Em show histórico Ludovic faz ode aos excluídos

 Em show histórico Ludovic faz ode aos excluídos
Muitas emoções e muita história do underground paulistano para um dia só. É até de certa forma difícil começar a escrever esta resenha, confesso que me faltam palavras para definir tudo que se passou no palco da comedoria do Sesc Pompeia.
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Ludovic subiu pela primeira vez no palco do Sesc Pompeia. – Foto Por: Rafael Chioccarello

Histórico. Catártico. Emocionante. Inesquecível. Intenso. Seriam palavras que me remeteriam a flashes daquela uma hora e vinte cinco minutos em que o Ludovic esteve no majestoso palco do Pompeia.
Não é de hoje que ouço falar sobre a intensidade, a entrega, o vigor, o respeito e o entusiasmo das apresentações da banda. Principalmente de lendários shows realizados em lugares onde não existia palco, onde não existia a mínima condição para acontecer um evento de rock.
Em que muitos nunca tinham ouvido falar da existência da banda e saiam fãs. Isso é um registro de toda uma geração que aprendeu a fazer música na base da porrada, na base do “vamo aí” arranja um baixo porque QUERO estar em uma banda.
Na base do vamos viver isso da maneira mais verdadeira possível. Pode demorar anos mas alguma semente é plantada, e eles felizmente estão podendo colher em uma noite cheia de aplausos e contendo na plateia várias bandas que não existiriam sem aquela poesia, fibra e intensidade.
Além desses fatos, a entrega e a imagem icônica de Jair é folclórica dentro do cenário paulistano. Os relatos de sua entrega no palco na fase que muitos o consideravam “doido varrido” foram sendo transmitidas entre grupos de amigos mesmo depois do fim da banda em 2009.
De fato encarnava na frente do microfone e não tinha para ninguém, quem sofria muito era seu baixo, esse que muitas vezes perdia a vida ainda na terceira canção. Ele mesmo durante a apresentação no Sesc citou uma série de histórias que eternizaram e mantiveram a banda viva no inconsciente de novos fãs que não pararam de surgir.
Até que preservou pois as histórias que contam contém uma série de ótimas e viscerais atuações no palco, onde se atirava e vivia cada show como se fosse o último. Talvez isso criasse uma identificação instantânea com quem presenciava aquelas apresentações. Jair sempre se postou no palco no mesmo nível com o público e com certeza isso encorajou muitos a decidirem ter uma banda.
Talvez esse seja o maior legado do Ludovic, além dos álbuns Servil (2004) e o aclamado Idioma Morto (2006) o grupo continua a inspirar muitas novas bandas. Um exemplo mais direto e com alta relevância dentro do cenário atual nacional é o Gorduratrans (RJ). Que lançou no ano passado o excelente repertório infindável de dolorosas piadas (2015).
Lançado – quase – 10 anos após o clássico Idioma Morto o álbum traz referências não apenas ao seu nome que faz referência a terceira faixa do disco – “Nas Suas Palavras” – mas em canções como “sozinho e babaca” que só existe por conta dos versos de Jair. Fiquei feliz demais quando estive presente no Prêmio Dynamite e o álbum dos cariocas foi coroado.
Pude ver um show do Jair que os convidou para abrir para ele na Casa do Mancha no ano passado. Achei a atitude do convite muito legal, e de verdade eu fico feliz quando vejo artistas de uma geração passando o bastão e apoiando. É algo que falta mais no cenário independente e que deveria servir de exemplo.
Com carreira solo consistente o talento para a escrita nunca se foi. Tanto nos discos do Ludovic quanto no disco Trovões a Me Atingir (2015) conseguimos encontrar várias pérolas poéticas que nos servem para refletir sobre vários altos e baixos da vida.
Costumo brincar que suas letras a primeira na primeira vez que você ouve soam como um café amargo e que é difícil digerir. Lembro que conheci o som da banda quando esta já estava póstuma. Meados de 2010/2011, na primeira ouvida eu achei estranho porém poético.
Até que passei por algumas situações que me vieram abrir os olhos para outras interpretações e questionamentos sobre nossa mediocridade humana e o vazio. Não é fácil admitir nossa loucura, que erramos, que somos feito de tolos, que muitas vezes nos humilhamos e destruímos internamente.
A partir daí o Servil (2004) começou a rodar na minha biblioteca do Itunes, o que me fez me interessar por The Jesus and Mary Chain, Slowdive, My Bloody Valentine e me aprofundar no Sonic Youth. Por mais que não seja um disco que abranja esse leque de bandas para mim fez sentido colocar tudo no mesmo balanço e cara não foram os melhores dias. São canções que doem mas é da dor que reinventamos nossa maneira de enxergar a vida para poder transformar.
Até porque Servil tem muito de se humilhar, maltratar, se jogar na vala e colecionar inúmeros vexames. Já o Idioma Morto de maneira engraçada me “bateu” diferente, já estava numa fase que pirava em tudo que beirasse o Foolish (1994) do Superchunk. Foi aí que comecei a entender que toda aquela playlist maluca que eu organizei tempos antes fazia todo sentido.
Eu agradeço por esses discos existirem. Acho que deveríamos ser mais gratos a alguns discos que nos fazem de certa forma repensar as pequenas mediocridades da vida nos jogando na fossa para mostrar que tudo passa.
Muitos anos se passaram dessas “descobertas” e isso fez com que tudo aquilo fosse amadurecendo internamente. Perdi alguns shows de reunião do Ludovic, isso é um fato. Porém desta vez eu acho que estava devidamente preparado para tal ato.
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Os clássicos de Servil (2004) e Idioma Morto (2006) tiveram espaço no setlist. – Foto: Rafael Chioccarello

Em tempos de instabilidade política a chegada da banda a um palco bem diferente do que estavam acostumados desde os tempos do Idioma Morto era algo enorme não só para eles mas para toda uma geração, ex-membros, famílias, amigos e para muitos que ali presentes que tem banda. Era a vitória de todos.
Jair já tinha subido outras vezes no palco do Sesc porém como convidado de outras bandas em curtas participações. Em entrevista para o portal Vírgula ele até comenta sobre a emoção de subir no mesmo palco onde aconteceu o Festival O Começo  do Fim do Mundo (1982) – um marco para o punk no país.
O show de certa forma foi de fato um abraço coletivo nas devidas proporções. Ao subir no palco do Sesc todos estavam muito nervosos e isso estava estampado em suas faces. Tanto na de Jair como na de Zeek, Eduardo e Monttorso que entrou na banda para essa volta. Zeek e Monttorso inclusive tocam juntos no Mudhill.
Após o nervosismo inicial Jair pega no microfone e fala para os presentes quão emocionante estava sendo aquele momento. Fala sobre o caráter underground da banda e diz estar olhando para rostos que pôde ver ao longo da carreira da banda em shows realizados em quintais e “buracos” em que eles iam tocar. Uma forma de agradecer e mostrar que tudo valeu a pena e frisa que tudo foi importante.
Assim a apresentação vai caminhando com a simbólica “Servil” sendo cantada por muitos presentes, muitos se emocionavam e soltavam já tímidas lágrimas. Na sequência vem “Janeiro Continua Sendo o Pior dos Meses”, um hino cantado pela maioria dos presentes, por mais que Jair afirme que é uma canção sobre inferno astral na mente dos fãs ela ganhou outros contornos e interpretações e talvez esse seja um legado do bom uso que faz das metáforas.



Jair entre uma afinação de guitarra e outra aproveita para agradecer a todas as mulheres que fizeram com que a banda existisse. Falando da resistência que elas tem em um mercado dominado por homens e quanto elas os ensinaram e continuam ensinando.

Aproveita para falar sobre sua indignação sobre os absurdos na política que estamos vivendo. Lembra de um questionamento que fizeram para ele se a banda era política. Sua expressão na face muda e o público começa a ensaiar um  “Fora Temer”. Ele brinca e fala eu acho que vocês me entenderam e cita o discurso absurdo que o presidente deu falando sobre o papel doméstico das mulheres no lar. Repudiando e sendo aplaudido.
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Fernando Sanches, Monttorso e Zeek. – Foto: Rafael Chioccarello

Terreno preparado para “Nas Suas Palavras” ser executada da maneira mais intensa e punk possível. Zeek agora mais solto delira nas guitarras e começa a ensaiar saltos enquanto a temperatura sobre o palco começa subir. Uma das sequência altas da apresentação que contou com a post-punk “Trégua” e a balada matadora – que dispensa bateria – “Unha e Carne”.
O ato político e a postura da banda fica implícita um pouco antes de “Atrofiando” ser tocada. Dessa vez com um discurso mais fervoroso que disse mais ou menos assim:
“Essa é para você que tem banda e é desprezado. Para você que tem que ouvir que não tem talento e cogita em desistir. Para você que sofre preconceito por ser pobre, negro ou gay. Somos todos iguais.”
“Atrofiando” é a canção que mais dá destaque ao trabalho de bateria que Monttorso faz com intensidade descendo a mão nos pratos. É nesse momento que toda energia começa a se extravasar e os guitarristas duelam e atiçam o público. Timidamente o primeiro sobre ao palco abraça Jair e corre para não ser “expulso”.
“Desova” mantém o clima lá em cima e o bate cabeça nas proximidades do palco começa a ganhar maior proporção. Tanto que em certo momento o vocalista avisa: “Respeito com as minas, não vamos machucar ninguém”. O lado mais punk brutal do Servil ganha uma dobradinha na melhor escola Nirvana de fazer barulho com “Nós, Os Milionários” e o soco no estômago “Vane, Vane, Vane”.
Com a estrofe matadora:
 “Constrangedor é pouco /
Meu coração é seu /
É realmente doloroso saber / 
Que isso soa tão cafona pra você
Azar o seu, querida /
Azar o seu! / 
Eu não consigo evitar /
Eu não consigo evitar!”
Chegamos a outro ponto alto da apresentação, a canção “Qorpo-Santo de Saia”. Antes de tocar Jair explica a razão do nome Ludovic. Afirma que não tem nada a ver com Beethoven ou Laranja Mecânica. E sim em referência ao filme “Minha vida em cor-de-rosa” de Berliner no qual o personagem – um menino de 7 anos – questiona sobre identidade de gênero e se sente mais confortável sendo uma menina.
O vocalista aproveita para falar sobre seu tremendo respeito e fala sobre isso na identidade da banda. De se tratar sobre liberdade de escolha e respeito pelo diferente: um dos pilares da cultura punk. Assim mostrando a mentalidade e respeito por todos. Como a letra de “Desova” diz “Somos todos iguais…irmãos siameses em busca de reconciliação”.
“Qorpo-Santo de Saia” é um derradeiro de emoções ao ser executada e a histeria é generalizada pouco antes de anunciar que esta seria a última música. Claro que isso era uma desculpa para o Bis. E que Bis, esse foi caprichado.
A banda volta ao palco acompanhada por Fernando Sanches (El Rocha, O Inimigo, CPM 22) que entrou para tocar baixo e deixar Jair mais solto no palco. Era a cereja do bolo da noite. Como ele sempre fez questão de falar: “Nunca fui muito talentoso tocando baixo, tocava pois queria estar em uma banda.”
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Jair Naves bem mais a vontade como frontman. – Foto: Rafael Chioccarello

Agora com o microfone na mão era a vez de mostrar para todos em primeira mão o primeiro single inédito em 11 anos do Ludovic. Esse lançado nas principais plataformas de streaming horas mais cedo. Se tratava de “Inexorcizável (Um Zumbido Ensurdecedor)”. Horas mais cedo em sua página de facebook ele noticiou sobre o lançamento:
“Muito obrigado a todos os muitos amigos envolvidos nesse lançamento (em especial Bernardo Pacheco, Zeca Leme, Fernando Sanches, Daniel de Paula e Agência Alavanca).
Essa música representou um enorme desafio para a gente. Lançar uma música nova do Ludovic a essa altura do campeonato é algo que eu sinceramente não planejava – quase uma irresponsabilidade, dado tudo que está envolvido na história da banda e o compromisso que isso significa. Particularmente, eu não poderia estar mais animado com o resultado e com as possibilidades que essa faixa nos oferece para o futuro. Espero que vocês também gostem.
Até daqui a pouco no Sesc Pompéia! Arte pelo brilhante Daniel de Paula.”


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Confesso que tinha ouvido mais cedo e até comentado com amigos que tinha gostado e que tinha vibração. Ouvi de alguns opiniões diferentes. Normal. Porém ainda acredito que as pessoas tem que entender que 11 anos se passaram, muita coisa mudou e ter um olhar mais otimista sobre a vida é ótimo.
Algo que gostei muito foi que o single mostra um notável amadurecimento na parte instrumental e nas camadas sonoras. Não adianta viver do passado, é uma constante evolução. Alguns fãs vão assimilar isso com o passar do tempo, isso é normal. Estou ansioso para um álbum cheio e se for com essa pegada tem tudo para ser um outro marco na história do Ludovic.
Mas voltemos ao show. A felicidade neste momento já estava visível em todos no palco. Até brincam que é o primeiro e talvez último show de Sanches com a banda, pois não iria suportar. Jair mais solto coloca ainda mais intensidade e mostra o lado showman interagindo com todos os integrantes.
Assim chegamos aos dois últimos sons “C V V” e “Você Sempre Terá Alguém A Seus Pés”. Com o público literalmente jogado aos pés do palco a euforia do bate cabeça tomava proporções de shows de hardcore e o sorriso no rosto dos músicos se torna algo inevitável.
Os primeiros stage divings começam a acontecer. E vocês sabem como funciona não é mesmo? O primeiro vai e vira algo incontrolável feito o som furioso e descontrolado do Ludovic.
Chegada a hora da última canção “Você Sempre Terá Alguém A Seus Pés” o vocalista dedica a todas as mulheres presentes. É o fatality em cima do nó na garganta que Temer deixou com suas atitudes retrógradas e desprezíveis no dia 08/03.
O mais legal foi que muitas meninas tomaram coragem e também começaram a fazer stage divings e se divertir no circle pit. O show termina da única maneira possível: Jair fazendo um stage diving e o público retribuindo a aquele abraço coletivo.
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1 Comment

  • […] 5. Miêta Começando a lista com uma banda mineira. Foi amor a primeira vista! Eu já tava todo animado ao ter ouvido o single “Room” e fui na primeira vez que tocaram em SP (no Breve). Já conhecia o Luiz (ex-batera) da Zonbizarro em show que fui em Indaiatuba (SP) para vê-los ao lado da Stone House On Fire (Volta Redonda – RJ). E que show! A Bruna me assustou com a sua presença de palco, achei a banda muito entrosada, e senti uma felicidade ímpar daquele momento. Depois daquele show eu praticamente vi a banda pelo menos uma vez que estiveram na cidade. Galera, ouçam o DIVE. Tem reflexões urgentes neste disco, é muito sentimental e pega na alma.  4. My Magical Glowing Lens no CCSP Tocar neste palco é um desafio tremendo por si só, lançar seu disco de estreia então? Nem consigo imaginar. O My Magical Glowing Lens tirou isso de letra. Gabi é um show por si só, visceral, ela sente a música e faz tudo parecer tão simples. E naquele show a Larissa Conforto (Ventre, Tiê) ainda assumiu a bateria. Foi mágico toda a experiência, luzes, atitude, psicodelia e dedicação. Aquele tipo de show que vale sair para pagar de novo o inglresso. 3. Rakta Vi a banda em duas oportunidades recentemente, a primeira abrindo para a Belgrado (Espanha) em show que teve a Cadáver em Transe (SP) e numa praça no Bixiga durante uma feira. Que intensidade, os berros, os acordes, a sensação de incômodo e a energia sendo dissipada. Daqueles shows para você repensar as pequenas atitudes da vida e sofrer junto. Sai de lá com um vinil debaixo do braço, acho que não preciso falar mais nada. 2. Francisco, el hombre Juro para você que eu achava as músicas legais mas não entendia o hype até assistir ao vivo. Foi recentemente durante um projeto da Levis, o Original’s Studio. Show foi na lindíssima Casa de Francisca e a energia faz qualquer um tirar o pé no chão. Aliás eu acho que isso que tem feito shows serem marcantes. Me lembrou muito a experiência de ver Gogol Bodello ao vivo, por mais que o som traga sim latinidades, ele tem um espírito punk por trás. E eu vim do punk rock, então eu sinto essa energia de longe.  1. Ludovic e Zumbis do Espaço 5 é muito pouco e deixei logo dois shows muito FODAS, em CAPS, para o final. Como disse eu vim do punk rock e ambas as bandas tem tudo que o D.I.Y. do estilo representa. Os Zumbis ao lado do Carbona e Muzzarelas foi uma noite mágica para mim. Eu fui rato de Hangar 110 e passei anos frequentando aquela casa, em época de vacas gordas e magras. Ver 3 bandas que dominam o palco na mesma noite é algo a cada dia mais raro. Os Zumbis fazem um show que você fica elétrico, querendo ir para rodinha mas no fim quer abraçar todo mundo que tava fazendo stage diving do seu lado. Acho que esse é o espírito de um bom show de punk rock. Já o Ludovic foi algo para mim marcante, pois muitos amigos falavam para mim “show do Ludovic não tem igual”, “época que eles tocavam em qualquer buraco era genial”, as lendas se justificaram no dia em que pude assistir eles no majestoso palco do Sesc Pompeia. Foi um dia de muita entrega tanto deles quando do público. Transformaram aquilo em mais do que um show e sim uma bela reunião de velhos amigos. Emocionante! Resenho o show aqui (https://hitsperdidos.com/2017/03/24/em-show-historico-ludovic-faz-ode-aos-excluidos/) […]

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