Você já parou para pensar sobre o impacto de suas pequenas – e grandes – ações para o mundo? De um comentário despretensioso em uma rede social a uma graduação. De uma mudança de status de relacionamento ao lançamento de um livro. De uma briga de trânsito a uma conquista de prêmio.

As vezes esquecemos de como tudo isso reverbera no universo e de certa forma te propicia consequências. Algumas dolorosas e outras de amolecer o coração. Algumas que mudam sua vida para sempre e outras que fazem com que você repense quem você é – e para onde está indo.

A música tem esse poder. O poder de tocar a sua alma. De uma sequência de acordes te despertar alegria, tristeza, euforia, reflexão, frustração, inquietação, revolta, ansiedade, debates e tantas outras formas de expressão.

Sentir é uma qualidade tão humana e inconsciente que por muitas vezes conseguimos projetar nossas vivências e passagens em composições alheias. De tempos, histórias e contextos sociais completamente distintos. E isso faz com que aconteçam reflexões e transformações internas, ou se preferir que eu seja ainda mais direto: amadureçamos.

Alguns discos ouvimos durante um período da vida e naquele eles dialogam perfeitamente com o que você está sentindo ou passando. Outros vão ficando e independentemente da idade você volta para buscar aquele aconchego. É como uma biblioteca, alguns livros você devolve mas outros você se vê obrigado a comprar e colocar de maneira bem delicada na prateleira.

Antes de ser um artista, blogueiro, produtor, roadie, dono de selo, empresário e afins todos são fãs de música mas principalmente: fãs de gente. Fãs de histórias, fãs de relatos imortalizados, fãs de alguém que dedicou seu tempo para deixar a sua mensagem para o mundo.

Com compositores favoritos, gostos diferentes, semelhanças, perspectivas e backgrounds. Somos assim, distintos mas conectados e isso que nós faz tão abertos para conhecer o novo.

Não é de hoje que músicos homenageiam artistas em canções e de tempos em tempos alguém relembra da importância destes que o inspiraram a procurar tocar algum instrumento. Deixar seu agradecimento além de uma atitude nobre, é mostrar o poder da extensão de um legado imaterial.

O Mighty Mighty Bosstones de Boston (MA) por exemplo lançou “Favorite Records” em 2007 para o disco Medium Rare. O Descendents em seu clássico Everything Sucks (1996) na canção “Thank You” por exemplo foi ainda além e quis homenagear as bandas do underground que os inspiraram a tocar. Para não falar que só falei dos gringos, o Nada em Vão de Brasília (DF) lançou em fevereiro o lyric video para “Discos”, eles inclusive disseram no dia do lançamento:

“Sempre gostamos de enfatizar a importância do punk e hardcore em nossas vidas. Quem convive mais de perto sabe o quanto valorizamos as músicas, letras e postura das bandas que vieram antes da gente e daquelas que são nossas parceiras. Hoje lançamos um novo single, chamado “Discos”, que é um agradecimento a todos os grupos que fizeram e fazem parte de nossa vivência. Afinal, estes discos são tão importantes quanto os livros neste aprendizado constante que é viver! É uma homenagem simples, mas feita com o DIY no coração.”


Valciãn Calixto está preparando seu segundo disco mas parou tudo para lançar uma música feita em apenas uma semana. – Foto: Divulgação

O músico Valciãn Calixto de Teresina (PI) em questão de uma semana produziu uma canção para homenagear seu maior ídolo dentro da música independente brasileira. Com um detalhe muito especial: ele nunca teve a oportunidade de poder assistir a nenhum dos seus projetos ao vivo.

Isso não impossibilitou que ele deixasse de acompanhar ao longo dos anos cada passo de seu ídolo. Por outro lado, procurou notar toda a sua evolução como músico e tenta a cada dia agregar seus ensinamentos ao seu trabalho.

O artista em questão é o compositor, vocalista e guitarrista mineiro Jair Naves. A voz do Ludovic, NavesHarris e de seu projeto solo. Ele que também fez parte da última formação do lendário grupo Okotô.

Premiere

Valciãn fez questão de presentear seu ídolo com uma canção que como ele mesmo afirma: “Para mostrar empatia em tempos nebulosos”. A faixa em questão recebeu o nome de “Continue Assim” e está sendo lançado no mesmo momento em que o músico compõe seu segundo disco. Este que será o sucessor de Foda! (2016).

“Em tempos de tanto extremismo, radicalismo, falta de empatia acabamos esquecendo um pouco de homenagear quem de alguma forma contribuiu nem que seja um pouco para nosso crescimento pessoal de tanto que ficamos embebidos e encegueirados em discussões na internet, textões de facebook e aprisionados à ditadura do meme. Esquecemos tanto que muitas das vezes só lembramos quando quem admiramos já não se encontra entre nós, o que graças a Deus não será o nosso caso.” – relata o músico piauiense

Sobre o processo de composição ele nos conta:

“Duas segundas-feiras atrás estava eu lá aguardando a aula dela acabar, fuçando no celular quando comecei a postar versos soltos no Twitter. Depois de uns 4 deles me toquei: “tou escrevendo uma letra pro Jair”.

Até postei isso lá também, então até chegar em casa fiquei martelando aqueles versos e fui trabalhando a música nos dias seguintes. Cada estrofe nova eu pegava o violão para pensar uma melodia nova também e assim o fiz. Gravei tudo no meu quartinho, com o auxílio de um controlador e uma placa de dois canais que me permitiu gravar a voz, baixo e guitarra analógica.”

Para auxiliar na mixagem e masterização ele convocou o amigo, músico e produtor Theuzitz que topou o desafio na hora. Por coincidência do destino ambos participaram do tributo ao Pato Fu organizado pelo Hits Perdidos no ano passado.

Sobre o título da canção Valciãn comenta:

“A música se chama “Continue Assim”, o que não deve ser entendido como uma pressão para que Naves continue a imprimir ótimos registros. É mais no sentido do Jair continuar sendo sensato, pé no chão e sempre transmitindo isso em todos os projetos.”

Ouça a faixa



“Continue Assim” é uma canção bastante sentimental e faz um misto de lo-fi com influências de synth pop / brega / rocksteady e ritmos regionais. Na canção o artista busca abrir seu coração para falar sobre as conexões que a música produz. Destas transformações que fazem com que sigamos em frente. Os reflexos em sua vida e sua evolução como músico e pessoa.

Ele ainda lamenta o fato de nunca ter tido a oportunidade de assistir a uma apresentação do músico e relembra como a internet faz com que a distância entre Teresina-São Paulo se reduza a poucas telas. Estas por onde pode acompanhar seus passos.

Playlist Exclusiva: Indietextualidade

Para enriquecer ainda mais o contexto de sua versão Valciãn preparou uma playlist com músicas inspiradas em outros artistas. Tudo isso com base em seu repertório e leque de influências pessoais. Para deixar tudo o mais claro possível: ele preparou um texto com suas justificativas.



Por Valciãn Calixto

A seguinte playlist reúne canções de artistas e bandas que homenageiam, citam, dialogam com outros artistas, seus trabalhos e afins.

Aviões do Forró regravou uma música recente ou lançou, não sei, uma canção chamada “Naquele Mesmo Bar”, que cita o Zezo, artista de expressão do nosso Nordeste, famoso por seu timbre forte e peculiar, por regravar boleros, sambas e bregas antigos.

“Para Lennon e McCartney”, sucesso na voz do Milton Nascimento.

Djavan na canção “Sina”, uma música trabalhada belamente na inversão de acordes, verbaliza o substantivo Caetano, em homenagem ao baiano, ressignificando o nome para um sinônimo de ‘curtir’, ‘aproveitar’.

Da mesma forma Caetano Veloso também homenageia o Djavan e o Tim Maia de uma vez só em “Eclipse Oculto”.

Já em “Podres Poderes”, outra maravilhosa canção do Caetano, ele apela e manda uma homenagem tripla, no meio da acidez da letra, ao Milton Nascimento, Hermeto Pascoal e Tom Jobim.

Bem, acho que dá pra montar uma playlist só “catando” referência com as músicas do Caetano, vou deixar só as duas acima e partir pra treta.

Belchior faz referência aos baianos Gil e Caetano, autores da faixa “Divino Maravilhoso”, que tem um arranjo interessante na versão da Gal Costa. A música é contestada na faixa “Apenas Um Rapaz Latino Americano”, onde Belchior diz que “nem tudo é divino, nem tudo é maravilhoso”.

Em “Fotografia 3×4”, Belchior cita mais diretamente o Caetano no verso “Veloso, o sol não é tão bonito pra quem vem do Norte e vai viver na rua”, possivelmente se referindo a “o sol nas bancas de revistas me enche de alegria e preguiça”, verso de
“Alegria Alegria” do Caetano. Contudo, esse sol que o Caetano cita deve ter sido algum jornal da época. Já ouvi algo nesse sentido, mas nunca comprovei a teoria (risos).

Como treta pouca é bobagem, chega o Raul Seixas, que também já não curtia a dupla baiana citada anteriormente e ao invés de se aliar ao Belchior, manda umas indiretas a ele na canção “Eu Também Vou Reclamar”.

Chico César em “À Primeira Vista” cita Prince e o músico africano de Mali, Salif Keita.

Tem o Sérgio Sampaio homenageando o Raul em “Raulzito Seixas”. O Sérgio Sampaio, reza a lenda, era doido para que o Roberto Carlos, seu conterrâneo, gravasse uma música sua, o que nunca aconteceu e é um pouco relatado nessa canção (“O Pobre Blues”).

Tem o Sérgio também homenageando o pérola negra Luiz Melodia, numa faixa que até conta com o próprio Luiz, “Doce Melodia”.

Aí tem o Tatá Aeroplano nesse tributo ao Sérgio Sampaio que eu cito em ‘Continue Assim’. Vou deixar a versão regravada pelo Juliano Gauche, que é a de que mais gosto.

Citar aqui o rei do baião que homenageou seu próprio pai Januário, sanfoneiro conhecido de Exu. A letra foi escrita pelo parceiro de Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira, baseada em um acontecimento verídico. Nesse link tem a história toda por trás da música.

Quero citar aqui com muito orgulho essa canção da atemporal Daniela Mercury que misturou a percussão do axé com riffs de heavy metal para homenagear Dodô e Osmar e também Armandinho, mestres do carnaval, da guitarra elétrica e dos trios elétricos, tudo isso na faixa “Trio-Metal”.

Outro gênio do Nordeste, Moraes Moreira, também homenageou por diversas vezes Dodô e Osmar e Armandinho, além de terem inúmeras parcerias.

Acho que tá bom de MPB e vamos para o cenário independente.

Tem o homenageado Jair Naves citando o Qorpo Santo, na faixa “Qorpo Santo de Sai”a, do disco Idioma Morto, de sua banda Ludovic. Para quem não sabe, o Qorpo Santo foi dramaturgo, poeta, jornalista, que passou despercebido bom tempo até que sua obra fosse resgatada e associada ao Teatro do Absurdo no Brasil.

Acho válido ressaltar que em sua obra consta o primeiro casal gay da dramaturgia brasileira, o que acaba sendo característico se observarmos também de onde veio nome da banda de Jair. Em 2018 vai completar 135 anos da morte do autor e por isso acho relevante me esticar um pouco mais aqui nessa parte, pois é alguém que merece ser lembrado sempre que possível.

Pra resumir tudo que o Vitor Brauer faz, seja em carreiro solo, seja com suas bandas Lupe de Lupe, Xóõ ou Desgraça, vou deixar essa faixa que foi feita apenas com citações e trechos de obras de outros artistas, tanto que o nome da música é “É Tudo Roubado”.

Aí vem o Theuzitz citando outro artista do sul do país, o Yoñlu, em seu disco Peso das CoisasAldan, banda mineira vem com o anti-rock “Rogério Ceni“. Jonathan Tadeu surge com “Whitney Houston“.

Fábio de Carvalho cita os irmãos Lumiere, o francês Debussy, o japonês Miyazaki na faixa “L’arrivée D’un Train À La Ciotat, 1895”, de seu primeiro disco Tudo em Vão.

A banda de rock jovem Amandinho tem uma canção chamada “Bill Murray“, humorista norte-americano. Ia esquecendo, mas se eu puder por mais uma minha tem essa (“Engomando a Calça Com Eduardo”).

Tem a “Kim Gordon” feita pelo Miojo Cru, lançamento aqui do selo paulista Pessoa Que Voa. A lista tá ficando imensa, se eu entrar no rap não acaba mais!

Tem ainda o EP de estreia do gorduratrans, que também homenageia o Ludovic. A banda usou um verso de uma das letras do Ludovic para dar nome ao EP.

Então a playlist vai ficar aberta aí, colaborativa para quem quiser e puder complementar, eu tenho certeza que falta muita música que caberia muito bem aqui.

O que você adicionaria? Siga a playlist e adicione as sugestões que tiver!


This post was published on 12 de março de 2018 7:03 pm

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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