Os anos 90 para a geração que vem transformando o mundo e conquistando seu espaço tem um valor bastante significativo na memória. Não é incomum vermos pessoas lembrando com certa nostalgia das séries, dos brinquedos, dos disk man, dos desenhos animados, da moda, do estilo de vida e do começo das aventuras pelas ondas da internet.
No campo musical, aquele limbo do fim dos 80 e começo dos 90 trouxe uma porção de novos mix de elementos na música mundial. O mundo cansado daquele hard rock farofa decadente – via o Guns’N’Roses emplacar nas paradas clássicos como Appetite For Destruction (1987), manter o clima em chamas com o Use Your Ilusion (I e II) (1991) e quase migrar para o punk com o Spaghetti Incident? (1993).
Mas tendo um poço de esperança com o amadurecimento de grupos como Bad Religion – com os discos indispensáveis da discografia dos californianos como Suffer (1988), Against The Grain (1990) e Stranger Than Fiction (1994) – e Husker Dü já nos seus últimos trabalhos antes de seu fim com os clássicos: Zen Arcade (1984), New Day Rising (1985) e o meu preferido, Candy Apple Green (1985).
Mas no meio desse campo criativo bellow the line do rock alternativo tinhamos uma porção de estilos um pouco mais submersos como a terceira onda do ska, o alt. country, alguns grupos de psychobilly e uma galera literalmente pirando em grupos shoegaze (sim, esse shoegaze que vocês escutam hoje é tudo material reciclado). Uma época em que tínhamos gravadoras – criativamente – geniais tanto em solo norte-americano com a Sub Pop como a Creation Records em solo britânico e acumulando histórias movida a anfetamina e muito rock’n’roll.
Não podendo esquecer do Funk groovie chapado – e movido a heroína – da dupla John Frusciante e Flea com seu Red Hot Chilli Peppers que iniciaram a década com seu segundo disco, Blood Sugar Sex Magik (1991) – que é underrated pela maioria dos fãs – e fecharam a década com chave de ouro com Californication (1999). Ah mas sem deixar de lado o pop afinal de contas entre uma canção da Dido e outra dos Hanson, Spice Girls, Backstret Boys…tínhamos artistas como a Norah Jones, Blind Melon, EMF, Oasis, Alanis Morissette, Dishwalla entre tantos outros.
Muita coisa boa aconteceu, tivemos o Nirvana, Soundgarden e R.E.M. que jamais deixaria de citar no meio dessa miscelânia musical que vamos abordar hoje. Após ter vivido intensamente sua juventude no meio desses e muitos outras fitinhas cassete, Vitor Bara que já tinha outro projeto, Ascolt Dery, com seu parceiro Ivan Staicov, sentia falta de misturar todo esse background e decidiu se atirar em uma nova aventura.

A outra banda de Vitor, Ascolt Dery, tem uma levada mais folk. – Ouça no Spotify.

Dessa ânsia de de misturar suas influências mais rockeiras que tem muito do campo do blues, com letras mais sérias e refrões mais pop, nascia ainda como one man band o projeto Nine Stay.
Gravando violão, baixo, guitarra e vozes, Vitor viu a necessidade de incorporar ao projeto novos membros, assim facilitando tanto o uso de novos recursos e influências como facilitando as apresentações ao vivo. Assim entraram na formação, Erick Ponce (bateria) e Phillipe Cañas no baixo, violão e também teclados.
Assim no último dia 31 de março chegava ao mundo Ocean Of Maybes. Um EP de estreia cheio de curiosidades e peculariedades. Este que foi gravado entre janeiro e abril deste ano em diversos estúdios de São Paulo. Teve sua mixagem e masterização em Londres sob a responsabilidade de Matschulat (Godasadog).
[Hits Perdidos] As influências passeiam pelo grunge/Alt. country/folk dos anos 90 e consigo perceber que são perfeccionistas nos detalhes colocando diversos elementos como piano e melodias bastante hamônicas.
Como acha que trabalhar com Matschulat (Godasdog) e a contribuição dos teclados de Victor Meira (Bratislava, Godasadog), contribuíram para o resultado final desse primeiro trabalho?

Vitor Bara: “Com o Matschulat foi muito interessante, pois como ele mora em Londres, ele não conhecia nenhuma música e nem ouviu nada até as gravações já estarem finalizadas (eu nem o conheço pessoalmente ainda…) E foi bacana alguém conduzir a mix e a master sem nenhuma ideia pré-concebida, ressaltando elementos que ele achou interessante como novo ouvinte mesmo. Foi um processo muito fácil e bem espontâneo, sem muitas rodadas de ajustes.
O Victor é um amigo desde 2011, conheci ele em estúdio, cada um ensaiando com sua banda, rolou uma empatia. Soube que ele também era artista visual e o convidei para fazer a capa do disco do Ascolt Dery. Ficamos amigos desde então, ele fez outra capa pro Ascolt e tal…
Como eu sempre curti a sonoridade do Bratislava, e sei que ele é um cara “do meio”, convidei pra produzir esse EP do Nine Stay, fiquei muito honrado por ele ter aceito. Ele contribuiu demais, desde ideias nos arranjos até acompanhar todas as sessions de gravação, edições e orientação da mix e master também.”

O trabalho ainda contou com a participação dos teclados de Victor Meira (Bratislava, Godasadog), que ainda assina a produção do EP, bem como a direção de arte do projeto. A capa é uma pintura da artista Claudia Pinheiro.



Na entrada do EP já temos “Scene” um blues cowboy com uma mensagem forte e repleto de viradas. Uma loucura que é desconstruída á partir de sua estrutura. Sem regras ou amarras, entre uma guitarra que bebe do rock mais cru ela vai de encontro com um teclado psicodélico mais viajado.
O alt. country se diverte ao estabelecer seu elo com o miolo do rock alternativo dos anos 90. Exato, você pode achar que estou louco mas em cerca de três minutos de música, eles passeiam por toda essa viagem no tempo e espaço.
Uma canção que questiona nossas perspectivas e mudanças na vida. Uma crítica a aquelas velhas convicções que vamos deixando de lado ao longo de nosso amadurecimento pessoal.
[Hits Perdidos] “Scene” me lembrou na entrada “You’re Unbeliavable” (EMF, 1991), mas depois viaja para a levada mais casca grossa do country mas com alguns devaneios mais psicodelicos – dos teclados – no meio de uma jam noventista. Como é a hora de compor com lidar com tanta informação e a riqueza de elementos?

Vitor Bara: “É um caos! Eu me policio muito para não fazer mais do que de fato a música “pede”. Mas é um equilíbrio difícil, pois a vontade é colocar vários elementos e isso às vezes tira a essência da música.
O resultado dessa “luta interna” costuma ser essa mistura de arranjos “menos óbvios”com refrões mais “fáceis”. A vantagem de ser um trio é que embola menos o som, e essa é uma busca constante também, deixar as coisas soarem. Hoje muito do que se ouve é overproduction, né…”

A segunda música do Ocean Of Maybes é “The Art Is Seed” tem pés mais calcados no folk/alt. country em sua sonoridade. Os arranjos são delicadamente encaixados e o violão divide o espaço com a voz com uma força que vem de dentro da alma.
Com uma veia mais séria como a carreira solo de Greg Graffin, porém com um tom mais dramático. O crescer, amadurecer e estar preparado para encarar essa selva de pedra. Afinal de contas a arte é a soma de nossa bagagem de histórias, conquistas, derrotas, acertos e erros.
Logo em seguida vem “Weekend Ride” que já bebe do rock alternativo em sua levada MTV 2 – canal focado em rock alternativo que durou dos anos 90-00 nos EUA – em que vemos a bateria ganhar elementos mais marcantes com o detalhe tanto em sua subida da ladeira – com o artifício de usar os pratos com perspicácia – como quando a música cai na levada mais blues solto.
Consigo perceber um riff mais punkrock no andamento da canção, um trecho alá Refused em “New Noise” lá pelos 2 minutos e um baixo pegado alá Flea. Assim vemos que a cozinha do trio não é algo óbvio e encaixado para rotular a banda como mais um grupo disto ou daquilo. E é nesses momentos de originalidade que conseguimos valorizar ainda mais o resultado final do processo.
Um outro destaque fica para o solo de guitarra já na última estrofe que brinda a canção e faz dela o hit perdido do disquinho feito uma canção do citado lá em cima Candy Apple Green.
[Hits Perdidos] O mais curioso do som de vocês é que passeia pelo som do Husker Dü, The Hold Steady, Bad Religion, Refused e o grunge por exemplo na canção “Weekend Ride”. Mas que são harmonizados com influências mais leves e rock’n’roll na hora do solo. O que faz com que a cada canção surpreenda pela gama de influências de grupos muitas vezes esquecidos. Quais influências inusitadas que pessoal cairia para trás ao ouvir vocês citarem?

Vitor Bara: “Bad Religion foi uma ótima citação, pois é uma banda top 5 da minha vida, já vi 10 shows dos caras, e vou com eles até o fim (risos).
Mas Roxette (pela veia 100% pop e uns baita arranjos), Dave Matthews Band (pela força dos riffs e pela bateria com arranjos geniais do Carter) e Antonio Nóbrega + Spok Frevo Orquestra + Alceu Valença (pela energia absurda que é imprimida no frevo) – talvez sejam influências um pouco mais inusitadas, e certamente me acompanham na criação das músicas.”

Para fechar o trabalho temos uma música cheia de dor e verdade. A canção que fecha o EP é a balada “Fate Just Steals” que soa como um desabafo sobre como algumas coisas são nos tiradas ao longo da vida. Vitor comenta que fez ela para um amigo que já não está em nosso plano para dividir risadas, confidências e conquistas.
Assim como uma canção do R.E.M. temos um piano para conduzir a balada e uma dose de crítica a situações críticas que temos que passar para obter aprendizado e amadurecimento como seres humanos.
[Hits Perdidos]  A canção que fecha o EP é a balada “Fate Just Steals” que soa como um desabafo sobre como algumas coisas são nos tiradas ao longo da vida. Acreditam em destino ou acham que nós mesmos temos o poder de mudar nosso futuro?

Victor Bara: “Você captou bem, é uma música espiritualizada, sobre a perda de um grande amigo em um acidente. Falando por mim, eu sou espírita, acredito em não estarmos aqui sem uma missão, na necessidade de evoluirmos sempre. E, é claro, acredito no livre arbítrio, são conceitos que caminham juntos.”

Assim Ocean Of Maybes é feito uma caixa de pandora, onde aqueles sentimentos aprisionados por tanto tempo ganham a luz do dia, ou melhor dizendo, as sombras feito um desabafo que caminha pelo campo do amadurecimento, através das críticas e das passagens que nos fazem mais fortes ao longo da vida.
Na parte instrumental ele nos mostra uma infinidade de possibilidades de fazer algo fora da curva sem se prender tanto a uma fórmula batida. A veia pop faz muitas influências um pouco mais obscuras serem facilmente digeridas caso o ouvinte tem alguma vivência nos anos 90. Fico até imaginando o clipe nas madrugadas da MTV entre um clipe do Hank Williams III e uma balada do R.E.M.
A sensação é de nostalgia, contemplação mas sem deixar de olhar para frente. Afinal estamos vivos e nossa missão apenas começou. Entre começos e fins a fênix ressurge das cinzas para mais uma odisseia.
Afinal a cada fase da vida temos uma bagagem de acontecimentos mas ainda temos muito como melhorar como seres humanos. O aprendizado, ele é constante e nunca devemos de deixar para hoje o que poderíamos ter feito ontem.
Para finalizar, fiz mais algumas perguntas para pessoal do Nine Stay.

Nine Stay (Da esquerda para direita):Vitor Bara (Vocais, Violão, Guitarra), Erick Ponce (Bateria), Phillipe Cañas (Baixo, Teclados, Violão) – Foto: Divulgação

[Hits Perdidos] A banda é razoavelmente nova mas em pouco tempo já lançou seu primeiro EP, Ocean Of Maybes. Qual o background musical de vocês?

Vitor Bara: “Olha, a formação básica de todos é rock. Eu sou o mais velho, e acompanho o estilo desde o início dos anos 90, Metallica, Red Hot, Pearl Jam, Nirvana.
Depois fui voltando na linha tempo, Iron Maiden, Ozzy… Até chegar nos clássicos Deep Purple, Led, chegando nos Beatles…(risos). Mas aí, quando fui aprender a tocar baixo, enveredei pra Stanley Clarke, Jaco Pastorius, e fui ampliando o leque até o blues. Então a base é essa.”

[Hits Perdidos] Pelo que vi o Vitor toca também na banda Ascolt Dery com uma pegada mais folk. Os outros membros tem ou vieram de outros grupos? Como foi a decisão de começar o projeto?

Vitor Bara: “O Ascolt é um projeto com meu grande amigo Ivan Staicov. Eu curto muito essa pegada mais bluesy acústica, e o Ivan uma influência forte de folk. No Ascolt eu toco baixo também e percussão, é muito divertido, muita mudança de andamento nas músicas, mais experimental mesmo.
Mas me faltava espaço pras minhas composições mais rock mesmo, letras um pouco mais sérias, refrões mais pop (que o Ivan odeia…risos).
O Nine Stay nasceu como um projeto solo (eu gravando guitarra violão, baixo e vozes), e só chamei o Erick pra bateria e o Victor pros teclados. Mas hj é uma banda mesmo, com a entrada do Phillipe para fazer baixos e teclados ao vivo, e o Erick na batera. Eles têm juntos uma banda de covers também, mas eu jogo contra, cansei dos covers… (risos).”

[Hits Perdidos] Letras são sempre importantes para contar a história por trás das canções. Qual a mensagem central do EP?

Vitor Bara: “Pergunta difícil… Acho que o tema central, se fosse para resumir, é humanidade. Há músicas sobre construção de relações humanas, sobre perda, alguma crítica social.
Mas tudo isso trata de humanidade, de que forma estamos “nos tratando”. Porque eu vejo muita evolução em algumas questões da sociedade, conquistas efetivas… mas, ao mesmo tempo, parece que estamos regredindo de forma preocupante em alguns comportamentos e atitudes – e isso certamente é um incômodo, gera necessidade de reflexão e de por pra fora esses sentimentos.”


[Hits Perdidos] A capa é uma pintura da artista Claudia Pinheiro. Qual seu conceito?

Vitor Bara: “É bem abstrato. Conheço a Claudia a bastante tempo, só descobri que ela tinha esse hobby de artes plásticas no começo desse ano. Quando vi essa tela, achei que tinha tudo a ver com o nome do EP (que já estava definido há tempos).
O nome é uma frase de uma música icônica dos anos 90, e penso que retrata bem as incertezas do mundo de hoje – e a série de possibilidades que surgem para uma banda fazendo sua estreia…”

[Hits Perdidos] Qual o significado por trás do nome Nine Stay? Tem a ver com o resgate dos anos 90?

Vitor Bara: “Tem a ver sim. Foi a década que moldou meu amor pela música, teve uma diversidade enorme de estilos, gravações em alta qualidade, porém sem tanta tecnologia como a partir de 2000. Por isso sempre brinco que tudo o que eu gosto de música surgiu até 1999 (o que acaba entregando um pouco a minha idade…risos).”

[Hits Perdidos] Para fechar: Quais os planos pós lançamento do EP? E quais os discos favoritos de cada integrante?

Vitor Bara: “Show de lançamento dia 11 de agosto, no Jai Club em São Paulo, vamos dividir a noite com o Sobre Amor e Outras Coisas, vai ser muito bacana.
A ideia é tocar por aí né? Mostrando o som em todos os lugares que abrem espaço para a música autoral independenteessa é uma luta que estamos comprando com muita disposição. Mainstream e independente precisam co-existir, para diversificar o que é ouvido e discutido no país, é uma questão de plurificar a formação, concorda?

Discos Favoritos:

 
Vitor: Blood Sugar Sex Magik (1991)Red Hot Chili Peppers, Under the Table and Dreaming (1994)Dave Matthews Band e Master of Puppets (1986) Metallica.

Erick: Introspection (1993)Greg Howe,  Come Away with Me (2002) – Norah Jones e By The Way (2002) – Red Hot Chili Peppers.

Phil: Appetite for Destruction (1987)Guns n’ Roses, Surfing with the Alien (1987) Joe Satriani e Sultans of Swing  (1978) – Dire Straits.

Show de Lançamento do EP, Ocean Of Maybes, dia 11.08 no Jai Club (Vila Mariana)
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This post was published on 26 de julho de 2016 11:16 pm

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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