Afogados na decadência do hard rock farofa dos anos 80, vieram os anos 90. Estes que grupos influênciados por Pixies, Husker Dü, Replacements, Sonic Youth, The Melvins, Superchunk, The Vaselines, The Breeders entre tantos outros decidiram se rebelar com todo esse poço sem fim em que o rock se encontrava.
Sim, poço sem fim. Visto que o tão transgressor gênero que chocava as multidões e fugia do completamente aceitável, tinha sido digerido com o passar do tempo: e parecia a cada dia mais inofensivo.
No meio dessa calmaria em uma cidade aparentemente pacata, alguns jovens estavam fazendo um som um pouco mais sujo, ao mesmo tempo que de certa forma inovador. A cidade era Seattle, e o grunge começava a ganhar forma.
Grupos como Pearl Jam, Soundgarden, Mudhoney, Screeming Trees, Alice In Chains começavam a mostrar os ares daquela cidade sombria e cheia de angústia em suas ruas. Era o resultado da falha do sonho americano, lares desfeitos, pessoas desempregadas e muita angústia presa no coração.
Gravadoras como a Sub Pop, ainda nem tinham muito destaque e eram praticamente amadoras, algumas bandas tentavam mandar seus materiais para selos de fora, como por exemplo a Dischord – famosa por alavancar bandas de punk.
Mas foi com o Nirvana e o sucesso estrondoso de Nevermind (1991) lançado pela DGC que as pessoas começaram a tentar rotular o som e ir atrás do que estava realmente acontecendo a alguns anos em Seattle. O som dos garotos do subúrbio, deixava de ser underground, toda garagem virou um mini selo e toda grande gravadora queria descobrir o NOVO Nirvana.
Enfim não vou me alongar na história mas recomendo os documentários: 1991: The Year Punk Broke (2011) e Hype (1996).
Hoje vamos falar de uma banda que tem o grunge em seu DNA, e se destaca por seu profissionalismo e atitude rock’n’roll. Formada em 2009 vinda do interior de Minas Gerais, a Mad Sneaks tem a premissa de fazer seu rock mesclando grunge, punk, new metal dentre outras influências.
O power trio é composto por Agno Dissan (guitarra/vocal), Amaury Dias (bateria) e Adriano Lima (baixo). Eles lançaram em 2013, seu primeiro disco Incógnita, este que tiveram a oportunidade de trabalhar com a lenda dos estúdios: Jack Endino.
Para quem não é muito ligado nesse lance de produção musical apenas citarei alguns trabalhos em que ele ganhou notoriedade e respeito: Nirvana – Bleach (1989), Soundgarden – Screaming Life (1990), estes que abriram espaço para ele trabalhar com artistas como L7, Screaming Trees, Supersuckers, The Gits, ZEKE, Therapy?, Burning Heads, Bruce Dickinson (Iron Maiden) e alguns discos do Titãs.
Na curiosidade de saber mais sobre os Mad Sneaks, realizei algumas perguntas que foram respondidas pelo baterista, Amaury Dias.
[Hits Perdidos] Como surgiu a banda?
“Dois amigos procurando algo de interessante para fazer em uma cidade com população inferior a 20 mil habitantes. Não deve ser difícil imaginar que não existe muita diversão em uma cidade assim para dois completos estranhos em seu próprio ninho.”
[Hits Perdidos] De onde veio o nome e quais as principais influências?
“Quanto ao nome da banda, é uma historia um pouco estranha.
Na época estávamos procurando um nome, até que um dia um de nós chegou bêbado em casa e resolveu assistir TV, em um dos canais estava passando uma mulher dançando com uma cobra albina e o cara teve a “brilhante” ideia de chamar a banda de Mad Snakes (Cobras Loucas), felizmente ao digitar o nome houve um erro e foi escrito Mad Sneaks. A situação ficou engraçada e resolvemos adotar o nome definitivamente.
Sinceramente, não importamos se realmente existe um significado real e direto para o nome da banda, a situação foi tão fora do normal que não havia o que fazer, esse seria o nome da banda para sempre.
Nossas influências são basicamente as mesmas, isso certamente ajudou o Mad Sneaks a ser o que realmente é. Gostamos de bandas como Nirvana, Local H, Pearl Jam, CPM 22, Helmet, Alice in Chains, Violent Soho, Mudhoney, The Virginmarys, Social Distortion, Queens Of The Stone Age, Soundgarden, Ramones, Rancid.”
[Hits Perdidos] Como foi a experiência de trabalhar com o ícone do grunge, Jack Endino?
“Obviamente foi uma experiência incrível, uma grande realização pessoal!
Endino é um cara muito inteligente e realmente sabe o que está fazendo quando o assunto é música, principalmente em relação ao nosso tipo de música e influências.
Ele nos deixou completamente à vontade para dar opinião em tudo, mas não foi necessário tendo em vista que ele entendeu perfeitamente o som da banda já no primeiro contato.”
[Hits Perdidos] Pelo que vi vocês gravaram parte do CD no Rio de Janeiro, como foi a experiência?
“O Super Fuzz foi uma experiência ímpar. É impossível estar naquele estúdio e não sentir toda a energia que existe lá dentro.
Foi nossa primeira experiência com um estúdio profissional, mas todo o clima nos deixou completamente tranquilos e o resultado foi um álbum de que temos muito orgulho, algo real, feito por humanos, com algumas pitadas de imperfeições, como um álbum de rock deve ser.”
[Hits Perdidos] O Goiânia Noise Festival é realmente um grande celeiro do melhor que tem surgido em termos de rock alternativo/stoner no país. Como surgiu o convite?
“O contato foi feito através de um grande amigo chamado Eduardo que tinha uma ótima produtora em Curitiba, a Raio X Música. Através de alguns contatos entre a produtora e o festival o Mad Sneaks foi convidado para o festival. Foi um show muito divertido. Havia energia por todo lado, o palco ficou literalmente no chão depois do show.”
[Hits Perdidos] Ao ouvir o som de vocês consegui sentir bandas que o pessoal não costuma ter muito como referência na sonoridade, como Local H. Ao mesmo tempo que nas letras senti uma levada punk nas composições alá Titãs em sua simplicidade e mensagem direta. Seriam influências? Como é o processo de composição?
“Local H é definitivamente uma grande influência, é uma banda que admiramos muito e acompanhamos os trabalhos há muitos anos. É realmente uma pena não serem uma banda com todo espaço que merecem!
Trabalhamos sempre para que nossas canções sejam sinceras. Isto é o que realmente nos importa. As mensagens podem variar desde um assunto sério, até algo com ironias e críticas. O que costumamos dizer é que o ouvinte poderá entender as musicas ao seu próprio modo se escutar de verdade, livre de rótulos e preconceitos, da maneira que ele achar que deve ser, não há regras, apenas sinta da sua própria maneira.”
Como dito anteriormente em 2013 veio o lançamento do disco Incógnita. Como de praxe, faremos um review faixa-a-faixa dissecando o álbum por sí só. Mas antes disso questionei qual a mensagem que eles queriam passar neste trabalho.
“O que diabos é Mad Sneaks, quem são eles? Essa foi a ideia básica. Queríamos deixar as pessoas descobrirem quem a gente era, não queríamos empurrar uma imagem /som goela abaixo.
Essa é uma grande parte da musica, deixar que as pessoas entendam por elas mesmas, você não precisa de ninguém dizendo o que é determinada coisa, você pode descobrir por você mesmo.
Queremos que as pessoas escutem o álbum e pensem nisso, que tentem decifrar e se identificar com a musica, que não seja apenas mais um álbum na sua prateleira ou uma pasta perdida em seu computador.” conta o baterista, Amaury Dias
O álbum se inicia com a instrumental “Canção Sem Fim”, esta que já mostra a fúria e a ira logo nos primeiros acordes. Com elementos de metal e batida punk rock ela cria uma atmosfera sufocante no ouvinte, a linha de baixo está aí para te deixar nervoso e com vontade de quebrar tudo.
“A Cura”, é a segunda faixa do disco e a atmosfera sufocante da primeira faixa se justifica. A música que inclusive ganhou um webclipe, tem influências explicitas de Soundgarden e Alice In Chains nos riffs de guitarra e batidas Nirvanescas. Sobre seu significado Amaury nos responde:
“Busca seria uma boa palavra para definir essa música. Todos nós seguimos nossas vidas buscando algo, sejam respostas, soluções, ou apenas combatendo nossos demônios pessoais. Cada ser vivo busca a sua própria cura, da sua própria maneira.”
Já em “Pandora” podemos sentir a atmosfera de grupos como Pearl Jam, Screaming Trees e R.E.M. no instrumental, este que também conta com o adendo de violinos que deixam a canção ainda mais melancólica. Os arranjos são bem elaborados e se você fecha os olhos se vê numa Seattle em chamas.
Como dito por Amaury na entrevista, suas letras são simples e diretas. Nesta música eles procuram a paz e o equilíbrio da alma. Uma maneira de certa forma, curar a dor fruto das agonias da vida.
Em “Sangue Sujo” o lado sujo do grunge de grupos como Nirvana e Local H é percebido. Punk rock corrido, ela tem quebras em alguns momentos com elementos do metal de bandas como Helmet. Sua letra é completamente sombria, e ganhou um clipe igualmente macabro.
[Hits Perdidos] Através de uma dramatização alá filmes de terror, no melhor estilo Jogos Mortais, o clipe de ”Sangue Sujo” testa os limites de sanidade do ser humano. O que seria o ”puro sangue” na letra, alguma denúncia?
”Diretamente, não há uma denúncia na música/clipe. Na letra fala sobre o “puro sangue de ovelha negra”, se trata de um sentimento, talvez de uma pessoa que já esta cansada de lutar por coisas que ninguém mais importa, ou julgam injustamente.
O clipe foi propositalmente criado para ter um clima sombrio e carregado, com cenas de gravações no estilo das câmeras Super 8, para que o espectador possa sentir aquela agonia proporcional quando passamos por algum tipo de pressões emocionais em nossas vidas.
É uma musica com muita energia concentrada, como uma bomba pronta para fazer o seu trabalho a qualquer momento.” Amaury Dias
“Coma” é cheia de agonia, medos e frustrações. Fala sobre a batalha que temos contra nossos próprios medos que nos impedem de seguir em frente de nossos sonhos. Perturbar é o objetivo principal dela, seus arranjos passeiam pelo grunge de Alice In Chains e Soundgarden.
Já “Armas, Rosas e Fogo” tem uma atmosfera apocalíptica mais uma vez podemos notar o Nirvana atacando nas transições rápidas, ao mesmo tempo que um pouco distorção alá Sonic Youth em alguns riffs de guitarra. A personagem luta para não se render na luta diária que é sobreviver numa sociedade repleta de ciladas, caos e violência.
“Rótulo” é punk sem frescura alguma, e sua letra é bastante crítica. Com levadas de baixo que lembram as de Matt Freeman (Rancid), ela começa calma e explode no refrão. E logo se revela lisérgica através de loops de distorção dignos do rock alternativo do fim dos anos 80/início dos 90.
A letra merece destaque pois é realmente muito boa, o refrão fica feito chiclete na sua cabeça:
“Primata vê,
Primata faz (X3)
Outra vez” – “Rótulo”, Incógnita (2013) – Mad Sneaks
Aliás a canção através de seu clipe levanta bandeiras importantes além de denunciar comportamentos que insistem em permanecer em nossa sociedade.
[Hits Perdidos] O belíssimo clipe de ”Rótulo” através de uma animação denuncia problemas sociais como homofobia, violência doméstica, bullying, terrorismo e corrupção. Como surgiu a ideia? Qual o posicionamento da banda para essas causas? Vi nos quadrinhos o episódio lamentável da lampadada que aconteceu naquele mesmo ano. Num futuro trabalho querem denunciar que tipo de coisa?
“Inicialmente não era para ser um clipe em animação, felizmente as ideias foram chegando e vimos que era impossível tirar as ideias do papel de forma “normal”.
O caminho natural foi pensar em uma animação que pudesse retratar tudo o que queríamos de uma forma fiel às nossas ideias, algo real, palpável e que realmente pudesse ser sentida por quem estava assistindo. O trabalho final ficou algo com uma gráfica fácil de ser digerida, mas abordando assuntos que são muito sérios.
Como banda somos contra todas as brutalidades que somos forçados a acompanhar diariamente, o clipe deixa bem claro o posicionamento da banda em relação a tudo isso.
Gostamos do resultado deste clipe, temos várias outras ideias e temas que também caberiam em animações. Vamos deixar fluir e tudo se encaixará em seus devidos lugares num futuro bem próximo.”
”Medeleine” poderia ser facilmente uma música do Nirvana, com batidas alá David Grohl ela tem a energia pesada e suja. Ela parece falar sobre o suicídio de uma garota, que cansada de tentar viver nos moldes da sociedade, escolhe pelo caminho mais curto: dar um fim em sua vida. Seria Medeleine, Kurt Cobain? Esse é um mistério que fica no ar.
A faixa escolhida para fechar Incógnita (2013) foi a irreverente e brutal, ”Biocida”.
[Hits Perdidos] Assim com o grunge, o álbum tem músicas explosivas e outras mais calmas e melancólicas. Biocida por exemplo me remeteu ao acústico MTV Unplugged do Nirvana, só que no trecho da metade para o fim transita para a parte elétrica feito um tiro, assim conseguindo juntar os dois extremos. De onde veio à ideia?
“As músicas dos Sneaks quase sempre saem de uma jam session que sempre fazemos antes de começar os ensaios, é uma parte muito importante do nosso processo criativo. Precisamos dessa energia inicial para colocar tudo no lugar, ou fora dele.
Biocidafoi um grande presente que recebemos de uma dessas milhares de jam session. Agno Dissan criou a parte inicial e a música simplesmente nasceu.
Nós sabíamos que ela não poderia terminar na primeira parte, foi ai que Dissan adicionou a parte pesada/rápida e a musica se tornou a faixa que encerra o Incógnita. É impressionante como nosso processo de criação vai fluindo de forma natural e espontânea, parece algo mágico… Talvez até seja realmente para nós.”
Em um álbum bastante rico em composições, cheio de arranjos e preocupação mínima nos detalhes, a banda parece logo em seu primeiro álbum ter descoberto sua essência. Algo que foi fruto das boas experiências em estúdio que lhes renderam a oportunidade de trabalhar com um mestre do grunge, Jack Endino. Os shows são energéticos e parecem ter toda a pirotecnia que grupos como Mudhoney fazem com maestria. It’s all about rock’n’roll, fellas!
Aliás o álbum foi bem recebido não só no país, como ganhou espaço em diversas mídias no exterior. Sabendo disso questionei:
[Hits Perdidos] Como é lidar com essa repercussão boa no exterior? Já surgiram convites para tocar lá fora?
“É ótimo, é sempre bom saber que existem pessoas por ai que acreditam no que você faz, dentro ou fora do país.
Já tivemos alguns convites para uma pequena turnê nos EUA e alguns países da Europa e estamos sempre conversando com pessoas do mundo inteiro, tentando viabilizar uma grande turnê.
Infelizmente ainda não foi possível por alguns fatores, acreditamos que tudo isso possa acontecer junto ao lançamento do segundo álbum.”
Para finalizar perguntamos sobre os planos para este ano que mal começou mas que parece estar com tudo. Além de claro, perguntar quais bandas eles destacariam da cena local.
[Hits Perdidos] Quais os planos para 2016? O novo disco já tem previsão? E quais bandas que tão na correria também, destacaria?
“Gravar e lançar o próximo algum será um dos grandes passos para 2016, além de tocar, é claro. Queremos estar na estrada o máximo que conseguirmos, é a nossa paixão! A maioria das musicas do próximo álbum já estão prontas. Temos algumas musicas que consideramos matadoras e estamos ansiosos para darmos vida a elas.
Estamos fechando algumas parcerias para que o álbum tenha uma distribuição maior e se possível, também em outros países. Não temos uma data certa, mas esperamos lançar o mais breve possível.
Temos alguns amigos que estão na estrada como: 18 Voutz, Gambiaha, Leave me Out.
Todas estão fazendo o seu próprio barulho e lutando para ter seu espaço garantido, com excelentes trabalhos e que valem a pena serem ouvidos.”
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This post was published on 18 de fevereiro de 2016 7:04 pm
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