nada, mas, também, ele está num contexto mais distante e nem havíamos o procurado para falar sobre o assunto. Esperamos que ele tenha gostado, a gente gosta muito dele (risos).”
Se fossem colocar esse disco em uma prateleira, de que discos acham que faria sentido ter ele do lado?
Bento: “Olha, essa pergunta poderia ter duas respostas, pensando nas referências e em como efetivamente o álbum está soando. O “banco” de referências caminha de Billie Eilish aos Beatles até a Gal Costa, então ele (o disco) não teria um lugar exatamente.
Pensando em sua proximidade com algum estilo, talvez algo próximo ao Tame Impala, Cocteau Twins, essas coisas meio “dream pop”. Agora, o disco tem uma sonoridade brasileira, mesmo que tangencialmente, por ter um foco na canção como centro das composições, aí a gente poderia colocar esse disco em outros lugares da estante. Talvez perto do Terno (do segundo e do terceiro álbum), da Ana Frango Elétrico (mais as coisas do Mormaço Queima), da própria banda Cê do Caetano, ou do disco Muito dele também, dos Mutantes, da Rita em alguns discos (Build Up de 70, o Rita Lee de 79), talvez até do Luiz Melodia em Maravilhas Contemporâneas, enfim… desse universo de rock mais doidinho produzido aqui no Brasil.”
O clipe para “Torresmo” foi até eleito pelo Hits Perdidos como um dos mais legais de Junho, parabéns. Como foi o brainstorm e a produção?
Sophia: “Ficamos muito felizes do Hits Perdidos reconhecer nosso clipe como um dos mais legais de Junho. Os papos e a produção com a Tuqui Filmes foram ótimos, o processo é sempre proveitoso. Basicamente os menines da Tuqui ouviram a música e a gente veio trazendo uma onda de efeitos especiais, ilusões, humor, fantasia e ficcionalidade como referência.
A gente queria fazer algo “ultraprocessado”, que tivesse uma cara fantástica. Eu (Sophia) tinha visto um filme brasileiro recentemente chamado “Sol Alegria” que explora muito bem os efeitos especiais (principalmente de tela verde) e uma narrativa fantástica maravilhosa, fiquei muito inspirada e senti que em “Torresmo” a gente poderia explorar bastante esse caminho. O filme que eu citei como referência é uma indicação que eu faço para quem quiser se aventurar numa experiência anticaretice.”
O nome do disco veio de um sonho da Sophia e a capa como foi o desenvolvimento?
Sophia: “Pois é eu [Sophia] tive um sonho muito doido com a diretora do clipe de “Torresmo”. No fundo a gente não tem muito apego a nomes, mesmo o nome da nossa banda não é algo que foi pensado é uma aleatoriedade. A capa a gente demorou muito pra chegar em alguma coisa que gostava, foram muitos e muitos testes, a gente não conseguia dormir se encontrar graficamente.
Mas o Gabriel Dantas, que organizou a desorganização das nossas ideias de forma organizada e também desorganizada, matou a parada. E foi muito legal chegar numa capa onde nós 4 nos sentimos representados. Eu [Sophia] que fiz aquele desenho a esquerda, a foto é do nosso querido amigo Igor Miranda, ela tá toda desfocada e só foca numa senhora atrás. A gente queria que o nome das faixas tivesse na frente também, queria que fosse meio confuso, meio caótico – mas não punk/rock. Um esboço, uma ideia. E acho que o Dantas chegou junto conosco. Sou particularmente fã da capa.”