O rock assim como a vida é cíclico, alguns reclamam da falta de renovação da cena. Sendo isso uma tremenda ignorância. O rock deixou de ser a música pop do país (como já foi algum dia), ele talvez esteja voltando pro limbo, longe dos holofotes da grande mídia.
Ele também perdeu bastante da sua força de som de resistência. Quem está antenado com o mundo da música sabe que quem assumiu o posto de resistência sendo música pop é o rap nacional. Poderia citar inúmeros selos, coletivos e artistas desse gênero musical para representar este outro lado da moeda.
Porém, isso não necessariamente quer dizer que a chama do rock se apagou, ela apenas vive na sombra. E é nesse cenário que tem tudo para renascer e se desprender das amarras que não o deixam ser protagonista. Não interpretem errado, tem muita banda boa/excelente por aí, mas a luta pelo espaço na mídia e na conquista pela renovação é um processo de anos.
Mas aquele rock no auge pop no Brasil dos anos 80/90 com o Rock In Rio, os grandes selos e médios apostando pesado com força na juventude não foi uma luta em vão. E a maior prova disso é quando vejo bandas como os paulistanos da Relize.

Relize (da esquerda para direita): CH4 (Vocal / Guitarra), Igor (Voz / Baixo), Marcião (Bateria / Vocais)

Eu poderia contar a história deles de duas maneiras, o começo da banda em 2013 e os 3 EP’s gravados com a antiga formação ou a versão da Relize 2016. Mas calma que eu vou explicar isso de maneira compacta.
Nascida na zona oeste da cidade de São Paulo em meados de 2013, o grupo veio ao mundo como um trio. A proposta era mostrar as vivências e beber da fonte do melhor do pop/rock dos anos 80/90 mesclando claro com influências do alternativo e do punk/hardcore melódico dos anos 90/00.
O que gerou três trabalhos, a demo Antes que o Dia Acabe (2013), o EP Na Hora (2014) e o Tudo em uma Embalagem Só (EP – 2015). O que rendeu sete clipes e uma participação no projeto Converse Rubber Tracks onde puderam gravar no estúdio Family Mob com os lendários Jean Dolabella (Ex-Sepultura) e André Kbelo.
Fiz uma playlist para colocar todos eles no post e registrar essa fase na banda. Alguns possuem histórias legais. Como o caso de “A.C.A.S.O.” em que Igor compôs em homenagem a sua filha recém nascida, inclusive a sigla é a abreviação de seu nome. Uma bela homenagem ao sentimento de amor fruto do que é ser pai.
Os vídeos vem de ideias e experimentações que a própria banda tem, naquele melhor esquema Do It Yourself de fazer as coisas. A canção auto-intitulada inclusive conta com a participação do Teco Martins (Rancore / Sala Espacial), em uma versão intimista e muito bonita.

Mas como disse antes optei por falar sobre o presente. Relacionamentos são complicados e banda nós sabemos que é uma espécie de namoro/casamento, se não está mais rolando meu amigo: é hora de passar a bola para frente.
E foi mais ou menos o que aconteceu com a Relize. O sonho de três pessoas, virou o sonho de um no fim do ano passado. Mas quando a gente quer muito algo a gente dá um jeito né? Foi exatamente assim que Igor juntou os cacos, sacudiu a poeira e foi atrás de pessoas interessadas em continuar em frente com o projeto.
[Hits Perdidos] A banda teve sua reformulação a pouco tempo. Fale um pouco sobre como isso aconteceu e como foi o processo das novas composições.

Igor: Com o tempo os objetivos mudam e uma banda tem que estar alinhada, todo mundo andando junto, se um caminha para outro lado, ainda mais nós que somos trio, a coisa desanda então a mudança foi feita pra garantir que a banda continuasse a funcionar e a crescer. Quanto as composições, algumas músicas já estavam prontas como “Longe de Algum Lugar” que estava sendo ensaiado pela formação antiga e já vinha sendo tocada em shows e “Ao Menos um Segundo” que quase entrou no projeto “Rubber Tracks” da Converse que participamos. A única totalmente nova é a “Ela” que é minha e do CH4, já que “Vendo o Tempo Passar” é uma regravação.

Costumo dizer que a vida é feita de conexões, feito faísca, as pessoas se encontram em momentos certos e se dá liga temos mesmo é que apostar as fichas. E foi mais ou menos assim que aconteceu com a Relize. Na procura por parceiros, Igor encontrou na Internet (ela é mesmo maravilhosa as vezes) Carlos Henrique – aka. CH4 – e Marcião (baterista) que tinha acabado de sair de outro grupo.

O novo trabalho da Relize foi gravado, mixado e masterizado no Estúdio Choque DB entre janeiro e março deste ano. A produção é assinada pelo Renan Toledo e a banda.

Mas nem tudo é simples assim – bem que podia ser – nesse meio tempo outras pessoas passaram no grupo de maneira interina e como todos sabem é difícil encontrar a formação ideal. Ainda mais depois de um baque desses de 2/3 do grupo seguirem direções opostas.
[Hits Perdidos] Como surgiu a amizade de vocês e quando sentiram que era mesmo uma chance de um novo recomeço para a Relize?

Igor: Era bem claro na minha cabeça que a banda não ia acabar mesmo quando 2/3 dela saiu,eu iniciei uma busca pelas pessoas certas que estivessem alinhadas com o objetivo da banda, conheci o CH4 pela internet, conversamos bastante, colocamos todas as cartas na mesa, alinhamos os objetivos e decidimos fazer o EP com uma baterista convidada enquanto procurávamos um batera fixo já que estava sendo bem difícil conseguir.
O Marcião apareceu meio de surpresa nos 45 do segundo tempo, ele não estava procurando nenhuma banda mas coincidentemente ele havia acabado de sair de uma, mandei uma mensagem, depois mandei as músicas e ele só falou “marca um ensaio”. Depois daí foi fácil, logo quando ensaiamos juntos sentimos que dava liga e a partir daí foi só aprofundar a conexão e as afinidades.

Após o recomeço era a hora de arregaçar as mangas e ir direto para o estúdio. A política da banda sempre foi lançar bastante material em um curto período de tempo para trabalhar melhor seus shows. Foi assim que nasceu Renovo (2016), o primeiro registro com a nova formação.

 
O novo EP é calcado em versões de antigas composições em sua maioria, o folk, uma das paixões de CH4 ganhou ainda mais território em forma de versões acústicas. Um disquinho que tenta através de relações humanas conversar com o ouvinte como se eles estivessem sentados no divã desabafando sobre as vivências. Sendo elas frustrações ou superações.
“Ela” abre Renovo (2016) a composição de CH4 e a letra foi feita por Igor. Ele mesmo toma frente e nos explica o significado:

Igor: “Conta a história que pode muito bem de ser a de muitas meninas por aí, ser mulher não é fácil e tentamos do nosso ponto de vista mostrar compaixão e empatia com isso, acredito que tenha funcionado”

Com uma melodia que lembra a Plebe Rude e o Legião Urbana em sua estrutura, a canção narra o dia-a-dia de uma garota. O sofrimento com o assédio em locais públicos, a violência doméstica entre outros pesadelos são retratados na faixa.
A denúncia inclusive é sentida na pele de milhares de mulheres todos os dias nas mais diversas situações, como por exemplo o assédio sexual em locais como o mercado de trabalho ou por usar certo tipo de roupa. Uma batalha de todos os dias e é legal ver uma banda se importando com o assunto e tentando plantar uma nova visão na cabeça de muitos homens com ideias atrasadas: sem o menor respeito pelo bem estar alheio.

Na nova formação aos 45 minutos do segundo tempo Marcião assumiu as batera.

“Longe de Algum Lugar” é uma composição antiga que Igor decidiu regravar nesta nova fase. Ele conta que a composição surgiu depois de presenciar bem em sua frente uma pessoa partindo para outro plano astral. E ele sente que podia ter ajudado a situação ter sido diferente, então a canção é cheia de remorso e espiritualidade.
Como disse a banda tem como influências em sua outra fase hardcore melódico, até teve parceria com Teco Martins no currículo, então sentimos que esta composição tem um pouco disto.
[Hits Perdidos] As histórias por trás das canções tem um teor bastante pessoal e afetivo através das vivências. Tendo uma carga emocional bastante forte no resultado final. “Longe de Algum Lugar” fala sobre a despedida de uma pessoa querida para outro plano, ao mesmo tempo que tem um sentimento de remorso pelo que podia ter feito. O que me remete a uma certa religiosidade, o que vocês acreditam?

Igor: Acho que é impossível não relacionar a música com algum tipo de religiosidade, música tem a capacidade de mexer com os sentimentos das pessoas, seja aquela música de festa que faz você dançar seja um som mais “cabeça” que te faz refletir e acho que isso é uma coisa muito forte, chega a ser uma responsabilidade de certa forma. E isso é ligado a religiosidade que também age com os mesmos princípios de mexer com o imaginário, com o sentimento das pessoas.

Relize, nova fase: Renovo

Em seguida vem “Vendo o Tempo Passar” é uma regravação do último trabalho Tudo em uma Embalagem Só (2015) e uma das composições favoritas de Igor. A melodia foi feita pelo antigo baixista do grupo, Ennyo Viegas. Na nova versão ganhou todo o espírito Good Vibes na voz de Ch4.
Se gosta de Pense, CPM 22, Noção de Nada, Hateen e Rancore provavelmente vai pirar no som. Como eles mesmo dizem é ideal para pegar uma estrada, quem sabe para pegar uma onda, reunir os amigos, se aproximar da natureza e contemplar essa troca de energias.
[Hits Perdidos]  “Vendo O Tempo Passar” tem uma atmosfera das bandas de hardcore melódico nacional, por mais acústica que seja. Seria uma influência na hora de escrever?

Igor: Sim, com certeza, a música original que está no nosso EP Tudo em Uma Embalagem Só é praticamente um hardcore melódico, somos admiradores do estilo porém não deixamos isso limitar nossos desejos e a sonoridade da banda.
Acredito que com a formação anterior as músicas tenham mais essa característica de hardcore melódico do que as músicas novas.E a versão acústica acho que tem mais ainda a ideia de ressaltar a letra e a melodia da música que acredito eu que tenham ficado encobertas na versão original, a interpretação do CH4 na música que era originalmente cantada pelo Ennyo deu uma atmosfera intimista.

A canção que fecha o disquinho é “Ao Menos um Segundo” tem uma atmosfera bastante diferente das outras canções mas eu acredito que isso contribui de maneira positiva no saldo final. A faixa contra com a participação de Marcela Magalhães que é prima do CH4 e solta o vozeirão.
Ao som de assobios e uma levada mágica alá Sala Espacial, ela é uma canção pop pronta para tocar nas rádios. No melhor dos sentidos. E de certa forma fecha o disquinho carregada de positividade e com as baterias renovadas.
[Hits Perdidos] Quais as inspirações para o novo trabalho, Renovo? E porque “Renovo”? Tem algo a ver com essa nova fase da banda?

Carlos Henrique (CH4): As inspirações sem dúvida vieram do rock nacional dos anos 80 e 90, do qual eu ouço muito, mas também inclui alguns elementos do rock instrumental e folk rock. O título inicialmente era RE-NOVO, que dá uma alusão de reinventar algo e ao mesmo tempo criar algo totalmente novo. No final, decidimos colocar “Renovo” pois renovamos toda a essência da banda, então o título tem sim a ver com a nova fase da banda.

Como é um EP de transição e final de um outro ciclo ele é como o nome diz: renovador. A quebra de conceitos, barreiras e novos pensamentos dando liga na nova formação. Novos tempos, novos rumos e muita estrada pela frente. Como uma fênix, a Relize ressurge.
[Hits Perdidos] Quais as influências em comum que fizeram com que desse certo a parceria?

Carlos: Bem, eu tenho uma formação musical bem parecida com a do Igor, ambos gostam de Engenheiros, Paralamas, Legião, Titãs. Porém existe a diferença que eu sou meio desatualizado (risos). Escuto muito sons antigos, acho que a coisa mais nova que tem no meu celular é de 1999. Já o Igor ouve muitas bandas do cenário atual, e isso é transferido nas músicatudo isso junto no final da uma sensação nostálgica e ao mesmo tempo renovadora.

[Hits Perdidos] Quais bandas da cena nacional recomendariam para os leitores do Hits Perdidos?

Planar, La Glenda, Candido, Soundbullet, Moldar, Vespas Mandarinas, 220 Revolts, Orgânico, Hell’s Butterfly, Romahals e muitas que não dá pra lembrar (risos). Conta Igor

[Hits Perdidos] Para fechar, quais os planos depois do lançamento do Renovo?

Igor: Objetivo é rodar fazendo shows e divulgando o EP, a banda sempre lançou um EP novo em um curto espaço de tempo então nunca “gastamos” um EP na estrada ou divulgando e acho que agora vamos levar o Renovo até o máximo do máximo que der e aí depois pensaremos em músicas novas.

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This post was published on 20 de maio de 2016 12:35 am

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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