Conhecer bandas durante uma pesquisa é uma experiência transformadora. Em 2015/2016, por mais que eu tivesse criado o Hits Perdidos em 2014, eu ainda estava tentando entender o que estava acontecendo no que hoje chamo de micro cenas alternativas espalhadas pelo Brasil.
Comecei a ler sobre coletivos, selos, listas de selos, festivais e ver uma porção de flyers de casas de show. Foi mais ou menos daí que veio o Dezgovernadoz, programa que hoje em dia está com quase 800 edições na Mutante Radio.
Lembro que no mesmo dia me deparei com El Toro Fuerte, Emerald Hill, gorduratrans, Baleia, Raça, Def e outras que me levaram de volta para uma geração de bandas que eu cheguei a assistir no Hangar 110.
Para a decepção de alguns – e alegria de outros – eu nunca fui muito ligado no cenário de pop rock que tentaram socar para nós como emo, mas as bandas que flertavam realmente com o som de DC eu curtia, como Polara, UMNAVIO, Againe, Gigante Animal. Já outras mais alternativas como Ludovic e Garage Fuzz eu já apreciava.
De certa forma ouvir o som do primeiro disco da El Toro Fuerte, lançado em 2016, bateu justamente por eu ter crescido ouvindo tanto essas referências do indie brasileiro mas também por conta da vasta pesquisa por bandas gringas dentro dos mais diversos segmentos do punk/hc e alternativo.
E porque você deu toda essa volta? Porque você também poderia estar deste lado do front escrevendo sobre e toda história precisa ter um começo. Ao meu ver é isso que me motivou a começar a escrever, e provoco, porque você não pode? Talvez isso seja um pouco do D.I.Y. que aquelas bandas me ensinaram desde cedo.
Um Tempo Lindo Pra Estar Vivo: 10 músicas, pouco menos de 40 minutos de duração e uma porrada de memórias juvenis me vieram a cabeça. E de certa forma o primeiro disco da El Toro bateu feito um álbum de fotografias empoeirado repleto de memórias.
Nossa medida de tempo e consumo, por muitas vezes acelerado, faz com que pensemos que se uma banda não lança nada em 2 anos ela pode ser considerada: ou em turnê constante ou inativa. E como estes caras rodaram!
Na entrevista vocês vão poder conferir relatos e histórias interessantes sobre como estas viagens os transformaram não somente por fora mas por dentro. O álbum então transforma tudo isso em poesia e talvez por isso seu nome seja por si só tão acertado.
Nossos Amigos e os Lugares que Visitamos é em si um disco que desde seu nome nos passa uma certa empatia, ouvindo então por muitas vezes parece um relato de um amigo que você viu outro dia – e sumiu por uma temporada.
Três anos parecem uma eternidade. Ainda mais hoje em dia com tudo tão acelerado, país entrando nas trevas e as pessoas cada vez mais conectadas na internet (e desconectadas em campos mais importantes) e isso provoca uma série de mudanças.
No caso deles elas também passaram pelo campo da formação, influências, descobertas, viagens internas e transformações. Atualmente eles em sua linha de frente contam com João Carvalho (baixo/guitarra/voz), Diego Soares (guitarra/baixo/voz), Gabriel Martins (bateria) e Fábio de Carvalho (guitarra/voz).
Já no campo das referências o caldeirão está ainda mais robusto com um mistura que agrega estilos como emo, math rock, hip hop, pós-punk, eletrônica, folk e música brasileira. É tanta coisa que a primeira leitura não parece fazer muito sentido mas ouvindo tudo vai se encaixando.
“Minhas músicas especificamente nesse novo disco dizem muito sobre a sensação de sair de casa, de se perder, mas acho que esse processo sempre pressupõe a volta às origens. Se perder e se encontrar, acho que esse é o paradoxo das nossas cidades hoje, e Belo Horizonte e a nossa relação com os outros lugares que visitamos encarna muito esse movimento.
Esse disco é como um estudo bem fundo das raízes da música pop de Minas. O Clube da Esquina é uma coisa que eu sinto em quase todas as harmonias e estruturas melódicas desse trabalho, como algo que a gente sempre quis explorar mais e que finalmente conseguimos incorporar na nossa música. Já temos um território estabelecido, raízes fincadas e, agora, estamos crescendo. Então é um disco mais alta fidelidade, mais produzido e mais autoconsciente”, reflete João Carvalho.
O registro também marca a entrada de Fábio de Carvalho na banda e ele conta um pouco sobre as influências e sua maneira de compôr, já que foi responsável por cinco das faixas.
“Minha principal influência é pensar em um tipo de canção que tenha uma força maior do que a vida que as melhores músicas pop têm, porque elas tocam as pessoas num nível muito pessoal. E eu acredito que a Toro tem esse potencial, por ser uma banda formada por pessoas de passados bem diferentes, mas que encontram na música um eixo narrativo forte. Cada membro e membra [referindo-se às duas ‘Raquéis’ que trabalham com a equipe desde o 1º dia] me influencia em suas peculiaridades. É uma experiência coletiva”, conta ele.
Também é muito importante lembrar que o álbum ainda conta com uma série de participações especiais, e de um time de mulheres (na entrevista eles explicam mais sobre).
Mas dentre os nomes podemos encontrar Nicole Patrício (Alambradas) toca piano e contribui com sua voz única em “Casinha”; Laura Vilela participa de “Nos seus movimentos”; e Raquel Batista faz a segunda voz de “Santa Mônica”.
O disco foi mixado e masterizado por Fernando Bones e teve a produção de Raquel Domingues.
Nossos Amigos e os Lugares que Visitamos é o resultado final de um processo de conhecer pessoas, destinos, de se deixar atravessar e modificar por essas novas amizades, e também do que é encontrar um porto seguro.
“O título do álbum já mostra a necessidade de dividir isso. Que disco seria sobre nossos amigos se eles não estivessem ali?”, finaliza Fábio
Com aquela sensação de nostalgia de filme rebobinando, o disco se inicia com “Aniversários São Difíceis”. Uma faixa que conta com duas partes e soa como o cicatrizar de uma ferida que não consegue ser estancada.
Sua progressão de acordes, sua letra e melodia criam ao mesmo tempo um clímax e um anticlímax. Me lembrando até mesmo uma sinergia progressiva de acordes de math rock, a la CHON, e deixando pairar no ar o clima de saudade. Saudade de uma paixão que agora infelizmente já está bem longe de seus braços. *OBS: Involuntariamente recomendo a audição de “Nos Seus Braços” da Emerald Hill.
Sabe quando você passa pela rua da sua ex e vem uma catarse de emoções no mínimo estranhas? Certa confusão mental de saber que gostou muito de alguém, sabia tudo sobre e do nada virou “apenas mais uma pessoa no universo”.
Só que as vezes internamente a “situação” não está muito bem resolvida e daí isso pode virar declaração de amor (mesmo que movida a umas boas doses de cachaça). Em sua segunda parte, na base do violão, a confissão transparece. Ah, o amor! tão confuso e viciante.
Pude ouvir “Aquários” antes por conta do videoclipe que eles lançaram recentemente. Tem aquela atmosfera de ir criando camadas aos poucos, inclusive acho muito legal a entrada do sintetizador como recurso. Obrigado Manchester por ter colocado essa bendita maquininha para funcionar nos 80, e consequentemente, por esta geração ter contaminado bandas mais modernas como Interpol e Radiohead.
Se você brigou recentemente por qual fase do American Football é mais legal, esse som traz referências dos dois mundos. Inclusive acho que os fãs de Toe e pinback vão se deliciar com suas viradas e linhas hipnóticas. “Santa Mônica” é um pouco disso e ainda conta com a participação de Raquel Batista que faz backin vocals que contrastam com a sensação de solidão do eu lírico.
“Fim do Inverno”talvez tenha sido escolhida como single justamente por condensar bem todas essas influências diversas do álbum. Os relacionamentos e suas linhas tênues, entre amizade, paixão, respeito e ilusão. Confusões estas que temos que lidar.
Nosso emocional no fim é uma caixinha de surpresas. As guitarras, as batidas, seu poder de persuasão de estar conversando sobre sua verdade, como se estivesse conversando numa mesa de bar com uma amigo, a faz pop. É tão firme em seu “não refrão” que você se sente na pele do compositor.
Já baixando a poeira e buscando raízes no folk rock temos a calmaria em “Calada” que até parece aquelas canções que tocam depois dos créditos dos filmes. As transformações, cicatrizes e aceitações ganham enfim seu momento de contemplação.
As guitarras e melodias entram aos poucos funcionando como uma pequena orquestra, gosto da linha de bateria que traz um pouco da rica percussão brasileira. Afinal, somos um pouco de toda essa mistura por mais que o de fora também chegue junto.
Confesso que durante uns bons anos ouvi Angels & Airwaves. Muito por conta da capacidade inventiva em criar camadas e sensações. É difícil mesmo fazer discos que não cansem com aquela vibe “ser das galáxias”. Um pouco desta capacidade consigo observar em “Nos Seus Movimentos”, faixa que conta com a participação de Laura Vilela.
Os ruídos tortos, e texturas, são explorados na faixa que procura contar sua história através de um diálogo. Nada melhor do que isso quando o assunto que aborda é a amizade – e faz isso de uma maneira tão bonita, leal e respeitosa. Seu momento punk rock / emo mostra também a intensidade com que aquelas relações construídas pela estrada nos atinge (e que as vezes são mais fortes do que muitas outras).
“Hidra” nos leva para longe, no campo dos pensamentos e sensações, desde sua viajada introdução que cria toda uma atmosfera. Ela tem inclusive cara de abertura de show, flerta com o jazz, eletrônico computadorizado e carrega beat de hip hop.
Se você gosta de Raça, Gigante Animal, Polara e Terno Rei, dê uma atenção especial a “Antecipação”. O nome vai direto ao ponto dessas “sofrências” e destemperos que a vida nos coloca pelo caminho. São aquelas fossas, e o tentar enxergar uma luz no fim do túnel, que nos tornam (ainda) mais fortes.
Uma canção que cresce aos poucos em você é justamente “Direito de Desistir”. Sua maneira de contar a história e com que os instrumentos vão sendo adicionados flui bem.
A composição soa como: o abrir o peito para deixar o punhal perfurar aos poucos o coração. É sobre lidar com decepções, aceitar que também erramos e que temos que deixar certas coisas (e pessoas) partirem.
O violão volta a ser protagonista em “Clara” que certamente agradará a fãs de Tigers Jaw por sua levada folk / pop / alternativa. O bacana é utilizar da estrutura da palavra “clara” como instrumento para transmitir sua mensagem que pode tanto ser visto como o nome feminino, como também para “a claridade de ver o mundo sobre novas perspectivas” que estar longe de casa pode nos proporcionar.
Na sequência temos “Casinha” que conta com a participação de Nicole Patricio (Alambradas), aliás uma das faixas mais delicadas do disco. A “Casinha” fala tanto sobre a casa de forma estrutural (mesmo que de forma metafórica), como o ato de se sentir em casa e o de superar o fim de uma intensa relação. Ela vai nos convidando para chegar junto e seu teclado deixa tudo ainda mais propício para a chegada dos vocais doces de Nicole – um dos momentos mais emocionantes do álbum.
“Solar” por si cria toda uma atmosfera para crescer. Sua letra é sussurada e sua bateria faz ela soar como uma “marching band” que anuncia a volta para casa. A frase que ecoa no horizonte é: “Mas eu vou voltar pra casa / seja casa aonde for / seja um rio / ou seja cada sentimento de onde eu vou”. Mostrando como a nossa verdadeira casa é aonde nos sentimos bem, independente dela ser na sua cidade ou do outro lado do mundo.
A insônia parece ganhar um capítulo a parte em “Corações Tranquilos Dormem Cedo”. Sabe aqueles pensamentos que temos quando deitamos na cama? Os pensamentos vem a milhão, entre lembranças, inseguranças, derrotas que queremos esquecer, batalhas longe do fim e sonhos que ainda temos muito por percorrer.
“O céu do passado tem um brilho de uma estrada sem sinalizações em que eu me perdi” e “Corações dormem cedo porque não tem porque viver” são as duas estrofes que mais me marcaram e que de certa forma traduzem sobre o poder de transformação que um pouco de caos, quilômetros rodados e falta de ordem podem nos proporcionar.
O segundo disco da El Toro Fuerte, Nossos Amigos e os Lugares que Visitamos, é confessional, intenso, potente, eclético e mostra muito do processo de evolução da banda em diversas frentes. A entrada de Fábio de Carvalho proporcionou, por exemplo, várias pérolas. As viagens pelo Brasil, as trocas de experiências e as referências trazidas por cada um fizeram o som ganhar ainda mais corpo. Mais pop que o debut, as participações se destacam e ajudam a mostrar o vigor das composições.
[Hits Perdidos] Antes de mais nada eu queria que comentassem um pouco sobre esse ciclo e as transformações que passaram, tanto enquanto banda como quanto pessoas, ao longo destes últimos 3 anos desde o lançamento do primeiro trabalho. Consigo notar que atualmente exploram ainda mais texturas, influências e até mesmo temáticas na hora de compor.
Diego: “Com certeza, surgimos em meio a um turbilhão de nicho em 2016 com o ápice da atividade da Bichano Records, com um single muito ouvido e fomos entendidos naquela estética emo, triste e raivosa que ficou polemicamente conhecida como rock triste, mas temos um estilo de composição mais livre e experimentador do que simplesmente isso.
Acreditamos que tem a hora de criar e tem a hora de fazer o trabalho de escritório; na criação a gente não busca se limitar, seguir tendência, nem nada do tipo, então é natural que o segundo disco, normalmente um álbum que é concebido dentro de uma identidade conceitual, no nosso caso, seja uma miscelânea de influências e intenções condensadas. As temáticas voaram mais de uma música pra outra, mas acho que mesmo assim amarramos bem o conceito.”
João: É até estranho pensar que faz tanto tempo assim que saiu o primeiro disco (risos). Pensando na banda, a gente era um trio quando tudo começou; agora a gente tem o Fábio de Carvalho, não apenas tocando com a gente, mas participando das composições e inevitavelmente transformando a identidade mesmo do projeto. Acho que essa é a principal mudança.
Eu me considero uma pessoa completamente diferente da pessoa que eu era três anos atrás. Nessa época eu tava dando os meus primeiros passeios pela ideia de trabalhar com cultura, tava no meio da faculdade, saindo de um período brabo de depressão e de um trampo que me fazia muito mal.
Hoje eu ainda não me formei (risos), mas não tô trabalhando num emprego formal e tô vivendo um ano mais leve. A gente cresceu muito como músicos, o projeto se tornou uma coisa mais séria, uma espécie de empreendimento de alguma forma. Acho que as influências musicais se ampliaram, e o disco reflete isso.
Mas mais do que qualquer outra coisa, acho que ele é um atestado da nossa árdua sobrevivência enquanto banda (e como seres humanos, no tempo apocalíptico-distópico que se instaurou de lá pra cá) desse processo maluco que é manter pessoas – que crescem cada uma da sua forma – funcionando juntas por tanto tempo. É uma missão muito doida.”
Gabriel: “Também estou muito diferente de quando lançamos o primeiro disco, tanto pessoalmente quanto profissionalmente. De lá pra cá, me interessei mais por rap, hip-hop e rock com elementos do eletrônico, evoluí como músico e almejo um futuro como tal, com a Toro.
Aconteceram muitas coisas boas com a gente e ganhamos muito amigos ao redor do Brasil e isso é, sem dúvidas, o que rolou de melhor até aqui. De certa forma, eu sinto que o NALV é fruto de tudo que rolou com a gente durante todo esse tempo, ele é, de fato, um mar de histórias sendo contadas.”
[Hits Perdidos] Nossos Amigos e os Lugares que Visitamos desde o título já deixa claro sobre por onde o álbum transcorre. Já que o álbum é sobre histórias e os mais diversos tipos de experiências catalogados ao longo desta jornada, contem para os leitores do Hits Perdidos algumas que lhes marcaram.
Diego: “Nossa primeira vez no Rio de Janeiro, o show ritual que transformou nosso jeito de tocar ao vivo, logo depois de uma experiência espiritual muito forte em São Paulo, as primeiras vezes que fomos longe tocar nossas músicas, pra mim é o que me inspirou a fazer todas as escolhas da minha vida, desde então, em prol de continuar o que a gente faz.”
João: “Ah, são muitos momentos marcantes, eu acho. O primeiro show da Toro em São Paulo, na Associação Santa Cecília, foi um dos que ficou mais marcado na minha cabeça… Ficou muito cheio, e foi um show bem emocional, Diego quase desmaiou, muita gente chorando… As experiências na turnê que fizemos pelo nordeste também são todas inesquecíveis. Ficamos hospedados na casa do Felipe Soares (Amandinho, Desgraça) em Recife durante uma semana inteira, que foi basicamente um surto maravilhoso de risadas, bares e muito muito carinho e música.
Me lembro em especial da noite antes de irmos embora, todo mundo completamente maluco, jogando videogame, inventando umas músicas-repente e pulando em cima da cama. Eu andei durante duas semanas quase completas com um chapéu de palha que peguei do Felipinho grudado na cabeça, ele ainda deve estar aqui em casa em algum lugar… Volta e meia as paisagens do meio do sertão nas viagens longas de carro também deixavam a gente chorando.
O dia em que tocamos em Fortaleza, na beira da praia, e fomos pro mar de noite, só ficar conversando e olhando o breu… eu poderia ficar nessa o dia inteiro. Cada foto da capa do disco representa algum desses momentos, e mesmo assim não foi suficiente pra juntar tudo de bom que aconteceu com a gente nesses tempos.”
Gabriel: Nossa! Eu acho que todos os shows que fizemos tiveram momentos bem especiais, mas, em particular, o que mais se destacou foi o que tocamos pelo festival da Geração Perdida, em BH. Estava muito cheio e o show foi muito bem executado. Estávamos, literalmente, rodeados de amigos queridos, que vibravam a cada música, marcando o início desse novo ciclo pra gente.
[Hits Perdidos] O clipe do single “Fim de Inverno” justamente mostra o clima de amizade e descontração entre amigos. Trazendo uma sensação de nostalgia e de de memórias sendo revisitadas. De certa forma mostra um conflito sobre Amor X Amizade e como sabemos (ou não) lidar com esse tipo de situação?
Diego: “O clipe em específico, eu acredito que é como a constância e o equilíbrio são partes marcantes dos relacionamentos humanos quanto os picos de adrenalina, desentendimento e paixão. Eu diria que é sobre valorizar a combustão lenta dos relacionamentos respeitosos e saudáveis.”
João: “Acho que a intenção do clipe passava muito por mostrar formas diversas de afeto coexistindo, e de como as tensões são parte desse processo de coexistência…”
Nota do Editor: Para Fábio de Carvalho, autor de “Fim do Inverno”, a música traz, além da referência óbvia à mudança de estações, significados e novos movimentos na vida – uma reflexão sobre o estado dos relacionamentos afetivos no momento em que vivemos e a forma como as redes sociais e o excesso de interação virtual transformam os nossos desejos.
A canção trata de forma delicada as mudanças e acordos presentes nas relações. Em tempos em que os indivíduos se expõem e são expostos aos outros com muita frequência, as vontades são estimuladas, o que pode despertar algumas tensões nas estruturas dos relacionamentos tradicionais.
É importante dizer que a música não tem qualquer pretensão em criticar ou apontar defeitos, mas sim o interesse em reafirmar elementos fundamentais para toda e qualquer configuração de relacionamento: respeito emocional e preservação da dignidade entre as pessoas.
Já no clipe, que foi dirigido por Fábio, a direção de arte e fotografia adotadas por ele tem inspirações no movimento Mumblecore, este marcado por atuações naturalísticas e quase sempre focado nas relações pessoais, que são a tônica desse novo disco.
[Hits Perdidos] Para o álbum vocês também chamaram uma série de participações especiais, como foi esse processo e como foram rolando?
Diego: “Fizemos uma opção consciente de convidar apenas mulheres para o disco e que estivessem em fases muito distintas de uma abordagem musical, tanto tecnicamente quanto de investimento de carreira etc. Fizemos os convites, que foram bem recebidos e tudo transcorreu da forma mais tranquila possível.
A Laura já acompanhava o trabalho do Fábio e participou ativamente da composição da música em que participou; a Raquel Batista já é da banda (responsável pela parte de merchandising e começando a pegar a parte de som), mas nunca tinha cantado com a gente e foi uma surpresa no que eu considero uma das músicas mais ecléticas do disco; e a Nicole Patrício é uma artista monstruosa que fez minha música preferida (“3 de Outubro”, de seu disco enquanto Alambradas) e que eu fiz muita questão de chamar. A gente gravou tudo e foi uma tarde incrível em Belo Horizonte. Ela inclusive participa do clipe de “Fim do Inverno!”
João: “A ideia original inclusive era chamar mais gente! Mas é sempre muito complicado lidar com as questões das agendas de todo mundo…”
[Hits Perdidos] Vocês falam sobre voltar as suas origens, sair de casa, estrada, se perder e a relação com a vida na cidade grande. Como é para vocês sair de BH e ver que as dificuldades, sofrimentos e experiências vividas por milhares de pessoas, muitas vezes sendo muito similares? Para vocês é algo que os motiva na hora de compor?
Diego: “É como uma empatia forçada pra dentro da gente. Saber que você compõe algo e 2 mil quilômetros dali alguém tem uma vivência muito próxima daquilo e, então, visitar esse lugar, fazer esse novo amigo. Eu nem diria que isso é o combustível do que a gente faz, mas sim o próprio motor. Essas viagens e voltas transformaram a banda no que ele é.”
João: “Eu sou apaixonado com viagem desde muito novo, sempre viajei muito, mas ao mesmo tempo, vivo na mesma cidade do dia que nasci até hoje aos 24 anos…E pelo menos pra mim, as viagens acabam sendo muito internas também. Quando preciso tomar alguma decisão de vida, quando preciso me curar de alguma coisa, eu viajo.
É essa questão mais ampla sobre estar em trânsito, e que na real é a base primeira de qualquer existência eu acho, a ideia de estar em movimento de alguma forma, ainda que mentalmente. E tem os choques de realidade, sempre.
Chegar no metrô de São Paulo às seis horas da tarde é um negócio que eu não me acostumei até hoje. Conhecer Recife, Natal, Fortaleza, me fez entender muita coisa sobre mim mesmo, sobre o que eu quero da minha vida, sobre o nosso país, sobre as marcas da colonização do nosso pensamento, do nosso jeito de ser, principalmente aqui no sudeste… E olha que a gente ainda não conseguiu rodar por muito estado do país ainda.
Tudo isso te desloca. Sair da sua cidade é perceber que muito do que você achava que era VOCÊ, na verdade é o AMBIENTE ao seu redor. E isso é libertador e assustador ao mesmo tempo, pra mim. Viajar é tipo fazer arte com você mesmo, com seu próprio corpo no mundo. Mas é isso, existe uma necessidade inevitável de fluir, de uma libertação que deságua inevitavelmente numa questão política, de liberar os afetos, as formas diferentes de amor, de vida, de amizade… O fascismo não é muito mais que o avesso disso tudo, eu acho, que uma prisão, um não-movimento, uma rigidez mórbida…
Soa tudo muito místico e amplo, mas o que eu quero dizer é que viajar é o começo e o fim de tudo, pra mim. Então sim, meu processo criativo tá diretamente ligado a isso, às pessoas e os lugares novos que eu conheço, sobre paisagens sonoras e visuais, sobre contar e ouvir histórias, que não é lá muito diferente de pintar e ver paisagens…”
Gabriel: “É incrível poder fazer parte de uma banda que consegue rodar em algumas partes do País. Sou negro, vim da periferia e essas coisas boas (como ter uma banda e poder viajar com ela) são bem raras de acontecer por lá. Na verdade, para mim, talvez nem seja tanto choque de realidade assim, porque eu já vivi muita coisa e sei como é complicado pra galera… Mas, mesmo assim, é foda você ver o descaso que as pessoas sofrem e é necessário enxergarmos isso, que, apesar de tudo o que já conquistamos, não somos melhores que ninguém, mas sim privilegiados. Sou grato por estar na El Toro e por poder ter a oportunidade que poucos têm, de mostrar sua arte e ser reconhecido por isso.”
[Hits Perdidos] O álbum é aberto em influências, sinto American Football, um pouco de Cap’n Jazz mas ao mesmo tempo tem hip hop e seus beats, música brasileira, math rock e muito mais. Como explicariam que esta colcha de retalhos foi ganhando forma ao longo do tempo?
Diego: “Era importante pra gente condensar e tocar coisas que conversem com o que a gente ouve e permitir que os outros coloquem o que eles ouvem nessa composição e centralizar o mínimo possível pra que a gente conceba algo que seja novo inclusive pra gente.
É um jeito excelente de nunca deixar o coração endurecer, essa sensação de acaso, né? É muito curioso que eu e o João temos mania de definir um som pela mistura “Se o Billy Corgan tivesse ouvido menos metal, com uma bateria meio emo, seria exatamente isso!” e coisas desse tipo (risos).”
João: “A gente se encontra nessa interseção entre o Emo e o Math Rock (e acho que todos gostamos muito de Hip Hop também), mas a verdade é que nós ouvimos coisas muito, muito diferentes. Acho que eu costumo puxar muito o lado da música brasileira e dos eletrônicos e experimentais, o Gabs traz um clima mais oitentista do pós-punk, o Diego manja uns soft-rock-anos-setenta incríveis e o Fabinho tem uma base que vem muito do folk e dos songwriters americanos, por exemplo. A gente acaba misturando (e ouvindo as influências uns dos outros) até o ponto em que a mistura soa natural, orgânica.”
Gabriel: “Buscamos captar as influências de cada um. Nas minhas baterias, eu procurei incorporar elementos do pós-punk e alguma coisa do rock alternativo dos anos 2000, mas sempre atento às ideias de cada um dos meninos, porque também compartilhamos ideias. Eu acho que o disco tem de tudo um pouco, são de fato muitas influências, mas o melhor de tudo é que conseguimos agregar todos esses gostos e criar algo novo.”
[Hits Perdidos] Nos últimos anos o que vocês têm visto como mais interessante tanto na música produzida por aqui como lá fora? Como observam o consumo de música em nossos tempos e seus algoritmos?
Diego: “Na minha percepção, eu tenho me interessado muito em como o pop se tornou mais intrincado e seus artistas mais engajados politicamente em causas de minorias, bem como o rap está se soltando de algumas amarras e fagocitando influências de tudo, forçando tudo a evoluir e atraindo tudo pra si.
No Brasil a ascensão do rap como bem de consumo hypster me intriga demais e como tudo tem levado uma pitada de trap. Eu gosto de observar esses movimentos e tem muita gente talentosa demais fazendo muita coisa.”
João: “Acho que a cultura (e a música consequentemente) tem entrado num processo radical de aceleração e automatização… e eu sou uma pessoa lenta demais pra acompanhar completamente esse ritmo das coisas (risos).
Me preocupo com essa velocidade, até porque sempre fui alguém de escrever músicas relativamente grandes. E acho que nossa forma de consumo de musica hoje é automatizada, não muito consciente. E pra ser sincero, eu não sei dizer o quanto isso é ou não um problema.
Sinto que não é exatamente uma questão de ceder, mas de perceber que existe uma guerra e que em alguma medida é inevitável que algumas questões sejam perdidas e outras normalizadas, a questão é seguir o barco e reforçar os aspectos transformadores que a música pode ter inclusive nessa velocidade nova, usar dela pra transformar nós mesmos e o mundo. Não dá pra controlar muita coisa, a minha impressão é essa.
A gente tá sendo levado pra algum lugar pela cultura da nossa época, algum lugar bem louco, mas em alguma medida, é uma surpresa. Mas lá de fora, ultimamente tenho ouvido muito Tim Hecker, que tem um projeto de eletroacústica experimental, Hyatus Kayote, uma banda de “Merda Polirítmica Gangster Multidimensional”, bastante Bjork e Frank Ocean.
Sobre música brasileira, ouço muita música dos nossos conterrâneos. Lupe de Lupe, Constantina, a Paola Perdida, até hoje o Clube da Esquina… Metá Metá é provavelmente minha banda nacional favorita hoje… Gumes e Raça também são foda, Desgraça, o último disco da Aldan é sensacional, e a cena mineira de rap também é sensacional. Ouçam Djonga, Julgamento…”
Gabriel: “Hoje em dia, com a Internet e todas essas plataformas de streaming, está relativamente mais fácil fazer com que sua música seja ouvida, porém a oferta aumenta consideravelmente, o tempo todo, daí quem não se destaca nessa multidão acaba não sendo ouvido o suficiente.
Na minha opinião, eu acho mais que positivo essa explosão de novos artistas aparecendo, isso nunca aconteceu antes, e acho extremamente importante que mais pessoas façam música, o mundo precisa disso. Já não sou mais um assíduo garimpeiro de músicas como era antes, mas vez ou outra eu me deparo com bandas bem interessantes, e tem saído muita coisa boa também.
Eu tenho ouvido muito Terno Rei e Raça – inclusive, ansioso pelo lançamento deles. E tem uma banda lá de Feira de Santana-Bahia, maravilhosa chamada Iorigun, eu tô pirando neles. Já na gringa eu não paro de escutar The National, Interpol e Editors, todas essas bandas estão com disco no novo e são influências diretas nas minhas composições.”
This post was published on 31 de janeiro de 2019 10:00 am
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Eu amo a El Toro Fuerte desde 2017, quando conheci a banda. Me afastei um pouco em 2018 por causa do vestibular mas esse novo álbum me caiu como uma luva e eu chorei ouvindo-o.