Notícias

C6 Fest: 2º dia é marcado por aula magna de música eletrônica com direito a shows históricos do Underworld, Kraftwerk e Model 500

Kraftwerk, Underworld e Model 500 dão aula histórica sobre musica eletrônica no palco da primeira edição do C6 Fest 

Quando o line-up do C6 Fest foi divulgado as lembranças na timeline foram de festivais icônicos e com curadorias ousadas que misturavam a vanguarda com o que era o próximo Hit (ainda perdido). Tais como Free Jazz Festival e Tim Festival que marcaram época em edições que apresentaram muitos artistas que alcançariam o topo das paradas dentro dos seus respectivos nichos.

Com ingressos elevados e bem distante da realidade do brasileiro, o festival contou com as vendas em modalidades de palco, algo que muitos estranharam e gerou um espécie de incômodo por parte dos fãs que teriam que desembolsar mais de R$3000 para usufruir da experiência completa. Tendo o Parque do Ibirapuera como sua casa, o festival marcado para os dias 19, 20 e 21 de maio teve sua estrutura dividida entre o Auditório do Ibirapuera (Plateia interna), a Plateia externa com outro palco, além da Tenda Heineken e além do Pacubra (subsolo) para sets eletrônicos.

O sábado (20/05) contou com as apresentações de Blick Bassy, Russo Passapusso & Nômade Orquestra com BNegão e Kaê Guajajara, Mdou Moctar e Jon Batiste, na Tenda Heineken. Model 500, Kraftwerk e Underworld no Auditório do Ibirapuera (Plateia Externa). Além do Feminine Hi-Fi, Festa Luna e Pista Quente no Pacubra (Subsolo).

Diferente do primeiro dia no segundo era possível ver mais pessoas ao longo dos palcos do festival. Se o primeiro dia o foco era no rock e no pop, o segundo dia o line up nos levou direto para uma viagem na timeline direto pros primórdios da inventiva música eletrônica. Um convite para dançar logo no começo da noite na área externa do Auditório do Ibirapuera, já a Tenda Heineken teve o papel de conectar a música global indo da bossa de Camarões, como Blick Bassi, passando pelo níger com Mdou Moctar, o o jazzista Jon Batiste que até levou Lia de Itamaracá para o palco e o encontro entre brasis da mistura entre Russo Passapusso & Nômade Orquestra com BNegão e Kaê Guajajara.

Leia também sobre o Primeiro Dia do C6 Fest

Segundo Dia: C6 Fest

Model 500 – Aula com o professor Juan Atkins

Certa vez estava ouvindo uma música do The Wombats, mais precisamente “Techno Fan”, e um trecho me chamou a atenção porque de certa forma os ingleses quiseram deixar a dica de onde procurar mais pelo DNA da música Techno.

“We are the 1980s (nós somos os anos 80)
We are the Detroit lights (nós somos as luzes de Detroit)
And I never wanna, I never wanna see this stop  (E eu nunca quero, eu nunca quero que isso pare)”, The Wombats, “Techno Fan”

A frase que parece inocente na música de uma banda de indie rock de Liverpool na verdade nos direciona para os primeiros dias do Detroit Techno, período entre os anos 80 e o começo dos anos 90. Essa cena tinha como precursores artistas como Juan Atkins, Kevin Saunderson e Derrick May, colegas de escola que costumavam criar música eletrônica no porão de casa e acidentalmente criaram o Techno, algo que até eles adiantam que “foi um erro como se George Clinton e Kraftwerk fossem pegos em um elevador, com apenas um sequenciador fazendo companhia”, disse May certa vez em entrevista.

Foi durante o curso em Washtenaw Community que Atkins conheceu Rick Davis e formou o projeto Cybotron e logo de primeira “Alleys of Your Mind” vendeu 15 mil cópias, lançou outros dois singles – e os levou para uma gravadora na Califórnia. Embora o projeto tenha durado pouco, ele começou a gravar sob o codinome de Model 500 em 1985, sendo visionário e já lançando materiais pela sua própria gravadora, a Metroplex. Tendo lançado seus colegas de escola e Robert Hood.

Sobre toda a inovação e movimentação que estava acontecendo May disse: “Percebemos a música de maneira diferente do que você perceberia se a encontrasse em boates. Sentávamos com as luzes apagadas e ouvíamos discos de Bootsy e Yellow Magic Orchestra. Nunca encaramos isso apenas como entretenimento, encaramos como uma filosofia séria”

Quem os inspirou? Yellow Magic Orchestra, Kraftwerk, Bootsy, Parliament, Prince, Depeche Mode, e o The B-52’s. Inclusive Juan Atkins decidiu comprar seu primeiro sintetizador após ouvir Parliament. Ele inclusive foi o primeiro do grupo a pegar uma turntable e ensinou May e Saunderson como discotecar.

Sob o nome de Deep Space Soundworks, Atkins e May começaram a ser DJs no circuito de festas de Detroit. Em 81 Mojo estava tocando mixagens de discos gravados por the Belleville Tree, que tinham trabalhos de outros artistas. O Trio foi estudar a cena de house music, e o trabalho de DJs como Ron Hardy e Frankie Knuckles, o estilo é a progrssão natural da disco musc e a síntese da dance music somado ao som mecânico do Kraftwerk, o que se refletiu diretamente na cena pós-industrial de Detroit e sua obsessão pelo futuro.


Juan Atkins e seu Model 500 durante apresentação no C6 Fest. – Foto Por: Beatriz Paulussen

Desta forma Juan Atkins ficou conhecido como o avô do techno, para os roqueiros seria como o Iggy Pop para a cena punk. Já Derrick May foi aclamado como o inovador e Saunderson batizado como o Elevador. Música, programação e o começo da popularização dos PC’s dão início ao Techno. Com pequenas gravadoras e Dj’s procurando referências em cenas vivas.

O background temático dos primeiros DJ’s era exatamente a transformação da sociedade e a ficção científica. Algo meio transgressor feito Blade Runner, o que acabou ecoando mais tarde no Afrofuturismo. Já o House que já existia no underground viria a estourar entre 1987 e 1988 com o hit “Britain”. Em paralelo no Reino Unido o que bombava naquele mesmo momento de fim de anos 80 foi a cena de Acid House.

A identidade do Techno de Detroit

A política de identidade no techno de Detroit é focada principalmente nas relações raciais. Ao longo da criação do techno, havia esse forte e constante “desejo progressivo de ir além da negritude essencializada”, Mesmo que a natureza classista do techno tenha evitado que artistas e produtores se separassem dos pobres urbanos, especialmente na primeira onda, isso os ajudou a fazer dos espaços metropolitanos o objeto de sua própria visão de sociedades diferentes e alternativas. sociedades destinadas a ir além dos conceitos de raça e etnia e misturar todos eles.

Os primeiros produtores do techno de Detroit afirmam em várias ocasiões diferentes que o objetivo era fazer do techno apenas sobre música e não sobre raça. Como disse Juan Atkins: “Eu odeio que as coisas tenham que ser separadas e dissecadas [por raça] … para mim não deveria ser música branca ou negra, deveria ser apenas música”.


Juan Atkins no Parque Ibirapuera durante apresentação no C6 Fest. – Foto Por: Beatriz Paulussen

Antes de começar a década de 90 já chegava uma segunda geração do Techno tendo St. Andrews Hall, Majestic Theater, The Shelter e the Music Institute como verdadeiros templos que consolidaram uma cena noventista com artistas como Carl Craig, Underground Resistance (contendo Mike Banks, Jeff Mills, e Robert Hood), Blake Baxter, Jay Denham e Octave One.

Tudo isso para introduzir a apresentação do que é em um começo de noite receber Juan Atkins e seu Model 500 com direito a um show fantástico de luzes, muitas caretas, poesia em teclas e transgressão sonora. Com 9 álbuns de estúdio lançados ele teve a missão de contar o meio da história, já que o Kraftwerk viria ao palco pouco mais de uma hora após pisar no palco. O show consegue trazer a levada fria e hostil de uma cidade industrial como Detroit com muita irreverência mas sem deixar de ser naturalmente dançante, dando uma aula sobre Techno e os estilos que esta corrente ajudou a criar.

Kraftwerk – Aula com os Pais de toda música eletrônica

Aula de história, sincronia de movimentos robóticos pré-elaborados, genialidade minimalista, Bauhaus, alta velocidade, o encontro entre a matriz e o HD externo, frieza alemã, dados, metadados e equipamentos de alta precisão. Assistir ao Kraftwerk deveria ser um privilégio para qualquer pessoa que se interesse por música. O som e a imagem, de Bowie e Pink Floyd, traduzidos em uma apresentação que é didática e vai do beabá com direção ao futuro.

É inclusive essa a maestria do setlist montado de forma robótica e que nenhum ChatGPT conseguiria explicar o quão a frente ao tempo eles estavam lá atrás antes da virada da década de 80.

Alguns dizem que é tão influente quanto os Beatles mas basta ver que o grupo fundado por Ralf Hütter e Florian Schneider, em Düsseldorf, consegue ir além e continuar influenciando não só a música eletrônica mas como outros estilos. Sua síntese é tão completa que se abrirmos a matriz do futuro vemos ali a origem de movimentos estéticos, e correntes musicais, que 50 anos depois continuam a ser descobertas por jovens que baseado em suas experiências pessoas vão lá e tiram um sample daqui, outro acolá e mostram um novo viés de uma obra tão moderna.

De punks a jazzistas, do folclore ao dub, o grupo de admiradores dos alemães tem um pouco de Kraftwerk ali, alguns estilos como o funk carioca, a nossa música eletrônica brasileira, pincela demais em várias vertentes do som produzido lá atrás pelos fundadores ao lado de Wolfgang Flür e Karl Bartos que fecham o quarteto. Gary Numan, David Bowie, Brian Eno, referências que se encantaram e foram conhecer direto da fonte para se reinventar com o quarteto.

Kraftwerk é tão revolucionário que o guitarrista Michael Rother e o baterista Klaus Dinger, deixaram o grupo logo nas primeiras formações para formar a icônica banda Neu!. Criatividade ali não faltava mesmo.

Da formação original mesmo, após a saída de Florian Schneider, em 2009, restou apenas Ralf Hütter, mas o trio que o acompanha são justamente músicos que os acompanharam ao longo do tempo.


Kraftwerk durante o C6 Fest. – Foto Por: Beatriz Paulussen

Dito isso, assistir ao show é se deparar com uma timeline do que já foi feito dentro da música. O setlist te conduz por uma viagem em que é fácil ir ouvindo os trechos das músicas e naturalmente apontar “essa foi usada em hits do funk carioca“, “essa o Coldplay sampleou”, “Numbers”, por exemplo, o Afrika Bambaataa e Dr. Dre feat. Jay-Z, foram lá puxar trechos.

“Conhecemos os Kraftwerk através de Ian Curtis, que insistia em tocar Trans Europe Express sempre que íamos entrar em palco. A gravação era passada no local, sobre o sistema de som, para ser ouvida por toda a gente. A primeira vez foi no Pips [um clube de Manchester conhecido pelo seu «Bowie Room» (Quarto de Bowie)]. Ian foi expulso por partir copos na pista de dança, mesmo na altura em que íamos tocar. Demorávamos horas a implorar-lhe que regressasse.”, disse Peter Hook certa vez

O site Who Sampled aponta que existem registrados cerca de 929 samples de músicas do Kraftwerk, é praticamente uma espécie de enciclopédia da música deixada numa biblioteca com acesso global onde cada um deixa uma anotação e rabisco ali no meio para voltar mais tarde.

O visual do show novo dos músicos também fez singelas homenagens. A nave da banda pousando na parque do Auditório do Ibirapuera foi um carinho com o público brasileiro. Se eles se mantém calados sem conversar com o público durante todo o set, justamente para levar a experiência máquina-humano para o público é em detalhes como esse que o “calor alemão” aparece. “Autobahn” ganha carros no melhor estilo animação de computador antigo, com direito a fuscas e Mercedes Benz. Tudo propositalmente datado e com uma iconografia emblemática. Até por isso os fotógrafos tiveram que ficar distantes já que o telão colocado em volta do palco também fazia parte da narrativa do Kraftwerk.

Feito olhar para o retrovisor, logo ao fim de “Music Non Stop”, um a um, feito soldados se despedem do palco deixando na cabeça dos presentes os códigos e micro:bit para as próximas gerações.


Kraftwerk no C6 Fest. – Foto Por: Beatriz Paulussen

Setlist Kraftwerk no C6 Fest

Numbers / Computer World
Spacelab
The Man-Machine
Autobahn
Computer Love
The Model
Tour de France 1983 / Prologue / Tour de France Étape 1 / Chrono / Tour de France Étape 2
Trans Europe Express / Metal On Metal / Abzug
The Robots
Planet of Visions
Boing Boom Tschak / Music Non Stop

Underworld – A Rave tem que Continuar

Os galeses Karl Hyde e Rick Smith, de Cardiff, começaram como um grupo de funk e synth-pop mas logo depois foram direcionando sua sonoridade para a dance music e o techno, foi quando a banda deu sua guinada, mas já que falamos em matriz: Kraftwerk e o reggae foram o começo de tudo ainda com a banda Screen Gemz. A banda acabou em 1986 e logo depois Hyde, Smith, Burrows e o baixista Baz Allen formaram o Underworld inspirados pelo filme de terror de mesmo nome – e fecharam com a Sire Records.

O som deles ainda tem uma mistura latente entre techno e rock, o que fez com que eles alcançassem mais espaço ao longo da década de 90, não é por acaso que “Born Slippy” caiu como uma luva dentro da trilha de Trainspotting. A lendária faixa, que inclusive, fechou a apresentação de pouco mais de uma hora integra o álbumSecond Toughest in the Infants (1996).

O legado do Underworld é bastante interessante influenciando desde grupos de Techno e punk mas também compositores de trilhas para videogames como Nobuyoshi Sano, Andrew Sega, Jesper Kyd, Michiel van den Bos, e Rom Di Prisco.


Rick Smith (Underworld) durante apresentação no C6 Fest. – Foto Por: Beatriz Paulussen

A amizade com o diretor de cinema Danny Boyle também é algo a se citar visto que seja com o Underworld, como também em projetos solo, ele fez questão de sempre trabalhar com Rick em seus projetos. Entre colaborações interessantes do grupo eles já puderam realizar feats com Tiësto e Brian Eno. Além de poder ter tocado na abertura das Olimpíadas de Londres, esta que também reuniu o grupo de ska Madness na mesma cerimônia para mostrar como o Reino Unido valoriza a música em todos seus âmbitos.

O show começa explosivo, é incrível como as cores pulsantes e a mistura entre vermelho, azul, amarelo e rosa se contrastam, isso somado a energia do vocalista, um senhor que parece feliz e bastante impressionado pela receptividade do público. Foi até curioso encontrar no hotel no dia seguinte Tyler Hyde, filha de Karl Hyde, ela que faz parte do Black Country, New Road, eles se encontraram no hotel e tiveram um momento em família bastante bonito em que pude presenciar.

Em entrevista para a NME em 2021 ela até comentou sobre o assunto: “Nossa banda não seria o que é se eu, Lewis e Georgia não estivéssemos no Guildhall, sabe? E se eles não tivessem sido pressionados pelos pais, ou tivessem dinheiro para ter aulas de música, ou eu não tivesse sido criado em uma casa onde há instrumentos por toda parte. Quais são as chances de você nascer em uma família que pode apoiar e encorajar isso? Isso é muita sorte.”


UnderworldFoto Por: Beatriz Paulussen

Setlist Underworld no C6 Fest

Gene Pool
Two Months Off
Dark & Long (Dark Train)
Push Upstairs
King of Snake
Rez / Cowgirl
And the Colour Red
Born Slippy .NUXX

This post was published on 23 de maio de 2023 6:36 pm

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

Posts Recentes

The Vaccines lota o Cine Joia em retorno ao Brasil embalado pela nostalgia

The Vaccines é daquelas bandas que dispensa qualquer tipo de apresentação. Mas também daquelas que…

22 de novembro de 2024

Joyce Manor revela segredos e curiosidades antes de embarcar para a primeira turnê no Brasil

Demorou, é bem verdade mas finalmente o Joyce Manor vem ao Brasil pela primeira vez.…

13 de novembro de 2024

Balaclava Fest tem show virtuoso do Dinosaur Jr. e cada vez mais “brasileiro” do BADBADNOTGOOD

Programado para o fim de semana dos dia 9 e 10 de novembro, o Balaclava…

12 de novembro de 2024

Supervão passa a limpo o passado mirando o futuro em “Amores e Vícios da Geração Nostalgia”

Supervão evoca a geração nostalgia para uma pistinha indie 30+ Às vezes a gente esquece…

8 de novembro de 2024

Christine Valença coloca tempero nordestino no clássico folk “John Riley”

A artista carioca repaginou "John Riley", canção de amor do século XVII Após lançar seu…

7 de novembro de 2024

Travis faz as pazes com o Brasil em apresentação com covers de Oasis e Britney Spears

Quando foi confirmado o show do Travis no Brasil, pouco tempo após o anúncio do…

6 de novembro de 2024

This website uses cookies.