Recentemente finalizei a quarta temporada de The Affair, série do canal norte-americano Showtime, no qual acontece um adultério durante um mês de férias de verão. Mas as consequências seguintes do “caso” acabam se tornando dramáticas e um tanto quanto problemáticas. Juntando traumas, memórias do passado, litígio e o desabar de uma relação sólida de um casal “perfeito”.
Do outro lado também se soma a dor de um casal que após perder seu filho de maneira trágica vê seu casamento desabar entre sessões de terapia – e a dor de carregar uma culpa eterna. Este que por mais que exista um grande amor, a presença do outro faz o sentimento de “nós podíamos ter feito algo” reverberar.
Todo esse cenário por si só envolve boemia, desequilíbrio, sedução, abuso e uma porção de personalidades; sejam elas mentalmente sãs ou não. Mas porque citar uma série se vai falar sobre um disco? Simples, pois os conflitos das relações e interações humanas ganham palco no terceiro disco do baiano radicado em São Paulo Murilo Sá.
O cenário da boêmia, noite e causos já é familiar para seus fãs que viram seu segundo disco, Durango! (2016), ganhar destaque no ano em que saiu. Morador de um dos cenários mais agitados do centro da cidade, o músico faz poesia com as fragilidades dos relacionamentos que pôde desbravar, ou mesmo, observar das janelas indiscretas da Rua Augusta.
Nesta nova aventura Murilo foi o responsável por todo o processo do novo álbum. Ele assina a produção, mixagem e também toca todos os instrumentos em Fossanova.
O registro que está sendo lançado pelo Selo Fonográfico 180 nesta sexta-feira (28/09), conta com 10 canções, sendo nove próprias e outra do compositor baiano Heitor Dantas (“Cara”). Além disso ele conta com as participações de Tatá Aeroplano, que recentemente lançou seu novo disco, Alma de Gato, e conhecido pelo projeto Cérebro Eletrônico (“A arte de caminhar”) e do Roger Alex que toca piano elétrico em “Raio X”.
Ao meu ver o álbum funciona como um passeio por memórias vagas, daquelas que tentamos esquecer mas que de alguma forma ou outra ficam martelando na cabeça, discute dilemas atuais dos relacionamentos e até critica o uso excessivo da tecnologia que distancia a conexão humana.
Algo a se destacar é a veia pop que o artista assume neste novo álbum visto que o pop psicodélico que sempre carregou ganha influências de outros brasis e sua gravação caseira deixa tudo mais vital e menos sintético.
O lado forasteiro, de “Tempos Esquisitos”, poderia figurar alguma trilha de filme, eu diria que The Good, the Bad and the Ugly (1966), pelo ecoar dos assobios me levarem direto para esse plano. Porém ao invés de assaltar por uma recompensa, ele caminha para falar das inquietudes, desilusões e soa como um desabafo por um amor que não vive mais ali.
“Cara” composição de Heitor Dantas, segunda canção do disco, mostra o perder das rédeas e soa como uma balada de um jovem que ainda não encontrou sua paz espiritual. Assim tendo dificuldades de lidar com seus problemas.
Já “Canção do Fim” é uma balada pop – e açucarada – feita para cantarolar. Com a cara do encontro do rock dos anos 70 com a MPB. O piano elétrico acentua ainda mais camadas para que o ouvinte entre de cabeça na canção…que mostra um personagem que tem que lidar com o inevitável choque do fim.
A primeira vez que ouvi “A Vida No Fundo do Mar” me remeteu a obra de Guilherme Arantes. Esse choque com o pop dos anos 80 – e sua constante imersão – deixa o clima com um mix de suspense, fossa, descontrole e vontade de fugir.
Ele por sua vez não deixa de criticar o uso excessivo dos smartphones que distancia as pessoas, e para mim o tal do “Fundo do Mar” seria seu display “inteligente, tátil, interativo e vazio”.
“Quando o Filme Terminar” já faz uma mistura rítmica com bateria com batidas de jazz, acordes psicodélicos distorcidos e acredito que irá agradar a fãs de rock inglês. Instrumentalmente é uma das mais interessantes do álbum justamente por sua experimentação.
O lado da bossa e da MPB aparecem mais fortes em “Fossanova” que agradará fãs de Novos Baianos. A percussão ganha destaque na canção que soa como uma trilha para o distanciamento.
“Outra Vez” soa hopeless romantic e fala sobre os dilemas modernos em não saber muito o que quer. A confusão de não tá bom agora mas quem sabe depois as coisas podem ficar melhor. As situações onde o sentimento fala mais alto ao mesmo tempo que os traumas criam barreiras imaginárias.
O clima de fim de festa, dois copos de whiskey para fechar a comanda, e apenas uma pedra de gelo, cai feito uma ressaca de domingo em “Raio X”. É o lado bandido desapontado que Pete Doherty tanto cantarola em suas canções.
A “Arte de Caminhar” é bem literal, busca a libertação após um grande trauma que o tirou dos eixos. Com melodias densas o sentimento de expurgo e de tentar ver um lado bom em meio a um desastre é evidente. Particularmente me lembrou algo que Arnaldo Baptista teria feito.
A caminhada do lobo (solitário) se faz presente na faixa que fecha o disco, “Solitário”. Que debate justamente a solidão versus a noite. Seus delírios, estilo de vida dandy, loucuras e desdobramentos. Porém de certa forma ele encerra o disco fechando um ciclo sombrio e mirando por um novo amor.
Tudo isso depois de se libertar das correntes que o impediam de seguir em frente. Um caminho em que teve que passar por certas penitências. Depois de atravessar uma longa, fria, desgastante e intermitente estrada: ele se vê pronto para novas aventuras.
Em seu terceiro álbum de estúdio, Fossanova, Murilo Sá mostra as aventuras e desencontros de um lobo solitário que tenta atravessar as dores do fim de um intenso relacionamento. Entre tragos, andanças, noites em claro, distorções, referências distintas que mostram uma outra perspectiva sobre os relacionamentos de nossos dias. Tudo isso recheado com mais experimentações. Onde o pop psicodélico flerta com a MPB, Bossa Nova e até mesmo o Jazz. Em um disco que passa rápido feito uma caminhada pelo centro de São Paulo.
This post was published on 28 de setembro de 2018 12:00 pm
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