Ouça Forgotten Boys desde o começo dos anos 00 e se tem algo que é marca registrada do grupo é exatamente essa imersão no rock das década de 60 e 70. Seja ele mais levado para Kinks, T. Rex, The 13th Floor Elevators, Beatles, Rolling Stones, ou para Stooges, MC5 e Ramones…. e até flertando com (outros) clássicos como Minuteman, The Hellacopters, David Bowie, Big Star e Velvet Underground.

É uma combinação explosiva que agrada todo rockeiro que curta elevar o som a sua máxima potência. Com guitarras estridentes, baixo no talo, teclados envolventes e bateria de contenção. Simples direto e reto.

Lembro até de chegar a ler que em certa época levavam suas próprias caixas de som para que o público em seus shows tivesse um padrão de qualidade e de decibéis sendo comtemplados. O que mostra como é um dos grupos que preza pela experiência intensa, assim como Iggy Pop sempre pregou.

Agora imagine quando 2/5 da banda se encontram com o lendário Steve Shelley do Sonic Youth na mesma banda? É praticamente uma catarse.

Riviera Gaz é isso: o resultado do encontro entre  Gustavo Riviera, Paulo Kishimoto e Steve.


Riviera Gaz. – Foto Por: Renata Molina

Não há muito o que não esperar conhecendo a trajetória dos músicos mas sabe do que mais: isso pouco importa. Quando você pega um disco com essas referências você quer mais é vestir sua jaqueta de couro, puxar um trago e dançar.

Não que não exista espaço para a arte, a literatura e outras referências do cotidiano, como Velvet Underground, Rolling Stones e o próprio Sonic Youth sempre trouxeram em seu conteúdo, mas também é um disco para sentir. Sentir a catarse coletiva proveniente do encontro entre músicos talentosos fazendo o que sempre fizeram de melhor: elevar o volume ao seu limite e sentir a energia das paredes equalizar.

Não importa a essência sempre será aquele espírito presente em artistas como Chuck Berry, Bruce Springsteen, Charles Bradley, Billy Bragg, The Clash e tantos outros. Sendo assim a insurgência, a reflexão, a expansão, o momento e a conectividade fazendo parte de seu contexto.

Até por isso o nome Connection e sua intensidade raw. Foram poucas oportunidades para se reunir e por conta disso tiveram que extrair o momento. Tiveram até canções compostas durante as gravações. Lendo assim parece história daqueles tempos, mas aconteceu no período dos últimos dois anos. Shelley até descreve a banda como “Internacional e multirracial”.

Foram necessárias três sessões. Na primeira foram gravadas “Pere Ubu”, “Take it”, “Crow” e “Cowboy” que também aparecem no EP Pere Ubu (2016). As outras duas sessões foram realizadas justamente durante a turnê do projeto.

“Todo o processo foi legal, foram gravações diretas, sem enrolação e a mixagem do John Agnello representou muito bem isso. Vamos funcionando cada vez mais engrenados, mas o resultado do disco é bem coerente”, diz o vocalista e guitarrista Gustavo.

Riviera Gaz – Connection (08/06/2018)

O disco foi lançado em junho através do selo independente Hearts Bleed Blue (HBB), tem 40 minutos de duração e conta com 11 faixas, como dito anteriormente com quatro já presentes no EP de estreia do projeto. O registro foi mixado por John Agnello.

Não é porque é rock visceral que não tem contexto cultural. Grandes álbuns sempre tentaram cravar teorias, cultura pop, ideologias e ação direta. E claro que este recorre a alguns elementos.

“Cowboy” tem o título e a faixa inspirados no filme “The Connection” (1961) de Shirley Clarke, baseado na peça do Jack Gelber. Já “Pere Ubu”, uma das primeiras músicas a serem gravadas, teve como inspiração o texto de Alfred Jarry, “Rei Ubu”. A capa conta com um trabalho do artista plástico Hudinilson Jr. (1957 – 2013).



O espírito visceral e sua distorção chegam estridentes desde os primeiros segundos de “If I Had One”, single que ganhou um videoclipe – que tem temática circense e inclusive não é recomendado para epiléticos.

Ela tem um senso de nostalgia presente nos discos do Big Star, distorções ácidas como nos álbuns do Sonic Youth e um viés niilista. Os vocais com certeza agradarão fãs do punk rock nova iorquino.



“Pere Ubu”, que teve como inspiração o texto de Alfred Jarry, “Rei Ubu”, e me remete a banda de Cleverland de mesmo nome, me levou direto para o universo do Minuteman. Já que flerta com o country, o hibilly, e o lado forasteiro – e desordeiro – em seu instrumental. Suas quebras, subidas e descidas dão todo o espírito anárquico que a temática da canção clama.

“The Connection” (1961) de Shirley Clarke é a grande inspiração para “Cowboy”, terceira faixa do disco da Riviera Gaz. Filme que em seu plot mostra um grupo de viciados em heroína sendo feitos de cobaia para uma espécie de documentário, ou seja, o caos generalizado – e confusão iminente – é apenas uma consequência.

Como fã das letras mais pitorescas – e junkies – do Pixies e do errante Folk-Punk norte-americano me identifiquei na hora por este lado pitoresco ser ponto de partida para a canção. Os dependentes são expostos como zumbis apenas esperando por sua dose. Esta que os controla – e lhes da sobrevida – em meio a um circo montado. Feito um reality show às avessas ou até mesmo um arena de combate.

“All The Suffering” tem aquele espírito Stones, T. Rex, Bob Dylan, Patti Smith e até mesmo do Kinks em seu narrativa que até cita “Search And Destroy” dos Stooges ao longo de sua letra. Gosto dos coros dignos de igreja que nos levam direto para o sul dos Estados Unidos. No fim tudo é um blues, sejam nos acordes ou em sua narrativa que envolve sofrimento e dor.

Rock! essa seria a melhor definição para “Fuzz” e sua progressão de acordes que me levam direto para Electric Warrior (1971), clássico do T. Rex, e até mesmo para o mundo alucinado do The Only Ones. Fato é que que você deve ouvir ela em alto e bom som para pegar toda essa energia em movimento.

O espírito setentista continua a ganhar asas em “She Came So” que com certeza agradará a fãs de The Boys e Ramones, prezando em sua letra a liberdade e a expansão. Quem vai direto para os anos 60 – e mistura a loucura dos 70 – é “Take It” que traz os teclados, explosões, riffs açucarados feitos para dançar e vitalidade.

O espírito dos Kinks, Stones – e até mesmo do Primal Scream – se faz presente em “Crow” e bebe da soul music, blues, rhythm and blues, britpop e do rock. Feita para você ser levado assim como o Supergrass e Cake souberam fazer bem nos anos 90.

“The One” é uma balada solitária para cantar com um isqueiro acesso. Sobre reflexão e desilusão. Se tivesse sido lançada nos anos 60 com certeza teria tido seus 15 minutos de fama.

Mais energética e pulsante quem chega sem pedir permissão é “Bleeding”, segundo eles a última a ser composta e catalisando a essência do projeto. E encaixa bem na sequência com “The One”, já que depois de ter seu coração partido parte para o uso recreativo de drogas.

“Tinha a base, decidimos algumas coisas, deu um balanço bom e gravamos. Essa música pra mim é a cena final de um filme, ambientada nos últimos momentos da vida, meio confuso, a morte chegando”, revela Gustavo sobre “Bleeding”.

Mas quem fecha mesmo o álbum é açucarada “Fiction” que tem um espírito de balada de outra época, assim como para mim me ressoa alguns sons do Manic Street Preachers. Aquela sensação estranha de estar vendo os créditos descendo a tela e não ter muito mais o que fazer além de seguir o rumo natural da vida.



O Riveira Gaz é o resultado do encontro entre dois Forgotten Boys e Steve Shelley, do lendário Sonic Youth. Mas nem por isso é acomodado ou deixa de ser cuidadoso e explosivo. Connection é visceral justamente por não ter muito tempo para ser orquestrado.

Eles tiveram apenas três sessões para extrair o que tinha de melhor no trio e talvez essa pressão – e falta de tempo para polir ideias – que tenha trazido tanta adrenalina e vibração para este lançamento. As referências vão de Ramones, T. Rex, The Kinks, Rolling Stones, Velvet Underground, Beatles, filmes, cultura pop a energia sônica deste encontro.

O resultado é um prato cheio para qualquer amante de rock’n’roll e um convite para ouvir outros tantos clássicos. Um disco para escutar direto do LP, qualquer outro tipo de experiência com certeza diminui a intensidade, as impurezas e os fragmentos expostos no registro.

This post was published on 25 de setembro de 2018 11:06 am

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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