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“Tenho Acordado Dentro dos Sonhos”, 5° disco de Juliano Gauche reflete sobre ficar sem chão

A pandemia foi marcada pelo período de reclusão e muitos discos acabaram sendo compostos em meio a este cenário de incertezas. O cantor e compositor Juliano Gauche aproveitou seu isolamento na praia de Manguinhos, no Espírito Santo, para explorar a temática do mundo dos sonhos. Nesta sexta-feira (24/03) ele apresenta seu quinto álbum de estúdio Tenho Acordado Dentro Dos Sonhos, um nome que traduz tantos sentimentos e expectativas em meio a um momento marcado pelas incertezas sobre o futuro.

Um disco intimista em sua essência e com estética lo-fi com arranjos de violão, beats eletrônicos, teclas, arranjos de guitarras, voz entre outros elementos, ele traz reflexões e minimalismo para falar sobre o chão perdido, tanto é que ele ressoa como uma trilha de um filme onde o protagonista busca trilhar novos caminhos. Entre o sentimento de todos estarmos no mesmo barco mas com a mente transitando por diferentes fases e se reeducando a viver novamente algo explicitado em canções como “Nos Cânticos de Lá”.

As Gravações

O material ainda contou com a colaboração do produtor Sérgio Benevenuto, que pincelou com guitarras, synths e melotrons, o minimalismo em voz, guitarras e violões de Juliano. O material pandêmico foi gravado nos estúdios do selo Índigo Azul, em São Paulo, em novembro de 2022, por Klaus Sena, também responsável pela co-produção, pianos, xilofones, sintetizadores, além da mixagem e masterização.

As gravações, mais uma vez, também contaram com o guitarrista e violonista Kaneo Ramos, presente nos anteriores Afastamento e Bombyx Mori. O cantor e compositor André Travassos, da banda Moons, é o convidado escolhido por Gauche para dividir letra e voz na faixa “Ondas que Acordam”, que assim ganha uma versão bilíngue, português/inglês.


Juliano GaucheFoto Por: Pedro Clash

Juliano Gauche Tenho Acordado Dentro dos Sonhos

O registro conta com canções em português e inglês que traduzem esse momento de olhar para dentro (e para fora) ao mesmo tempo de uma forma contemplativa tanto para o íntimo, como para a natureza como para a relação com o outro. A introspecção da literatura, por sua vez, acabou servindo como um norte durante a reclusão como ele mesmo ressalta.

Tenho Acordado Dentro dos Sonhos vem do meu fascínio por autores como Fernando Pessoa, Clarice Lispector, Rimbaud, e suas paixões por temas metafísicos. Vem de como meus próprios sonhos vem se tornando mais lúcidos com o tempo e de como essa relação com meu inconsciente vem me ajudando a lidar com as questões mais delicadas do dia a dia. Vem desses dias de isolamento em que ficamos dormindo e acordando dentro da mesma rotina, encarando os acontecimentos como se estivéssemos presos num imenso pesadelo, e ao mesmo tempo só restando como arma, sonhar, querer profundamente, desejar, esperar com esperança. Vem dessa esperança que eu me vi forçado a produzir.

Atravessar a grande noite, ver raiar o dia, sentir que a vida continua, era só isso que eu sonhava. Sonhava dormindo, sonhava acordado, sonhava escrevendo, sonhava tocando. Tudo nasceu dessa nuvem longa e carregada. Para depois pousar numa realidade depredada, carente de reconstrução, cheia de perdas, dores e vazios. Onde coube justamente ao onírico o trabalho lúdico de trazer os alívios e as respostas necessárias.

O sofrimento existe, sentenciou o velho Buda, mas há no fundo de tudo uma beleza que requer um enlouquecimento sob controle para ser encontrada, uma permissão a si mesmo para ir além dos próprios limites lógicos e emocionais. Tenho Acordado Dentro dos Sonhos é a minha entrega ao que não pude controlar, as emoções mais diretas, às reações mais naturais, à uma simplicidade que nenhum outro esforço teria me trazido. São sete canções tão curtas e tão cheias quanto o próprio sonhar, que dedico a todos e todas que assim como eu também esperaram e esperaram que o novo voltasse”, complementa Juliano Gauche   

O processo do disco acaba também entrando na própria da narrativa que permite do campo errático e não linear da criação ajudar a conduzir o processo de um disco que convida, e provoca, o ouvinte a parar tudo que está fazendo para se desconectar dos problemas mundanos, muitas vezes tão pequenos em relação a outros sentimentos que nutrem a alma.

“horas que vão” podia ser uma crônica de um poeta olhando para o teto de casa em meio a pandemia e desta forma observando as fissuras tanto da parede como dentro de nós, é com o bom uso das palavras e metáforas que aquela casa muitas vezes pode ser nossa mente, as memórias e fantasmas que a adentram. “ondas que acordam” que conta até com duas versões reprise ao fim do disco discorre sobre os ciclos do nosso dia, entre repetições, e as distâncias, muitas vezes encurtadas pelas conexões mas em outras embaladas pela saudade. O fato dela ter versos em português e inglês acaba servindo como recurso para falar sobre como oceanos muitas vezes nos distanciam dos nossos amores, amigos e sonhos.

A literatura e o teatro se cruzam em “É Sempre Noite Em Meu Coração” e com o mellotron traz para si os fantasmas, receios e descompassos feito uma névoa de pensamentos emaranhados. “desde quando eu te vi” tem aquela crueza nos arranjos com texturas setentistas, feito Chris Bell, e carrega uma esperança traduzida na progressão de acordes que relutam contra a saudade (e a fagulha de um coração apaixonado).

“nyx” brinca com a cacofonia em sua introdução como elemento e desta forma cria todo um anticlímax para o ouvinte que desemboca na mais cinematográfica e descritiva do álbum, “antes do dia”, aquela faixa que traduz a arte do reencontro feito cena de filme quando o protagonista encontra sua amada após passar por alguma trama difícil e cheia de altos e baixos. As teclas deixam ela ainda mais emocionante.

O longo caminho do plano dos sonhos em direção ao despertar, após tanto tempo, finalmente foi materializado em nossas vidas. Tendo a calmaria de uma proa de barco – que necessita dos ventos para se guiar no horizonte – o ciclo se encerra. Agora, é esperar para assistir ao espetáculo da vida em sua melhor forma: ao vivo.

Ouça Tenho Acordado Dentro dos Sonhos


This post was published on 24 de março de 2023 9:10 am

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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