Misturando Dream Pop e Psicodelia Pampas Deer faz “rock lombrante”
A primeira vez que tive contato com o Adriano Eliezer eu me lembro muito bem foi no finado Dinamite Studios que era localizado na Av. Santa Catarina (Zona Sul de São Paulo). O ano era 2014, o Hits Perdidos e o ambiente do estúdio era propício para conhecer uma porrada de bandas interessantes. Foi lá que tive contato com a Veronica Kills (R.I.P.), Troublemaker, O Grande Ogro, The Lonesome Duo, Der Baum, Sky Down, Porno Massacre e tantas outras.
Inclusive a Little Drop Joe que fazia uma panela entre o som do nordeste, o punk rock e o rock nacional. Quando estavam prestes a lançar um novo álbum com tudo já arquitetado, pensado e com estratégia para levar para a rua… transformações mudaram o rumo das coisas. Adriano que trabalha com publicidade teve uma proposta de emprego irrecusável para se mudar para Düsseldorf na Alemanha. Não é necessário nem dizer que isso dificultou todo andamento da banda.
Inquieto e apaixonado por música ele não jogou a toalha. Foi se adaptando a nova realidade, cultura e país para ver como retomaria sua carreira musical. Não é um desafio dos mais fáceis e seus amigos de toda a vida vivendo a milhares de quilômetros de distância era algo que não facilitava. Inspirado por músicos que conseguem gravar projetos com extrema qualidade sozinhos ele começou a rascunhar as primeiras composições que tempos depois seriam o esboço do Pampas Deer.
Eu acredito que também foi uma maneira de ele conseguir expandir sua essência artística como ele mesmo irá comentar. Em sua infância e juventude por influência dos país ouviu muita música psicodélica dos anos 60 e 70, algo que em seus projetos anteriores por se adaptar a bandas – e diferentes gostos musicais – ficou um pouco de lado. A própria conectividade com nordeste e por ter vivido em Recife por um tempo fez com que seu gosto se moldasse e tendo como cantores favoritos durante aquele período Zé Ramalho e Alceu Valência e isso conseguimos sentir no último EP do Little Drop Joe.
Com todo esse background ele também sempre esteve aberto a novidades e ir para Alemanha mostrou para ele novas possibilidades. Expandiu horizontes de uma forma que tenho certeza que ele crê 100% no que está fazendo hoje. Um facilitador que temos em fazer projetos solo, sem ter que bater boca para chegarmos a um consenso musical ou ideológico.
O aprendizado nesta nova jornada é algo constante e ele mesmo diz que não tem sido fácil mas que isso tem feito ele se dedicar ainda mais. Por exemplo ele aprendeu a brincar com um sintetizador daqueles Korgs e observado sua guitarra de outra maneira. Sua conexão com temáticas mais maduras e expressividade também evoluíram e sua vontade de fazer algo para posteridade também.
O fascínio pelo dream pop/shoegaze de novos artistas do independente estrangeiro também tem feito ele pirar nas novas possibilidades e aquele DNA psicodélico tem servido como uma locomotiva para seu exercício criativo.
Claro que estando longe do Brasil ele tem se obrigado a estudar os locais para shows, estratégias, produtores e se aperfeiçoado na arte de mixar e masterizar seus próprios trabalhos. Um trabalho minucioso e instintivo. Até o momento ele lançou dois singles e ainda está no processo de sentir como as pessoas recebem seu trabalho para que assim arrisque em um EP cheio ou álbum.
Para passar tudo a limpo o Hits Perdidos resolveu bater um papo solto sem perguntas mas com questionamentos abertos para que ele explicasse um pouco mais sobre esta nova fase, dificuldades e facilidades da vida na Europa e falar um pouco mais sobre o conceito e as primeiras faixas a serem liberadas.
SOBRE A TRANSIÇÃO MUSICAL
“É engraçado, porque as coisas que estão no Pampas Deer hoje são aquelas que eu mais escutei minha vida toda, desde criança. Meu pai é aficcionado por música, especialmente pelos 60s e 70s. Até hoje, ou quando eu tava morando no Brasil, eu ia com ele em um Beatles cover classicasso que rola a cada dois ou três meses em São Paulo, chamado Comitatus – os caras tem só quarenta anos de banda. Aí eu cresci com Beatles, Supetramp, Simon & Garfunkel e Emerson, Lake & Palmer tocando no som. Depois disso, a única coisa que eu ouvi mais em casa foi Elba, Zé Ramalho e Alceu, porque a gente mudou pra Recife e minha mãe gostava muito.
E eu não faço ideia porque eu nunca tive uma banda que tocasse qualquer coisa assim. Na real, minha turma de músicos sempre foi mais porradeira. E eu também cresci com grunge na veia. Acho que por isso o som era sempre daquele jeito. Acontecia daquele jeito.
Fora isso eu vinha numa vibe de ouvir Temples, Tame Impala, Pond e outras galeras da nova psicodelia, se é que dá pra chamar assim, que se auto-produzem. Alguns, tipo o Kevin Parker, fazem sozinhos inclusive. Foi muito pela inspiração neles também.
Aí quando mudei pra Alemanha, não tinha mais a turma de músicos. Quando eu sentei pra tocar a primeira nota do que seria o Pampas Deer, sabendo que eu ia ter que fazer tudo sozinho, não tinha mais nada externo que moldasse o som. Essa coisa meio retro-futurista aconteceu sozinha. Foi meio natural.
E libertador também. Eu tive algumas bandas e você sempre precisa convencer as pessoas das suas ideias. E as vezes nem você sabe direito o que tá pensando. Só sabe que tem algo ali.”
O PAMPAS DEER
“O Pampas Deer é o projeto pop psicodélico de estúdio que eu uso pra me expressar e pra experimentar coisas. É experimental, um pouquinho no sentido musical mesmo, de criar atmosferas lombrantes, mas principalmente no sentido de fazer coisas que eu não fiz ainda.
Eu acho que o lance legal dessa parada de som experimental é menos fazer parte da uma categoria “música experimental” e mais a caminhada sem fim atrás de algo que você não fez ainda. Talvez alguém já tenha até passado por lá, mas você não. Experimentalismo é uma coisa muito pessoal e não uma corrida pelo diferente. As pessoas podem te contar sobre como um quadro ou um lugar são. Mas quando você ver com seus próprios olhos aquele sentimento que florescer vai ser só seu. E não interessa se alguém viu aquilo antes.
O Pampas Deer é isso. Sou eu tentando fazer sons que você consegue mergulhar dentro e se mexer, e gravar coisas de jeitos que não gravei ainda. Eventualmente tocar as coisas de um jeito que não toquei ainda. Se tratando de música, eu acho muito entediante fazer duas a mesma coisa.
O nome vem do animal mesmo, do veado dos pampas. Eu queria um nome que em inglês fizesse uma referência menos óbvia ao Brasil, e que em português fizesse um ponto.
Eu não fico falando sobre isso, mas pra mim a discussão LGBTT uma das mais importantes, corajosas e relevantes que a sociedade brasileira está levando hoje. Praticamente todos os sons do Pampas Deer tem alguma dose de androginia ou menções em alguma lugar.”
SOBRE OS SINGLES E O EMBRIÃO DO QUE VAI SER O EP
“Véio, a real é que eu não faço ideia. Eu gravei um monte de coisas e já dava pra ter soltado um EP logo de cara. Mas talvez soltando single a singles dá mais tempo pra galera ouvir, se identificar. Tem dois sons no ar agora e cada um foi um universo inteiro de papos legais com um monte de gente. Mas a real é que eu não tenho um plano de marketing pra esse treco e de repente eu fico ansioso e solto o resto todo de uma vez (risos).
Esses singles também me deram a chance de me entender melhor como Pampas Deer. Eu sou muito indisciplinado e pensar nessas músicas como coisas separadas me ajudou a saber quando começar e quando terminar cada uma. É um aprendizado que rola, né?
Sobre eles:
“Help me to Find” é um desabafo. Acho que toda vez que você muda sua vida muito rápido acaba se perdendo um pouco. A letra é inteira sobre isso. E ela passeia pelo final do 60s e início dos 70s. Tem as guitarrinhas marcadas, um set de cordas tenso e um Hammond com Leslie descontrolado no refrão. O vídeo foi filmado no Rhein Park, que é aqui no rio Reno.
“Never Happen Again” é uma tentativa de Smoking Robinson em 2017. É uma resmungada, meio romântica, meio brega, mas eu ficava pensando no Daft Punk o tempo todo enquanto eu tocava e cantava. Aí saiu desse jeito. Como a fronteira entre compor e gravar é meio estranha pra mim, acontece muito de eu ter uma ideia que vai se contorcendo até virar a música, e normalmente eu não sei muito bem onde ela vai parar.
O GIF que carrega a música é do Gustavo Torres, conhecido como Kidmograph. É um motion designer argentino que já fez trampos pro Strokes, Bruno Mars e mais um monte de gente foda. Eu tava apaixonado por esse e ele foi um lindo de me dar de presente.
Agora eu estou gravando mais alguns sons, que provavelmente vão ser um EP. Eles se conversam e fazem mais sentido juntos. Se tudo der certo ele vai ter uns 4 ou 5 sons e fica pronto em Setembro, talvez Agosto. Vamos ver. Mas até lá ainda tem single pra por na roda (risos).”
SOBRE A MÚSICA NA ALEMANHA
“É muito louco. Tem coisas que você imagina, do tipo, tem mais casas pra tocar com um público cativo e com uma estrutura mínima pra fazer um show. Várias, mesmo as pequenas, tem alguém responsável por falar com as bandas e organizar o esquema, um telefone ou um email pra isso.
Mas talvez o que faça diferença mesmo é que as distâncias são menores e qualquer cidade pequena vai ter um lugar pra tocar e gente pra ir ouvir. Fica mais fácil montar uma tour no estado ou mesmo fora do país. Aqui de Colônia você chega na Bélgica e na Holanda em uma hora. Por isso que eu tenho falado pra galera: fazer uma tour europa é mais fácil do que parece. Exige um pouco de pesquisa, mas é totalmente possível chegar nos bares e nas casas de show menores via email e facebook, organizar as datas direitinho e se jogar. Apertando um pouco, mesmo sendo independente, dá pra fazer.
Mas eu não diria que por causa disso, pelas facilidades, a galera é menos correria por aqui. As bandas tão na correria mega intensa e realíssima também. Os cachês também são baixos pra quem está começando, as roubadas também rolam, tem muita banda, então aparecer também é difícil. Mesma história em alguns aspectos.”
Pampas Deer
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