Daniel Pandeló Corrêa lista artistas que se inspiram em livros durante o processo criativo
Daniel Pandeló Corrêa lista artistas que se inspiram em livros durante o processo criativo
Após lança os EPs Invocações (2020) e Em Glória ou em Ruína (2022) e o disco Voando Reto num Muro de Tijolos (2020), produzido por Sarah Abdala, como amostras de um novo direcionamento na carreira de Daniel Pandeló Corrêa, que tem trajetória no meio cultural sendo construída desde 2006, quando lançou seu primeiro livro, lança Tudo que as vozes contaram parceria com Sarah Abdala via Selo Pomar.
“Nos meus projetos acabo fazendo tudo de uma vez. Letra, música, estrutura musical convencional. E neste projeto com o Dani a primeira coisa que eu pensei foi compor e imaginar a história que ele tá contando, escutar, escutar, e escutar… Reparar nas respirações, na intenção daquela frase, daquela história, e a partir disso começo a criar de uma maneira bem fluida, sem amarras de estrutura de canção, por exemplo, me guiando pelo texto e pelas sensações. Pensei muito como se fosse uma cena para criar a trilha sonora do que eu via e ouvia na minha cabeça”, conta a artista Sarah Abdala que participa do projeto ao lado de Daniel e deve lançar seu quarto disco neste ano
Aliás é do encontro entre a música e a literatura que tudo se transforma na obra do artista nascido na cidade do Rio de Janeiro. Ele nos conta que o disco faz uma viagem sobrenatural sobre o luto e os encantamentos do presente no imaginário popular. O lado de atuação também é um ingrediente da imersão em spoken word e trilha sonora com ares de cinema. O convite é justamente a sinestesia até mesmo para as imagens serem criadas no imaginário do ouvinte.
“Esse é um projeto que tenho muito carinho e, pra mim, é como uma obra em progresso. Estou há alguns anos trabalhando em um romance que conta com uma série de arcos independentes e que convergem em um final conjunto para dialogar com a história do bairro onde cresci, na Zona Oeste do Rio.
‘Tudo que as vozes contaram’ é a primeira parte do livro. Quero usar alguns métodos fora da literatura para testar a trama”, conta Daniel, que é carioca mas está radicado em Petrópolis. “Um dia, eu estava almoçando com a Sarah e contei a história inteira pra ela. Ao ver a empolgação dela, sabia que era a pessoa perfeita para fazer esse projeto ganhar vida”, conta Daniel Pandeló Corrêa.
A mixagem foi realizada por Rogério Sobreira e Sarah Abdala, que também assina a masterização. A arte é de Tai Fonseca sobre um desenho de Flora Pandeló Corrêa, filha de Daniel. O lançamento já está disponível em todas as plataformas de música via Pomar.
Ouça Tudo que as vozes contaram no Spotify
O Processo criativo de Daniel Pandeló Corrêa
“Eu sinto que meu processo criativo sempre foi pautado por um olhar além do que um livro é normalmente. Eu cresci num bairro, no subúrbio do Rio, onde o acesso à cultura era muito limitado e se você queria fazer algo, tinha que dar seus pulos. E isso esteve presente no modo como construí meus livros.
O “Bucolidade Urbana”, de 2006, foi uma coletânea de contos publicados online que o próprio leitor escolheu o que seria aproveitado no livro. No ano seguinte, o “Nadastar” teve uma versão num proto-app que eu mandava via conexões entre os celulares da época, que começaram a ter acesso a algum tipo de transmissão de arquivos. Então mandava o livro aleatoriamente para as pessoas. O “Tristes Camelos” ganhou inúmeras versões modificadas sob demanda para cada pessoa que comprou o livro, quando era indie. Curiosamente foi esse lado que eu tinha mais “safo” que me levou para trabalhar oficialmente com cultura e arte, mas que fez com que por quase 10 anos eu me afastasse da minha própria produção.
Eu voltei a pensar como música pelo fato de compor com vários amigos, que sempre ficavam insistindo que eu deveria fazer algo usando música como base. Eu não vivo o hip hop, então não me sentia digno de tentar mergulhar e buscar um flow e fazer em rap e não queria que tivesse aquele pedestal intelectual do sarau de poesia clichê de alguém com um bangô e uns versos tortos. Eu queria usar a música como instrumento imersivo. Não necessariamente fazer música, mas deixar ela fazer o meu texto.”, reflete o artista carioca
A parceria de Daniel Pandeló Corrêa com Sarah Abdalah
“Tanto que sempre que fiz um projeto desses, eu começo gravando uma base interpretando o texto, quase um trabalho de atuação. E dou na mão desses artistas para fazerem o que eles quiserem. O Paulo Lira e o Mayam buscaram beats e guitarras bem clean no “Invocações”, o Hugo Noguchi fez algo inspirado em trilha de games e algumas produções orientais que a gente falava bastante no “Em Glória ou em Ruína”. E a Sarah, nos dois projetos que fizemos juntos, eu quis que trouxesse o trabalho dela.>
Lembro que depois que a Sarah fez as bases do “Voando Reto num muro de Tijolos”, eu regravei as vozes num mini estúdio que ela tinha no apartamento em uma sessão, quase um dia inteiro, completamente intenso e pesado. Ela conseguiu pegar em mim traumas que nem minha mãe ou minha terapeuta sabiam na época e colocar isso de modo público.
O nível de confiança que já tinha nela, que era altíssimo, foi pra estratosfera. E lembro de um dia contar pra ela, em detalhes, um projeto que eu estava trabalhando que veio inteiramente num pesadelo horrível que tive. Era um livro em três partes, como atos em uma peça, e lembro do olhar brilhando da Sarah de interesse
Eu queria fazer outro projeto com ela, mas peguei esse e coloquei na frente. “Tudo que as vozes contaram” é a primeira parte do livro. Na verdade, tipo uma demo tape do que vai ser o livro. A Sarah compôs como uma trilha sonora e foi uma honra pra mim ver ela empolgada e falando que queria assinar como um disco dela também.”, conta Daniel
Lista de Artistas que se inspiram em livros durante seu processo criativo
“Hoje sinto que esse olhar com áudio, performático, mudou o modo como escrevo. Pois tem muita coisa que funciona no papel e eu não quero mais que funcione só assim. Eu quero que seja funcional na voz.
E fico feliz de não ser o único, por isso fiz essa lista de 10 artistas que tem um processo que passa pela música/literatura.”
Confira a lista de artistas que se inspiram em livros feita especialmente por Daniel Pandeló Corrêa com exclusividade para o Hits Perdidos!
1) Vitor Ramil
Um dos maiores e melhores compositores brasileiros vivos, Ramil lançou um álbum espetacular no ano passado chamado “Avenida Angélica”, recriando poemas da também incrível Angélica Freitas.
2) Letrux
Desde o Letuce, parece que o verso é o primeiro passo do processo criativo da Letícia, que tem um audiobook ótimo para o seu “Tudo que já nadei: Ressaca, quebra-mar e marolinhas”
3) Gil Scott-Heron
O pai do rap, criador do “a revolução não será televisionada”. Seu “Small Talk at 125th and Lenox”, de 1970, é obrigatório. O “I’m New Here”, de 2010, também.
4) Kae Tempest
Artiste não-binarie que conheci pela passagem na Flip há sete anos. Caminhando bem perto do rap, eu amo o disco Let Them Eat Chaos, que lançou em 2016.
5) Arnaldo Antunes
Sinto que muita gente no Brasil conhece o conceito de palavra falada na música pelo Arnaldo. Seja em seus projetos, seja recitando Eça De Queiroz em “Amor I Love You”, da Marisa Monte. A performance que ele fez no Inhotim com o Vitor Araújo, é um ótimo exemplo.
6) Patti Smith
Em seu ótimo “Só Garotos”, a mãe do punk deixa claro que queria ser poeta. A verve de uma poética caótica beatnick aparece na faixa-título de seu icônico “Horses”.
7) Akua Naru
Rapper que une jazz e soul, ela traz a poesia de modo incrível em faixas como “Poetry: How Does It Feel Now???”, que tem uma das performances mais impressionantes que vi.
8) Bratislava
Banda paulistana que tem poesia em sua base, principalmente pelo seu vocalista, o Victor Meira, que tem um histórico de saraus e um ótimo livro. Vale acompanhar tudo deles.
9) Leonard Cohen
Outro músico que abertamente queria ser poeta. Poderia indicar os primeiros álbuns, onde isso era muito mais evidente, mas o último disco “You Want It Darker” tem um dos maiores textos sobre morte já feitos na história.
10) VulgoQinho&OsCara
Puxando algo aqui dos porões da cena carioca. Essa era uma banda capitaneada pelo Qinhones, que tem uma ótima carreira como cantor, compositor e intérprete ao lado do poeta Omar Salomão (filho do incrível Waly). O EP deles foi algo que me acompanhou em diversas aventuras pela cidade naquele MP3 que parecia um pen drive.
E você, quais artistas que se inspiram em livros adicionaria a lista?