Por mais que tudo parecesse calmo, em uma sexta-feira aparente normal na cidade de São Paulo, os ânimos estavam se exaltando ao passar da tarde. Não era para menos, o misto de ansiedade e incredulidade estava no ar, afinal era dia de ver Iggy Pop – The Godfather Of Punk – em ação.
E minha história com Iggy e seus Stooges começa dez anos atrás em um dos melhores festivais já realizados nesse país: o Claro que é Rock! (2005).
Além do Stooges o festival reuniu bandas como Cachorro Grande, Nação Zumbi, Sonic Youth, Good Charlotte, Fantômas, Flaming Lips e Nine Inch Nails. Vários shows memoráveis em pouco mais de 10 horas de festival, deixando qualquer line-up de Lollapalooza com inveja – ao menos nas edições nacionais.
Eu tinha quinze anos recém completos e lembro bem de ter me assustado com aqueles senhores dominando o palco e mostrando os dentes e as garras. Era tão selvagem que intimidava quem estava na grade que era convidado para bailar ao som do proto-punk energético que consolidou os Stooges como uma das bandas mais incríveis da história do Rock.
De lá para cá muita coisa aconteceu, em 2010 por exemplo a banda entrou no Hall da fama do Rock’n’Roll que por mais que hoje em dia seja considerado por muitos uma grande piada de mal gosto – por abranger vários estilos e ser digamos limpinho/diplomático demais para o gênero que tempos atrás era visto como transgressor e visceral – é algo a celebrar.
Outro fato que impossibilita de rever-mos o Stooges com seu plantel original – e que dificulta grandes novos trabalhos, visto que os últimos dois trabalhos estão bem aquém do que pode-se esperar deles – é a morte.
Nos últimos anos a bruxa veio e foi caçando cada um dos patetas. O baterista Scott Asheton se despediu do circo no ano passado, seu irmão, o lendário guitarrista Ron Asheton, faleceu em 2009. E recentemente, o saxofonista – que não é original mas que gravou o Fun House (1970) – e vinha excursionando com o grupo desde 2003, nos deixou.
Sendo assim, Iggy Pop praticamente é o último Stooge original vivo – resalva de que James Williamson assumiu a guitarra depois da meteórica passagem de Bill Cheatham em 70 – fato com que faz com que quando vemos turnês atualmente nos deparemos com nomes como Mike Watt (Minuteman) no baixo, e Toby Dammit – que também faz parte da banda do genial Nick Cave.
No clima de tensão e muita emoção contida, os minutos que antecediam ao apocalipse pareciam não passar. O público meio que não lotava a pista faltando menos de 10 minutos para o show. Fato que não reclamei pois pude ver o show de uma distância razoavelmente boa – e ainda conseguindo respirar, – por breves instantes – algo raro em shows do estilo.
Para quem ainda acha que esse show por ser dele solo perde um pouco da magia, em poucos instantes já muda de percepção. Convenhamos a carreira solo de Iggy acumula diversos hits de discoteca, alguns brilharam nas telonas e outros naturalmente ao ouvir pela primeira vez já te colocam para dançar.
Iggy teve seu primeiro disco co-escrito e gravado com colaborações de David Bowie (The Idiot (1977), – que de vez em quando aparecia tocando teclados ao lado dos Stooges. Ele também tem em seu currículo – “Candie” (1990) – canção radiofônica que chegou ao Top 20 das paradas de sucesso com Kate Pierson (B-52’s), e até canção com – o carne de vaca do rock’n’roll – Slash, que até a cartola chupinhou do T. Rex mas tudo bem, o rock é cheio dos folclores mesmo.
Poucos minutos depois do horário prometido – 00:30h – e com o público aos prantos subia ao palco a banda de apoio de músicos afiados, segundos depois vinha o lorde, o mito, a lenda I-G-G-Y P-O-P!
E ele tratou de já emendar dois sons dos Stooges, “No Fun” (The Stooges (1969)) e “I Wanna be Your Dog”, ambos hits inesquecíveis do primeiro álbum. Há quem diga que ele logo queimou dois ases do baralho na primeira rodada, mas meu amigo: o caldo ferveu. Cervejas foram arremessadas para o alto, rodinhas se formaram e o que vinha a seguir era um pouco da história da música.
Sem perder o fôlego – e o rebolado bitch please – Iggy parte para duas canções de seu repertório solo. Mas quem pensa que ele diminuiu o ritmo, erra feito, tipo colocar a cara na frigideira com água fervendo.
O vovô – que pela energia e magnetismo de vovô não tem nada – começa a tomar pose para cantar “The Passenger”, momento esse que os presentes foram a loucura e cantaram os versos de maneira tão vibrante que foram capazes de tirar sorrisos do simpático velho de guerra que agradecia o carinho e o afeto que recebia com beijos e palavras doces.
Não deu tempo nem para respirar e já era possível ouvir os primeiros acordes de “Lust For Life”, canção que o clássico filme Trainspotting (1996) que Dany Boyle fez questão de eternizar em sua trilha. Neste momento Iggy Pop já realizava seu segundo Stage Diving e o roadie corria de um lado para o outro desesperado para fazer um check-up para ver se todos os ossos dele estavam no lugar certo.
Pouco tempo depois Iggy toca a intimista “Sixteen” em que ele dança sensualmente e provoca o público com os versos vorazes e galanteadores da canção. Aliás ele flerta com o público em inúmeras canções, arregala o olho em clima de paquera em canções como “Skull Ring”, em que liga o radar e busca as mulheres presentes, no melhor estilo: Gimme Danger de ser.
Mas como disse antes: respirar era opção neste show. Era a vez de “1969” – faixa do álbum de estreia dos patetas – e me perdoem as palavras em caps lock mas QUE SOM FODA. Iggy Pop parece ter um tesão reprimido que liberta ao cantar qualquer canção de sua banda. Parece uma volta ao tempo em que ele não cansa e apenas clama por mais dias de CBGB.
Quase em seguida, Iggy mostra seu gosto musical em um cover de “Real Wild Child (Wild One)” (Johnny O’Keefe & The Dee Jays) em que nos anos 80 ganhou um clipe todo cheio das provocações na parte sensual alá Billy Idol.
A pista da discoteca estava liberada, o que abriu passagem para as dançantes “Nightclubbing” e “Some Weird Sin”, Iggy inclusive imitava por vezes aviões ao virar de costas para o público, fazia caretas, se fingia de animal, o demônio estava no corpo do indivíduo – se é que algum dia saiu dele, não é mesmo?
Mas nesse momento eu meio que previa o que estava por vir e tomei uma grande decisão: Ir para frente nos primeiros versos de “Search And Destroy” (Raw Power (1973) – canção obrigatória nos sets da Debbie Hell – e me jogar no pogo. Não consigo descrever a felicidade em gritar os versos:
I am the world’s forgotten boy
The one who’s searchin’, searchin’ to destroy
And honey I’m the world’s forgotten boy
The one who’s searchin’ only to destroy
Ainda meio tonto e tentando me reerguer emotivamente e fisicamente ouço os primeiros versos de”Raw Power” – do mesmo disco por mais óbvio que isto pareça – e vou ao delírio. Sempre que me pergunto qual o meu disco favorito do Stooges eu meio que entro em colapso nervoso – então nem TENTEM para eu não entrar em parafuso.
Depois de uma águinha, afinal 68 anos amigos – eu me vejo em 5 não tendo mais o pique dele – ele pergunta: Are You Bored?
A provocação era clara, I‘m Bored era a próxima canção. Apesar da tentativa mesmo estando próximo ao palco era possível observar que grande parte do público desconhecia a canção, uma pena pois é crua e letal.
Lembram da parceria David Bowie e Iggy Pop, a próxima canção “Funtime” (The Idiot (1977) é fruto dela. Aliás olha eles juntos cantando ela em um programa de TV:
E uma ótima sequência para abrir caminho para um clássico dos Stooges, não é mesmo? Ainda mais se for do Fun House (1970) – pois é amigos, o nome da balada tem uma linda e ilustre origem – era hora de congelar no tempo e ouvir verso a verso de “Down On The Street”.
Mas a última carta estava na mão de Iggy e sua trupe, e nada melhor que uma canção que homenageia sua eterna banda de coração, “Dum Dum Boys”.
Well where are you now my
dum dum boys
Hey are you alive or dead
Have you left me the last
Of the dum dum daze
Melancólica mas uma linda homenagem a uma banda que talvez tenha tido a história mais turbolenta, rock’n’roll e superou qualquer rótulo, destruição, drogas, mortes e que todo mundo merecia ter visto ao menos uma vez na vida os Dum Dum Boys, apelido carinhoso que Iggy deu aos Stooges.
O show te deixa extasiado, trêmulo, sem voz, querendo correr. Iggy Pop te petrifica, te domina, te empolga. Meus amigos, o dia que ele não estiver aqui: um pouco da graça e do espírito jovem, não estará mais aqui. Uma lenda, um mito, uma banda, muitas memórias. Um Stooge é Um Stooge. Que sortudos os que estiveram presentes, que sortudos!
Setlist
This post was published on 20 de outubro de 2015 2:00 pm
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