O som do Moblins nunca foi fácil de digerir. Meu primeiro contato com o duo paulistano foi lá em 2016 (leia aqui) e não soube muito como definir o som.
Seria Trip Hop? teria influência de synth pop? seriam discípulos de Gorillaz, Aphex Twin e LCD Soundsystem? Tudo isso passou pela cabeça.
Para facilitar em entrevista de maneira bem humorada Stefano fez uso do termo “Dark Pop”. Das estranhezas entre o eletrônico, indie, trilhas de games e mangás japoneses surgiu um estilo bem próprio de chocar a quem fosse conhecê-los.
Tão experimental suas raízes que até mesmo replicar a sonoridade criada em seu estúdio caseiro era difícil. Em shows com pouca estrutura eles penavam com os equipamentos dando pane. Mas de fato a evolução de lá para cá na produção é bastante perceptível.
“Na verdade, a gente meio que inventou isso porque gente nunca sabe o que falar quando as pessoas perguntam “o que vocês tocam?“.
A gente fala que é rock progressivo de garagem as vezes também. Na hora de compor, tentamos fazer uma musica pop mas nunca da certo. O que você acaba ouvindo é a gente errando feio.
Nos impomos certas regras que o pop tradicional usa mas não temos a disciplina necessária para escrever uma musica pop do começo ao fim. Tem que destruir ela de algum jeito. É a nossa versão pervertida do pop.”, contou Stefano em entrevista para o Hits Perdidos em 2016
Feito um jogo 8 Bits para um de 64 bits, a transformação no cuidado com a produção foi redobrado. Eles juntaram suas ideias, gravações e foram no estúdio Freak na busca por maior acabamento nas mixagens, produção e um novo olhar sobre sua estrutura sonora.
A base ainda é bastante artesanal, uma característica que nem eles querem perder de fato. As narrativas também seguem uma construção própria que permeia seu universo.
“O processo foi basicamente levar meio litro de café pro estúdio e ver o que acontecia, muitos dos arranjos são construídos em cima de sonoplastias que a Vivi cria, loops, samples de coisas que ela grava por aí e qualquer coisa que pode sair de um sintetizador, lembra o músico
“Trabalhar com o pessoal da Freak também ajudou muito nisso. Nos gravamos o disco em casa mas mixamos la com o Nico. A primeira vez que escutamos as nossas musicas nas caixas de som deles, parecia que o prédio tremia. Trabalhar com outras pessoas nos ajudou muito e eles foram uns amores.
As vezes sugeriam coisas que a gente nunca teria pensado e outras nos fizeram defender as nossas ideias do que o disco deveria ser. É muito mais fácil se definir quando você tem que batalhar pelas suas ideias, grande parte do que a gente faz é isolante e não tem ninguém questionando suas decisões.
O Gustavo foi um irmão mais velho pra gente la na Freak, o Nico foi super paciente com a gente na mixagem, com o Thales (foi o assistente do Nico na mixagem) ajudando.
A Mari (nossa produtora lá) cuidou da gente e apoiou nossas ideias mais mirabolantes. Uma das coisas mais fortes que se pode fazer por alguém é acreditar neles, e é isso que tá rolando la no selo.”, relembra Stefano entusiasmado
“O álbum foi construído com o livro do Nick Knight do lado do teclado. Ele é um fotógrafo inglês (favorito do Stefano) e teve um impacto enorme na nossa banda.
A gente busca muitas vezes traduzir a estética visual dele para o nosso som porque as imagens que ele produz conseguem ser assustadoras e lindas ao mesmo tempo. Ele também é conhecido por descobrir e trabalhar com modelos não convencionais (como a Caitin Stickels e Winnie Harlow) e como banda acabamos nos identificando porque muitos dos nossos artistas favoritos trabalham com timbres não convencionais, como o M.I.A., Aphex Twin e Arca.”, lembra Vivi
“Eu dei de aniversário pra Vivi um “Pocket Operator”. É um sintetizadorzinho modular que providenciou muita matéria prima pros arranjos do álbum. Ela tem uma relação com som que ninguém mais que eu conheço tem. É uma facilidade e uma compreensão com timbres e texturas genial e é uma inspiração continua pra mim.”, conta Stefano
“O trabalho dele que mais nos afetou foi o filme de moda que ele fez chamado “Portrait of Caitin Stickels” (Confira Aqui), que foi a inspiração para o clipe que a gente lançou ano passado!
Junto com duas mulheres que passaram a ser inspirações pra nós e para a construção do disco: a artista de vídeo e sonoplasta Younji Ku que trabalha no estúdio dele e a modelo Caitin Stickles, portadora de uma condição chamada “Cat Eye Syndrome” ou Síndrome de Schmid-Fraccaro.
Prestamos muita atenção também no estilista japonês Issey Miyake. A relação dele com forma e textura. A gente queria enfatizar a forma e as texturas das musicas. Eu adoro ver estilistas visitando depósitos de materiais e só pegando em tudo com a mão, esfregando no rosto, só sentindo a alegria e apreciação pela matéria prima antes do produto final.”, relembra o Moblins sobre as inspirações para o vídeo de “Airship (Balão da Mochi)
“Eu adoro trazer referências não musicais pra nossa música. Não sei, é um desafio maior ou me da mais liberdade pra criar, é só uma coisa que me da alegria quando eu consigo.
Nos escutamos muito musica experimental dos anos 90. Brak Psychisis, Björk, Cibo Matto, Aphex Twin. O Theuzitz também nos passou bastante pop e RnB dos anos 2000 e tava sempre por aqui pra nos inspirar e guiar mesmo que a gente acaba falando mais sobre moda, anime e culinária (risos). M.I.A. também tá sempre tocando quando a Vivi cola aqui em casa.
Muito do que fazemos é usar estruturas e convenções pop para traduzir as nossas ideias.
O disco fala muito de se sentir deslocado mas nem sempre de um jeito negativo. As vezes é gostoso presenciar algo que não tem nada a ver com você. Até te ajuda a definir quem você é.
Os arranjos do disco tentam refletir isso também, colocando elementos de ideias, timbres e letras em outros contextos para contrastar ou destacar. Aceitação e conflito, intimidade e caos.”, reflete Stefano sobre sua leitura sobre o debut
“O processo foi bem longo. As vezes ficávamos o dia todo tentando terminar uma música e não saía nada, dai dávamos um tempo, comida, café e a vivi ia jogar Final Fantasy 7 depois de 1h hora voltava pro estúdio e pimba! A Vivi quase zerou o jogo, isso provavelmente teve algum impacto também.
Para o formato do disco, queríamos algo como “Madvillainy” do “Madvillain” e Halfaxia da Grimes. Bastante tracks só que curtas, com a maioria em torno de 2 minutos.
Isso também foi pra representar uma das coisas que aprendemos, uma ideia precisa ser compartilhada.
Temos a mania de segurar as nossas ideias até acharmos que estão boas e ficar trabalhando em cima delas e nunca achar que estão prontas.
Ai você corre o risco de deixar seu ego infectar a obra e cai na armadilha de achar que você é a sua arte. Aí fudeu, porque você vai ficar com mais medo ainda de se expor.
O processo de criação do disco, e o lançamento, foi uma maneira de tentar combater isso (com graus de sucesso variados (risos), a gente demorou com esse disco). O nosso objetivo devia ser crescer como pessoas e artistas, as obras são apenas o registro disso., diz Stefano sobre os conflitos internos
A loucura desenfreada de São Paulo acaba por sua vez sendo o centro da construção do disco que ousa por não se guiar por padrões estéticos pré-estabelecidos do mercado. Mesmo em meio a estranheza, ele tem momentos pop.
“O Nosso provavelmente puxa bastante da cidade de São Paulo que é a sujeira e beleza ao mesmo tempo. É claro que a perspectiva de apenas duas pessoas numa metrópole de 27 milhões vai ser limitada, mas talvez não deixe de ter alguns aspectos universais. Como conseguir se sentir isolado na cidade mais populosa do pais. A relação entre a intimidade e o caos eu um tema forte pra gente.”, lembra o Moblins
“Nos somos pessoas diferentes agora. Esse disco demorou (demais) pra sair. Nesse tempo todo, lidei com depressão e serias crises de ansiedade, a Vivi foi pra China (voltou com varias gravações de campo pra samplear). Quase caímos em esquema de produtor. Esse lançamento esta fechando um capitulo. Foi um parto complicado mas acabamos.
Não paramos de compor e gravar as ideias estão acumulando de novo. Ainda queremos fazer um disco pop. Eu tava vendo uma resenha do Yu Yu Hakusho com o Matheus (Theuzitz) e uma hora eles falam da moda dos personagens, “Fun 90s aesthetis and creepy horror vibes”. Isso virou muito que um mantra meu no final das gravações (risos).”, finaliza Stefano sobre os próximos capítulos
São 17 faixas, em uma média de 2 minutos cada – com algumas excessões onde os loops acabam ganhando profundidade e contrastam com vocais melódicos, synts acelerados e batidas que “seguram” o clima “Dark Pop”.
O universo dos games, da moda e da sujeira acaba aparecendo como uma espécie de cenário imaginário para quem adentra o disco sem medo de expandir sua visão sobre a obra. Fãs de Radiohead, Aphex Twin, Massive Attack, Flying Lotus, Portished, Nine Inch Nails e Björk tendem a ter mais familiaridade com as provocações e estética ao mesmo tempo que expansiva – também é ironicamente pop.
“Hollow Grams” abre trazendo um aspecto de fusão da cultura pop, o oriente abraçando o ocidente, entre sintetizadores, quebras, remixes, loops reversos e cacofonia.
As sobreposições de vozes vem para causar estranheza mas por sua vez também convidam o ouvinte a adentrar. As referências de games 8 bit também são notórias em algumas de suas camadas.
“Tec II” vai buscar nas baixas frequências, no trip hop e post-rock seu ponto de convergência. Entre sussurros e experimentações ela traz uma rara paz dentro do andamento do disco.
O single “Airship (Balão da Mochi) (Freak Mix)” ganhou um novo remix, ainda mais frenético e que acredito que ao vivo terá um ganho em relação a sua versão original. Talvez uma das que mais se aproxime do conceito do Dark Pop. Que mesmo causando estranhamento ainda consegue grudar na cabeça.
Já “Gloomlurker” parece com a entrada de alguma fase misteriosa de Zelda no qual conforme vai se desenvolvendo fica ainda mais complicado encontrar seu fim. Abrindo o caminho para “Jaguatirica”, segundo single do álbum que ganhou um videoclipe em que o duo é personagem de um jogo no melhor estilo Playstation.
“ONNA BUGUEISHA” experimenta beats de uma forma ainda mais complexa e estranha. Lembrando os primeiros dias do projeto onde a fusão de contextos e referências é a sua base criativa.
“Heart and Mind at the Bottom of the Sea” parece até que estamos rebobinando um filme VHS e as vezes esse estranhamento que venha a nos levar a uma discussão sobre o que seria “música” e o que não seria. Daquelas para perturbar mesmo o ouvinte e não pedir confete.
O universo da moda aparece claro em “Nick Knight (PO-14 Pattern 11)” que tem um lado um tanto quanto Kraftwerk – e Grimes – em sua construção. “KALINCHADA” tem menos de um minuto, traz vozes feito um filme de terror e poderiam servir de sample para Billie Eilish.
O R&B + lounge + universo Moblins ganham vida em “Beachone (П“¿)” que dá voltas e muitas vezes soa como um robô entrando em curto circuito. Até que Vivi entra declarando versos provocativos como “Conforto é coisa de televisão” que ressoa como uma crítica ao nosso modos operandi do dia-a-dia que prioriza trabalho sobre tudo.
“Breu (BDF)” tem uma carga do industrial mas também brinca com a rotatividade e os tempos. Perturba e é quase intragável. Que contrasta com “Sunspot” que brinca com o auto-tune no melhor estilo Björk + vaporwave.
O álbum volta a acelerar em “Itchy… Tasty…” com batidas mais energéticas e uma guitarra que até então não tinha ganho espaço no disco. Entre frequências interrompidas e desencontros urbanos. Se você gosta de Depeche Mode, pule logo para a “ssssskkkiiiidddddd” pois o lado mais dark deles está nessa faixa que brinca com tempos e a fritação das raves.
Por mais estranho que possa parecer (Ok, o disco é todo torto), o Heavy Metal é um dos pilares do Moblins. Esse peso e o conflito podem ser sentidos em “VSF” que soa como um surto e a busca pelo seu espaço no mundo. O famoso Nervous Breakdown que o Black Flag tanto berrava.
Depois da parada cardíaca claro que viria a cura. “Analgésico (春雨)” ironiza a pressão do cotidiano e nossa dependência por estes “placebos” do dia-a-dia de uma grande metrópole como São Paulo. Ela faz com que o ouvinte sofra aos poucos e machuca mesmo se utilizando de baixas vibrações.
A bateria eletrônica volta a ganhar a pista na faixa que encerra “Sick in the Mouth” que ao longo dos seus três minutos cria universos imaginários escuros para passagens ainda mais conflituosas.
Sintetizando o espírito nada pop em que ele se propõe. Ela tem um lado pós-punk um tanto Bauhaus mas ao mesmo tempo quase pop feito New Model Army, difícil dizer mas fecha o disco deixando uma série de dúvidas, estranhamento e causando certa ansiedade no ouvinte. É Stefano, você realmente exorcizou os demônios da depressão que felizmente superou.
This post was published on 4 de outubro de 2019 12:40 pm
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