Nos últimos anos muita coisa aconteceu e um disco gravado semanas antes do lockdown de 2020 teve seu destino mudado em detrimento a acontecimentos bastante profundos dentro da trajetória do Aldo. Até por isso, o grupo que começou como Aldo, The Band, passou a se chamar apenas Aldo, agora muda de nome para St Aldo. A motivação é nobre. O tio dos irmãos Faria, Aldo, faleceu devido a complicações da Covid-19, o que sensibilizou eles a transformar o álbum que foi gravado em um loft do histórico Edifício Esther, localizado no centro de SP, a rebatizar o nome do projeto. Esther Building chega com sua concepção desde a escolha do local da gravação como um disco com o DNA cinzento e acelerado como a cidade de São Paulo.
“Ficamos arrasados com a perda do tio Aldo, foi tudo muito rápido e surreal. Não sabíamos ao certo o que fazer. Foi nosso manager Henning Dietz que sugeriu acrescentar o “St.” antes do nome como uma homenagem e começarmos uma nova fase, um novo ciclo da banda, do som, de tudo.”, contam os irmãos
Seu processo consistiu em uma imersão intensa de onde André e Murilo Faria levaram todos os equipamentos para o icônico edifício e por lá passaram 10 dias morando e compondo as novas faixas do álbum de forma bastante artesanal.
Particularmente prefiro compor fora do estúdio, respirando um oxigênio menos viciado, acordando e dormindo com o instrumento no colo, cantarolando o que vem à cabeça, sem pretensões…por isso adoramos o processo de imersão. Porque você consegue gravar um volume de ideias que faz sentido naquela janela de tempo-espaço, e depois é mais fácil e divertido fazer um select, rebuscar, escolher aquilo que realmente se comunica com o outro você fora dali.
Os momentos juntos também rendiam brisas tipo Heavens Gate (a seita) que o Mura era obcecado na época. Lembro que varamos uma noite vendo vídeos e pesquisando a vida do criador da seita… A única pessoa que colou no apartamento foi o Vitor Bossa, amigo diretor e fotógrafo, para fazer umas fotos por ali. Nada ali foi produzido, ele apenas passou um dia curtindo conosco ali, dando pitacos no que curtia mais. Adoro essas fotos”, conta André.
Os detalhes das gravações lembram até mesmo os primeiros dias do duo como relata Murilo.
“No estúdio você tem infinitas possibilidades de equipamentos, já no Edifício Esther nós tínhamos apenas alguns instrumentos: dois ou três synths, duas guitarras, um baixo, pedais e um microfone. Quisemos de alguma maneira reproduzir o jeito mais indie e desleixado que produzimos o primeiro álbum, na época, na casa da nossa própria mãe, gravando as vozes no armário. No Edifício Esther era parecido, tudo mais solto e menos sério do que um estúdio profissional.
Outra coisa que funcionava muito eram as jams. Às vezes passávamos o dia apenas tocando, curtindo e gravando. Só no dia seguinte ou à noite escutávamos o que fizemos e decidimos trabalhar em cima. Escolhíamos apenas o que de alguma maneira gostaríamos de escutar por aí, seja produzido por nós ou por qualquer outra banda.
Tocamos o que gostamos de ouvir, sem pensar muito, sem raciocinar muito, tentando manter a espontaneidade dos dias, sem se preocupar em agradar ninguém… Quando estávamos sem idéia simplesmente olhávamos em volta e alguma coisa surgia. Foi assim que criamos ‘Bell Jar’, olhando em volta e achando o totem do Olivier Anquier ao lado de um senhor com aquelas placas VENDO OURO.”
As inspirações para o álbum são bem urbanas com histórias da cidade, de um Totem do Chef de cozinha Olivier Anquier num cenário esdrúxulo, passando a até mesmo um dog adotado pela dupla. O lado de histórias vivas e até mesmo folclóricas também permeiam as faixas que tem desde relatos sobre a seita religiosa Heavens Gate ao caso do Fofão da Augusta, outro personagem que o jornalista Chico Felitti foi atrás de saber mais detalhes, assim como a mulher da casa mal-assombrada que quem sabe um dia se torna música dos Faria.
O terror entra como carga em uma letra sobre um serial killer dentro do disco e até um cigarro despretensioso com o Flying Lotus virou música. Esses e outros mistérios eles revelam em um faixa a faixa sobre o disco.
Quando o campo são as influências musicais, eles continuam na toada de misturar indie rock e música eletrônica, citando de forma mais direta nomes como Happy Mondays, Boards of Canada, Fat White Family, Underwolrd, CAN, Vangelis e TV On The Radio.
Eles aproveitam o momento também para relançar todo o catálogo de maneira digital.
“As limitações são uma fonte de criatividade. A imersão também. Por isso resolvemos juntar os dois e fazer algo mais espontâneo do que em outros álbuns. E algo mais independente também. A gravadora queria hits e músicas mais “catchy”, isso sempre foi motivo de discórdia. E nós queríamos curtir. Por isso alugamos o loft no centro, nos isolamos e trouxemos conosco apenas os instrumentos e materiais que mais gostamos.
Mura trouxe dois ou três synths, André trouxe um baixo, uma guitarra e 5 pedais. E fazíamos jams ao longo do dia, brisando sobre a vida, sobre o centro, sobre algumas memórias, sem muito compromisso. Depois ouvíamos tudo e selecionávamos o que interessava. E a novidade mais legal de lançar hoje esse material, é não precisar da aprovação ou negociação com a gravadora. Nem lançar single a single. Resolvemos lançar independentes, o álbum inteiro. Até porque esse apanhado de músicas reflete a história desses anos, dessa fase que vai do Edifício Esther até essa sexta-feira 22 de Julho.”, reflete o duo sobre a crueza e espírito libertino do novo material
A capa do álbum foi feita pelo ilustrador e artista plástico Mário Níveo, amigo de anos da dupla. O terceiro registro de estúdio da St Aldo, Esther Building, foi mixado na própria Evil Twin Music e gravado no Edifício Esther.
“Conforme o tempo vai passando, a nossa verdade vai ficando mais clara. Por isso, cada vez mais “produzimos” menos as imagens, fotos de divulgação e afins. Curtimos ser o que somos, como somos e ficar mais no som, na Evil, nos projetos, do que na imagem. Não temos tempo nem vontade nem expectativa de alimentar as redes freneticamente. Muito menos “ter uma imagem que corresponda a alguma coisa”.
Somos o que somos. E a capa reflete muito isso. Nosso amigo Mario Níveo, ilustrador e artista plástico, tinha esse quadro na casa dele que sempre piramos. Um dia falamos desse quadro virar uma capa, e essa capa virar um registro de um novo momento na banda, como se esse bichano fosse o novo St Aldo. E que não deixa de ser uma ressignificação do conceito do primeiro álbum, que também era um portrait com um rosto.”, contam os irmãos Faria
André Faria e Murilo Faria comentam sobre algumas das nove faixas presentes no álbum que sai nesta sexta-feira (22/07), em outras, relatos e curiosidades são transcritas a partir das histórias por trás da concepção de Esther Building.
St Aldo: “O álbum abre com uma track inspirada literalmente no centro de São Paulo, mais especificamente na Praça da República e mais especificamente ainda na esquina da 7 de Abril com a Gabus Menders, mais especificamente num totem do Olivier Anquier em um Café logo ali ao lado do Edifício Esther.
Era um totem em tamanho real do chef convidando os pedestres a entrar no café. Aquele chef francês ao lado de um vendedor de ouro, um estudante, uma prostituta e um executivo do centro ali passando era realmente estranho.
Decidimos entrar na cabeça do totem e vimos que ele estava preso ali, naquele centro, naquele papelão, tentando ser o melhor que pode ser, dentro da redoma. Foi uma das últimas músicas que fizemos por ali, depois de todos os dias termos tomado o café do Olivier Anquier para acordar, além de comprado os pães.”
St Aldo: “Uma das músicas mais pesadas do disco (sempre curtimos ter pelo menos uma música intensa no conjunto, especialmente para poder tocá-la ao vivo). Foi gravada com um baixo Gibson de 1968, comprado em São Francisco na mesma loja que o Kurt Cobain frequentava. Mura fez os beats com uma base pesada em contraponto aos falsetes do André.
Essa é a história real de um cachorro que parou no portão da nossa casa-estúdio em Campos do Jordão (SP) quando estávamos compondo anos atrás. Vimos um cachorro muito parecido andando pela madrugada do centro, voltamos para o flat e resolvemos escrever sobre o Cajú, nosso cão adotado. Não sabemos de onde ele veio, mas na nossa cabeça presumimos que ao invés de nascer de uma cadela, ele caiu do pé de uma árvore no alto de uma montanha e rolou ladeira abaixo até parar no portão da casa. Ele chegou com um poder absurdo de olhar as pessoas no olho, penetrar em suas almas, e conseguir o que quer. E nem sempre quer coisas boas.”
Criada a partir do sintetizador mais feio já criado (korg prophecy), mas ao mesmo um arma secreta escondida por muitos produtores, a música é retrata uma fixação dos irmãos pela seita religiosa Heavens Gate e seu criador. A track tem uma pegada sombria com uma mistura de sci-fi e punk.
Eles acreditavam que iriam para um universo melhor se conseguissem pular na cauda de um cometa que iria passar pela Terra. O lance é que o caminho para entrar na cauda do cometa era se suicidando com um copo de cianureto, de roupa preta e tênis branco. Recentemente saiu um documentário na Netflix sobre a seita surreal, que os irmãos estudaram por anos.
A influência aqui é Boards of Canada, Fat White Family, Underwolrd, post-punk, CAN, e uma série de bandas que os irmãos ouviram nesse período.
“Uma homenagem a uma antiga amiga dos irmãos (chamada Cida), que os apresentou a um lado alternativo do centro de São Paulo na década de 90. Além do cabelo encaracolado e as pernas finas feito bambú, Cida também tinha as idéias encaracoladas (e erradas), se perdendo bastante nos abusos, noite e amigos.
Cida tinha um lado musical diferente que também abriu bem a cabeça dos irmãos, especialmente rap e hip hop e era amiga da galera do Sampa Crew, grupo paulista de rap romântico da década de 90. Golden Teeth era seu dente de ouro, ao lado do canino, marca registrada da Cida. Nunca mais foi vista, mas ainda fica na nossa lembrança e andando pelo centro a impressão era que iríamos encontrá-la a qualquer momento.
A guitarra (Fender Telecaster 93) foi gravada em linha sem efeito algum, por decisão de mixagem, para soar crua e punk. O baixo foi o mesmo Gibson de 1968 de outras tracks do álbum, e o beat fora de synch junto com uma solina crescente no final da música foi inspirada no Flying Lotus, especialmente depois de fumarem um cigarro com ele atrás do palco durante o show do Radiohead, onde Aldo tocou junto com ambos no Allianz Park.”
St Aldo: “São Paulo escondia personagens muito excêntricos no passado, e um dos que mais marcou os irmãos Faria foi o Fofão da Augusta. Quando iam para escola ficavam com uma mistura de curiosidade e medo com aquelas bochechas enormes maquiadas, aquele jeito frágil e feminino, distante e enigmático.
Quando estavam no Edifício Esther veio a notícia que Fofão Da Augusta havia falecido e surgiu uma matéria muito interessante do Chico Feilliti, e curtimos de alguma maneira registrar tudo isso em uma canção. A inspiração aqui é Boards Of Canada, que o Mura andava pirando na época.
O synth usado foi um CS-80 quebrado – passado por um gravador de rolo também quebrado – que Mura conseguiu ligar por apenas uma vez e gravar as notinhas “elásticas” (o mesmo que Vangelis usou na trilha de Blade Runner), e depois acabou por vendê-lo para um produtor-colecionador de Los Angeles.”
Música gravada em Paris, no Atlas Studio, emblemático estúdio da banda Air (que emprestou aos irmãos por 3 dias) quando estavam em turnê pela Europa. Lá mesmo criaram essa música que na verdade era uma homenagem ao Tio Aldo. Os irmãos tentaram usar todos os synths que encontraram pela frente, já que a dupla francesa Air são super colecionadores.
O tio infelizmente veio a falecer antes da música ser lançada, o que motivou os irmãos a mudarem a letra e tornarem a música uma homenagem póstuma.
St Aldo: “Gravada no Estúdio 12 Dólares, em São Paulo, no bairro do Bom Retiro. Foi a primeira música composta no Edifício Esther, começando com um riff de guitarra quando André ainda estava testando pedais antigos e vendo quais ainda funcionavam. Mura, sem avisar, gravou e criou o beat em cima semanas depois.
A letra fala de um serial killer que encontrou a felicidade no porta malas de um carro SUV, onde escondia corpos e pessoas. “Light cracks” nada mais é senão a luz que atravessa o porta-malas.”
Talvez a música mais lisérgicas do álbum, inspirados pela degradação do centro e da Praça da República, a dupla se inspirou na motivação de vereadores e políticos corruptos da cidade de São Paulo. Na bateria foram usados restos de uma gravação no sul de Londres no Estúdio 123 do baterista Daniel Setti, primeiro baterista da banda e constante colaborador.
As inspirações que a banda tem desde o primeiro álbum como Happy Mondays são bem evidentes por aqui. Estávamos quase encerrando a nossa estadia no Edifico Esther quando ouvimos uma gritaria vindo da praça da República.”
St Aldo: “Feito com um synth Organelle, panelas, um lixo de ponta cabeça microfonado e um solo de saxofone e synth, a música também foi gravada no Estúdio 12 Dólares no Bom Retiro em São Paulo.
A influência aqui é TV On The Radio, especialmente em um dos shows da banda ainda desconhecida no Sesc Pompeia, que marcou Mura em relação a texturas das vozes e synths.”
St Aldo: “De qualquer jeito só faria sentido lançar as tracks se as músicas ainda tivessem um significado para nós, se ainda fossem relevantes, se ainda nos representassem como artistas. Por isso nos reunimos na Evil e fizemos esse pacto: vamos escutar juntos e ver como bate… se fizer sentido, lançamos. Se for um som que íamos curtir de ouvir por aí, lançamos. Se não for nada disso e bater torto, zeramos tudo ou cada um toca seu projeto pessoal (além da Evil Twin Music, Mura está gravando um disco e André tem o Jeremaia). E a real é que ficamos bem animados.
Curtimos as músicas, lembramos de como foram feitas e a real é que elas parecem fazer mais sentido hoje do que antes. São mais claras hoje do que eram antes. Parece que esses dois anos e pouco fizeram bem, para nós e para as músicas. Elas soam a certeza de que gostamos do que fazemos, de que acreditamos no que fazemos, de que não fazemos por hype ou moda, nem muito menos não seguimos alguma tendência da semana. São músicas que fazem sentido em 2020 tanto quanto em 2023. E isso sem falar nas letras e histórias, que não queríamos perder. Ou sem falar que música não lançada ou música na gaveta, também é dinheiro parado. Temos que lançar.”
This post was published on 22 de julho de 2022 11:00 am
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