Chegar ao fundo do poço é uma tremenda viagem. Ninguém quer chegar lá mas as vezes parece que quanto mais navegamos contra a corrente: uma força imaginária parece nos cercar e nos faz perder o rumo.
Feito uma arma apontada para cabeça a apatia domina nossa mente e tudo que nos acerca. Travando planos, destruindo qualquer tipo de ambição, nos deixando cegos e sem esperança.
Por mais que muitos tentem estender a mão – e ajudar – no fundo “virar esse jogo” só depende de nós mesmos. Mas quem disse que tudo isso não pode virar arte? Muitas vezes vira. Muitos dos artistas com as vidas pessoais mais miseráveis conseguiram fazer de seus manuscritos um elo não só para a cura mas também para o estrelato.
Sensíveis eles conseguem interligar seus dramas pessoais a sentimentos humanos. E quando tem verdade, bate no fundo do peito de milhares de pessoas que em algum momento da vida passaram por alguma experiência similar.
Foi indo atrás de sua verdade pessoal que o músico brasiliense Akio Ponte, da banda Brancunians, pautou seu álbum de estreia.
O álbum também é o resultado de influências de toda uma vida, o músico cita inspirações de artistas como Kurt Vile, Elliot Smith, Bon Iver, Beatles, Vinicius de Moraes, Nick Drake e Bossa Nova.
Mas como nada se faz sozinho ele teve a ajuda importante dos amigos durante todo o processo. O registro foi gravado na casa do Lucas Pitangueira.
“O Lucas é um amigo muito especial que conheci em Manchester logo quando cheguei lá em 2014 pra morar por um ano. Moramos na mesma casa por 8 meses e fizemos muita música, jams, gravações, shows, etc. Foi mágico. Ele foi quem fez a pré-produção do primeiro disco do Brancunians (For My Future Self, To Remember).
Conversei com ele no começo de 2018 e por coincidência ele tinha acabado de concluir a construção do home estúdio na casa dele em Salvador, no bairro Federação. Fui pra lá em fevereiro e fiquei um mês gravando, compondo, fazendo jams… Foi uma experiência muito legal. Eu nunca tinha feito uma imersão assim pra gravar.”
Além de Lucas durante o período das composições ele teve a ajuda da poeta Paloma C. Mamede. Já a capa do álbum é assinada por Mau Oz.
“Busquei composições simples mas que dissessem muito. Pra isso também conversei com uma amiga poeta (Paloma C. Mamede) pra escrever umas poesias que eu pudesse musicar. Ela é autora das letras das músicas “Mais Um Mero Ruído Excêntrico”, “Coração Que Não” e “Talvez”.
“Mais Um Mero Ruído Excêntrico” nem tinha esse nome mas era um poema dela que já existia. Coração Que Não eu acho que ela escreveu pra mim (eu e ela nos conhecemos em uma rede de relacionamentos). A história de Talvez foi engraçada. Ela perguntou sobre o que eu queria que ela escrevesse e eu tava bêbado e disse: escreve sobre meus stories. E gravei um monte de stories aleatórios em casa cada vez mais bêbado.
Quando vi o poema da Paloma de “Mais Um Mero Ruído Excêntrico”, achei que cabia exatamente na vibe que eu tava me sentindo: um cara estranho, que compunha músicas diferentes demais, numa fase alcoólatra, podendo ser visto como um excêntrico. Na época eu tava um pouco deprimido e me sentindo bem deslocado de tudo.”
O disco foi lançado em Julho do ano passado, durante uma turnê pelo Reino Unido, mas ele acaba de disponibilizar um mini documentário mostrando mais sobre o processo de gravações.
Com 11 canções o álbum tem 31 minutos de duração e passa tão rápido feito uma conversa com um amigo. E talvez seja essa mesmo a tônica e proposta de Akio. Já que o disco recaí como um desabafo, ressoa como uma conversa olho no olho e busca pela compreensão.
Com acordes abertos, e trilha que me lembrou algo que Jeff Buckley faria, o álbum se inicia com “Interlúcido”. De cara já desembarca em “Mais um Mero Ruído Excêntrico” que Akio logo acima já contou um pouco de sua história.
Uma faixa triste com camadas bem pensadas. Teclados, dedilhados e profundidade tomam conta da balada que mostra os caminhos tortos que por muitas vezes escolhemos. É sobre delirar de olhos abertos e buscar por seu lugar ao sol. Por mais que por dentro esteja em frangalhos.
Um pouco mais solar, em sua parte instrumental, temos “Sozinho às Vezes é Melhor”. Que tem toda aquela atmosfera Soul Asylum trazida direto do pop dos anos 90, aliada a psicodelia e lampejos de lo-fi (e dream pop). Em sua letra ele reflete e traz à tona lembranças nostálgicas. Além de comparar estes momentos com a plenitude da solidão.
Na sequência temos “Coração que Não” com uma levada ainda mais intimista e reinterpretando o poema de Paloma. Melancólica, ela fala sobre perder a esperança e estar à bordo de um navio naufragando.
Com a mesma energia “Acordar” já remete a influências citadas pelo músico Elliot Smith, Bon Iver e Nick Drake, falando sobre transformações internas. “Céu Azul” já mergulha por ondas mais alternativas de grupos como POND e o próprio trabalho de Kurt Vile. Em sua bateria ainda conseguimos notar referências de bossa nova. Uma canção definitivamente para deixar a brisa bater.
Fãs de Beatles terão sua favorita em “Última Tentativa”. Tanto por sua construção, nas harmonias, como pela maneira que escolhe para falar de amor. “Duvida” parece corroer Akio e seu desdobramento mostra um pouco mais sobre suas dores.
Um dos destaques do álbum é justamente “Talvez” que me lembrou em sua parte lírica algo que Chris Bell, do Big Star, fez em seu incrível disco solo I Am the Cosmos – este lançado de maneira póstuma em 1992 (17 anos após sua morte). A canção te leva direto para um dia nublado, e chuvoso, onde ainda existe muito ressentimento para falar sobre um distanciamento.
Caminhando já para a parte final temos “Primeira Vez”, total Elliot Smith na maneira de trabalhar seus vocais e arranjos simples. Ela faz questão de deixar o ouvinte perturbado e se questionando sobre seu tema central. Mas quem encerra o álbum é “Mais uma Semana” que reflete sobre o vazio e mais uma vez aponta as consequências do distanciamento. É como se ele estivesse preso em um ciclo eterno.
Mais Um Mero Ruído Excêntrico, primeiro álbum do Akio Ponte, cria uma narrativa cheia de idas e vindas para falar sobre suas dores, traumas e aflições. Com uma estética intimista creio que irá agradar fãs de Jeff Buckley, Elliott Smith, Big Star e Bon Iver. Um disco não recomendado para dias ruins mas que nos coloca para refletir sobre os percalços que passamos ao longo da vida. E funciona feito um exorcismo.
This post was published on 14 de janeiro de 2019 11:01 am
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