A vida é imprevisível. Muitas vezes tudo parece estar perfeito, em sintonia com mil coisas positivas acontecendo quando sofremos uma perda. E essa perda pode vir das mais diversas formas. Seja ela emocional, material, física ou até mesmo espiritual.

Nos transformamos e começamos a ver situações de formas mais amargas e céticas. Deixamos de ter alegria e a valorizar as coisas que mais nos importam. Mas nada como um dia após o outro para ressignificar, nos forçar a rever conceitos e enxergarmos novas janelas mágicas para expansão. Estes portais mágicos podem sim fazer com que com equilíbrio e persistência voltemos mais uma vez a enxergar um segundo sol.

Ver a beleza nas pequenas coisas tem sim um poder transformador, nos tira do comodismo, nos motiva a seguir em frente e tudo começa internamente. Porém não somos nada sozinhos.

Ganhamos histórias, narrativas e as melhores experiências da vida quando compartilhamos com as pessoas um pouco do nosso sentimento e visão de mundo. E ainda bem que estas tem o poder de transformar e fazer com que enxergamos nossas qualidades e erros, nossas forças e defeitos, nossos encantos e pesadelos.

No fim o que importa na amizade é isso, saber proteger quando precisa, dar aquele toque quando vê algo errado (ou fora do eixo) e compartilhar momentos de união e amor.

O clipe que faremos a Premiere hoje mexeu com os meus sentimentos de uma forma que só assistindo e se deixando levar para entender toda a magia por trás de imagens tão singelas.


Joe Silhueta, de Brasília (DF), lança hoje o primeiro videoclipe e single do próximo álbum. – Foto Por: Thaís Mallon

A Vida e a Morte como Transformação

Após a perda do amigo Pedro Souto da Almirante Shiva em maio de 2017, a banda Joe Silhueta, e o cenário brasiliense em geral, sentiu a dor do luto. De ver um jovem muito talentoso em plenos 23 anos partir para outra dimensão.

A morte de um amigo querido envolve os mais diversos sentimentos e cada um absorve isso de uma maneira bastante particular. Fato é que quando conheci a banda pessoalmente, em Abril deste ano, senti como o amor era incondicional e como isso tinha deixado a todos bastantes abalados.

Nada irá substituir esse sentimento mas ele sempre pode ser transformado e ressignificado. Tudo se transforma e tende a ser uma memória maravilhosa por ter podido ter a oportunidade de ter vivido e compartilhado memórias no mesmo tempo e espaço. No fim é mais ou menos assim que tento lidar com estas situações tão extremas.

Mas nada como deixar eles contarem um pouco sobre essa transição, dores e transformações internas.

Ícaro

“Não tem como não ser dramática para falar de Ícaro. Quando Pedro faleceu, pouco após o acidente da Gaivs, todos ficamos arrasados. O assombro nos olhos de cada um era desolador. Aí, depois do enterro, o Cobelo me deixa no bar para que eu receba o conforto de uma amiga (elas salvam sempre).

Ele, um ativista da solitude, segue pela cidade com o violão na mão (pra quem conhece Brasília, sabe o quanto é intimidador passear por ela sempre deserta). Depois desse dia, ele me mostra a música que fez para expurgar. Fiquei espantada. Não era possível que diante de tanta dor, ele tenha conseguido ver a luz, a vida. Uma canção tão solar.”, conta Tâmara Habka, produtora da banda e diretora do videoclipe de “Ícaro”.

Fato é que a morte tem esse poder de nos dar respostas muitas vezes não pensadas e que por certos momentos nos embriaga de uma sobriedade que nos faz enxergar e lidar com situações sob um outro ponto de vista. Este que as vezes nos desconecta de uma negatividade e nos faz ver o mundo através de outra perspectiva.

Seja ela por negação ou por querer estabelecer uma resposta imediata. Coisas que choros e murmúrios muitas vezes passam longe de nos entregar as respostas que precisamos.



Música como cura

De certa forma não podemos negar como a música e outras formas de expressão assim como o teatro, a dança, as artes plásticas, o cinema entre outras conseguem fazer com que esta abstração nos leve em direção a cura.

“Ela (“‘Ícaro”) me perseguiu mentalmente e, quando começaram a tocá-la nos shows, o arrepio era certo. A energia que a banda coloca na performance dessa música é certamente a personificação do amor que nos salvou e nos uniu até agora.”, conta Tâmara

Sua letra é forte e utiliza da história mitológica de Ícaro como metáfora para homenagear o quão bem Pedro soube aproveitar a vida. Cobelo conseguiu sintetizar como isto os uniu, como os fez mais fortes e como os permitiu criar asas para voar ainda mais alto. Se a beleza vive nos detalhes, os versos deixam isso ainda mais reverberante.

“Quando isso passar, depois de tudo eu quero estar
aberto a tudo sem pensar, estarei solto,
subirei ao céu e voarei além do sol,
mesmo que doa eu voo só, solto.” (Joe Silhueta “Ícaro”)

Neste trecho, que conta um pouco sobre como Ícaro atentou contra sua própria
existência, também nos traz um viés otimista sobre como uma dor pode se transformar em combustível para querer alçar voos ainda maiores…. por mais que doa. Afinal de contas: uma memória tão bonita da vida não pode ser ofuscada por um fim de ciclo.

“Ah, olha a vida, olha o vento, olha o que tem que ser e será.
É o tempo em que tudo parece não ser mais da terra.

Aceito o risco de viver, meu bem,
mesmo que um dia eu morra jovem.”

A transformação interna e a valorização do tempo em que tiveram a oportunidade de conviver com o amigo está de maneira subjetiva transcrita neste trecho. Que você pode ver como algo otimista pois tem os mesmos princípios do Carpe Diem.

E na sociedade em que vivemos, cheia de trevas da ansiedade e depressão, nada como estabelecer uma conexão de maneira leve, solar e otimista para que cada um que ouça tenha a possibilidade de encontrar a sua própria cura.

O Poder do Amor

“Ah, olha a vida, olha o vento, olha o que tem que ser e será.
É o tempo da vinda de Vênus, é o fim da guerra.

Aceito o risco de viver também:
é o amor que nos dissolve.”

Na década de 60 os Beatles já falavam, muito tempo antes civilizações antigas também, nada é mais transformador e potente do que o amor. Ele faz com que encontremos saídas mesmo que elas pareçam complicadas e difíceis de serem encontradas.

No fim as marcas destas cicatrizes vão é deixar a banda (ainda) mais forte e com mais calor no coração. Algo que nos shows do Joe Silhueta não falta é amor, explosão,
atuação, conexão espiritual e ancestralidade. Se a vida te dá uma chance de recomeçar…agarre ela e deixa a valsa seguir. De certa forma esta canção mostra que eles estão prontos para a próxima jornada.

O Clipe



A direção e montagem do clipe são assinadas por Tâmara Habka, a fotografia por Thaís Mallon e as imagens foram extraídas dos arquivos pessoais de Patrícia Soransso, Hélio Miranda, Guilherme Cobelo, Tâmara Habka e Viviane Yanagui. Já a canção foi gravada, mixada e masterizada por Jota Dale nos estúdios Cobra Criada, Sala Fumarte e Refinaria, em Brasília (DF).

O vídeo por mais que pareça planejado é espontâneo em sua essência, as imagens foram registradas já tem um certo tempo mas esta nostalgia é que ao meu ver consegue captar a essência da poesia escrita por Cobelo.

Tudo é sensível, nada é explícito e só conversando com eles que sentimos o quão profundo é cada recorte, transição e take. É nos detalhes que vemos como a ideia de aproveitar cada minuto da vida é valorizado tanto na produção audiovisual, como na letra. Fãs de Velvet Underground, O Terço, Television, Jim Morrison, Mutantes e Patti Smith vão ficar cativados pelas melodias rebuscadas de sua produção.

“Recolher essas imagens (a maioria da Thais Mallon) e imprimir através delas a forma que eu nos vejo foi um processo impactante. A cada dia, me sinto mais honrada em estar ao lado do Cobelo e essa trupe.

O clipe é torto – como somos – um recorte, quase um stories de um instagram doidão, meio hippie, sem grandes técnicas ou qualquer grande conceito, além do Sol, sempre o SOL. Como a Gaivota diz, a gente mora nessa cidade concretista, temos que botar pra fora nosso jeito hippie mesmo, pra não ficar careta, quadrado. E pra quem nos conhece ou já esteve por perto, sabe que o que está ali é o que é.

Somos festivaleiros, boêmios, mas também somos solares. E cada vez mais buscamos essa luz. Aprender pelo amor. “É o tempo da vinda de vênus, é o fim da guerra”, é tudo que eu quero.”, reflete Tâmara

Novo disco a Caminho

A canção é o primeiro single do próximo disco dos brasilienses a ser disponibilizado. Este que se chamará Trilhas do Sol e segundo os músicos o disco que mesmo em seu título  tenha tom solar recaí por muitas vezes na escuridão das noites confusas para assim chegar na claridão. Passando por noites confusas, noites solitárias, noites loucas, desesperadas, eufóricas, míticas e medonhas feito o processo da vida.

Gravado e coproduzido por Jota Dale, Trilhas do Sol possui nove composições de Guilherme Cobelo e será lançado em agosto.

Entrevista

[Hits Perdidos] Antes de mais nada gostaria de dizer que achei a canção de uma sensibilidade incrível. Os versos muito sutis e só quem sabe bem o processo que viveram que pegará os ganchos e para outros que não…pode soar como recomeços ou pontos de fuga para situações difíceis e para mim esse é o grande mérito da composição. Mas gostaria que contasse mais sobre o filme que passou na sua cabeça quando começou a rascunhar os versos.

Cobelo: “Eu tava sentindo muita dor quando comecei a escrever ela, sofrendo uma perda absurda, e a música veio como um elixir, um talismã, uma vontade de superar aquilo tudo pelo qual não só eu como todos nós estávamos passando.

Então tem esse personagem dizendo a si mesmo que, apesar de tudo, vai passar, por mais dolorosa que seja a passagem. E também é meio que um vislumbre de uma consciência incorpórea que deixou a vida terrena pra trás e pra baixo e está se lançando na continuidade da morte-vida-morte de peito aberto, confiante no Amor como liga universal e também no amor como solvente. Cósmico e coletivo. Fiquei imaginando a alma desse Ícaro-Pedro passando por umas piores até se libertar e finalmente ficando em paz.

[Hits Perdidos] Após um tempo em que vocês se sentiam tristes, de certa forma é simbólico e libertador demais o caminho por escolherem como primeiro single de trabalho uma faixa tão potente, solar e irradiante. É este o norte que irá permear o novo disco?

Gaivota: “O novo disco para mim tem a temática da VIDA em toda sua complexidade e pensando desta forma, sim. Através de rítmicas brasileiras diversas, as canções dançam com as experiências da dor, do amor, da alegria ao nascer, ao crescer e é claro ao morrer com eletricidade pulsante. Com a Energia vital dada pela intensidade da luz que norteia e que é a força motriz de toda vida.

Por isso seguimos o sol.

Tomamos o sol.

Tudo que é vivo procura a luz.”

Tâmara: “Acho que foi principalmente uma forma de lançar uma luz sobre nós mesmos. Quando fomos escolher qual seria o single de estreia, lembro que fiquei bem certa de “Ícaro” ao entender a importância de potencializar essa veia solar, efêmera, divertida e fraterna entre nós. Começar as Trilhas do Sol, essa Noite Escura da Alma, com a certeza de que isso também vai passar.”

Cobelo: “E as tais trilhas do sol que dão nome ao novo disco, apesar do sol, são trilhas que levam a ele, mas não necessariamente são ensolaradas. São noturnas, em todos os sentidos. A noite como substância. É a esperança da aurora.”

[Hits Perdidos] Aliás a lenda de Ícaro como nome da música ao meu ver é muito feliz, por mais trágica que seja sua história, ela mostra como nós somos humanos e como somos passíveis de encarar riscos e errar. Isso tem a ver também com a maneira que tem revisto a forma de encarar a vida? Quais os próximos voos que estão dispostos a encarar?

Cobelo: “Viver é arriscar-se, viver é arriscado. O mundo ao que tudo indica nunca foi um lugar tranquilo. O caos é constante. Mas embora eu saiba disso, tento não pensar tanto para não perder de vista tudo de bom que a vida pode oferecer no meio do caminho.

A ideia é seguir em frente tentando fazer dessa caminhada algo transformador, por mais que os labirintos surjam aqui e ali e muitas vezes aparentem não ter saída alguma.”



[Hits Perdidos] Como tem sido o processo de Trilhas do Sol? Quais rumos sentem que tem seguido neste próximo álbum? Como enxergam o momento que estão vivendo como banda?

Cobelo: “O que tá sendo massa em fazer esse disco é que ele foi muito mais coletivo. A gente inclusive decidiu gravar ele voltando da segunda turnê que fizemos pro sul justamente para que ele soasse como um disco de banda, já que acabamos passando muito tempo juntos, criando, tocando, curtindo, pirando, enfim, convivendo.

E quando digo banda não digo só os músicos, porque tem também a Tâmara que assumiu o papel de produtora do Joe Silhueta com muito amor pelo projeto e uma sensibilidade artística muito aguçada, tem o Janary que está quase sempre fazendo nosso som nos shows e nos tornando conscientes do potencial que temos para organizar todos os elementos de maneira harmônica, tem o Jota Dale, figura crucial, que assumiu o maquinário de gravação e está coproduzindo o disco com a gente. É um bando.

Quando entramos no estúdio ele estava praticamente pronto. Parte dos arranjos já vinha sendo desenvolvida desde a época do nosso segundo EP, Ritos do Leito, com o Kelton ainda no baixo, que foi uma figura importantíssima neste processo todo, apesar de não tocar mais com a gente. Eu acho que esse disco é um marco desse momento que é um muito nosso, muito fraterno.”

Gaivota: “Tem sido bom pra caralho, nem saberia descrever tamanha felicidade que é encontrar a família musical astral. É muito amor envolvido. A cada música vamos vibrando, vendo ela brotando em cada detalhe, como uma planta crescendo, o sonho materializando, dá aquele negócio bom da porra e aquela coisa de se superar, tentar fazer o melhor para que a música vá ao máximo que ela possa ir – olha é lindo. To apaixonada, muito, to besta se rolasse casava com a banda toda e com nossa produtora e é isso.”

Tâmara: “O legal é que depois dos dois EPs e do Single, a banda já tinha experimentado muitas formas de gravar. Então a gravação dessa vez foi mais certeira, além do fato de estarmos vindo de uma série de shows em mais de 10 cidades diferentes, o que também coloca o grupo em total união.”

[Hits Perdidos] O clipe tem ar de nostalgia e imagens que imortalizam momentos de felicidade que ninguém pode tirar de vocês, tem sensibilidade na hora de fazer as transições e mostra que vocês tem sim um porto seguro em vocês mesmos. O que é algo muito belo por si só. Como veem que isso ressignifica a visão de vocês sobre o passado e como isso os motiva a seguir em frente atrás dos seus sonhos?

Tâmara: “O Pedro era muito feliz, saltitante, ao mesmo tempo era super sério e exigente com o trampo dele. Acho que o clipe transmite bem isso. Um limite entre o desbunde, a zoeira e a brincadeira, ao mesmo tempo um certo ar de sobriedade, que acho necessário para não perdermos o rumo.

Tem também uma imagem do Theo, filho do nosso baixista, bem rápida, passando só para nos lembrar da continuidade da vida, da transitoriedade. Nada nos pertence, não há controle, podemos apenas coexistir e extrair o melhor da realidade. Por isso um clipe com muitas imagens de arquivo, onde o erro quase sempre vira arte.”

Cobelo: “Existe algo em nós que nem o mais tirânico dos tiranos pode tirar, e sei lá, talvez este algo seja a nossa imaginação, que é uma força poderosíssima. E parte da liberdade de que ela precisa para atuar vem da maneira que encaramos o passado. Se ficamos atrelados demais a ele, talvez acabemos nem percebendo o quanto o presente é fértil de possibilidades.

Tendo em mente a música e a história por trás de “Ícaro”, o que eu sinto e penso é que o Pedrinho era um amigo e um amante total que deixou um importante legado para todos nós, que foi sua própria vida, seus atos, seus feitos, suas ideias, seus gestos, que estão aí para nos inspirar a sermos sempre mais, nunca menos.”

This post was published on 26 de junho de 2018 11:54 am

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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