Planet Hemp: 30 anos fazendo nossas cabeças

 Planet Hemp: 30 anos fazendo nossas cabeças

BNegão e Marcelo D2 no show de 30 anos do Planet Hemp. – Foto Por: Rafael Novak (@novakfotografia)

O espetáculo Planet Hemp: 30 Anos de Fumaça aconteceu na noite da quinta (12) no Unimed Hall

Esses dias me peguei pensando se eu realmente acreditava no destino, mas, quando se trabalha com criatividade o acaso faz muito mais sentido, é no erro, na incoerência e na ironia que a vida se constrói.

Por isso, acredito que o aniversário de 30 anos do Planet Hemp cair no mesmo ano que a maconha é descriminalizada no Brasil é mais que o acaso, é uma das decorrências da vida que faz com que a gente olhe pra cima e pense: talvez fazer parte dessa loucura faça sentido.


Planet Hemp - 11:07:2204 - Foto Por Rafael Novak (@novakfotografia)
Planet Hemp lotou o Espaço Unimed na noite da quinta (12). – Foto Por: Rafael Novak (@novakfotografia)

Planet Hemp, Baseado em Fatos Reais: 30 Anos de Fumaça

Na última quinta, dia 11, rolou no Espaço Unimed o espetáculo Planet Hemp: 30 Anos de Fumaça. A entrada dos caras no palco atrasou um pouco, fato que os fãs da banda já estão acostumados. O interessante foi que antes de qualquer nota ser tocada apareceu um recado nos telões.

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Naquele momento já deu pra sentir o clima do show, que aquele momento seria de comemoração do aniversário da banda, celebração da cultura, da resistência, da música e da amizade, mas além de tudo isso, que as próximas horas seriam uma festa para o alívio e a conquista que sempre foi um dos pontos centrais da banda: fazer a sua cabeça que uma erva natural não pode te prejudicar.

As Primeiras “Pontas”

30 anos não é pouca coisa, ainda nem vivi tudo isso. O Planet surgiu em 1993, quando Marcelo D2, ainda Marcelo Maldonado, encontrou Luís Antônio Machado, o Skunk, no Catete, bairro da Zona Sul do Rio de Janeiro, originalmente habitado pelos Tamoios, povo originário da nação Tupi e que muitos anos depois virou um bar boêmio e efervescente.

Marcelo era ambulante de camisetas de rock e, quando se encontrou a primeira vez com Skunk, usava uma camiseta do Dead Kennedys que foi o que desencadeou a primeira conversa entre os dois.

A música já era pauta, o problema é que nenhum dos dois sabia tocar instrumentos usados no punk rock. A saída, então, foi usar das letras, rimas e batidas do rap para poder começar a banda. A dupla logo se expandiu, ganhando novos integrantes: Rafael Crespo na guitarra, Formigão no baixo e Bacalhau na bateria completaram a formação original. Assim nasceu o “Raprocknrollpsicodeliahardcoreragga”, ou se preferir, o Planet Hemp.

Skunk tinha AIDS, mas não contou a ninguém e se dedicou a viver os últimos momentos intensamente. A banda fez sucesso rápido, assim como a sua doença progrediu. No ano seguinte a dupla de vocais de D2 faleceu.

O vazio deixado por Skunk é visível e verbalizado pela banda até hoje. No show, Marcelo D2 celebrou seu amigo diversas vezes como se chamasse seu antigo companheiro para celebrar aquela festa.

O Usuário

Após a morte de Skunk, BNegão entra em cena para compartilhar o microfone com D2 e abriu seus trabalhos no Planet com Usuário (1995), um dos discos mais importantes da banda. Esse álbum vai além da discussão sobre maconha e legalização, mas é na fusão entre vários gêneros que consolidou o som único do Planet Hemp.

Durante o show de comemoração, as músicas do Usuário foram as que mais comoveram o público, claramente. Acho que sons como “Legalize Já”, “Mantenha o Respeito” e “Dig Dig Dig” vão além de clássicos, como o próprio D2 chamou essas músicas no show, mas são um manifesto atemporal sobre a resistência, uma espécie de documento.

Em 1996, após venderem 150 mil cópias do primeiro álbum e com shows marcados por todo o Brasil, o Planet Hemp entrou em estúdio para gravar seu segundo disco, intitulado Os Cães Ladram Mas a Caravana Não Pára. O título de certa forma profético, já que, a partir daquele momento, grupos conservadores de diversas regiões começaram a tentar impedir os concertos, a afixação de cartazes e até mesmo aparições do Planet Hemp em suas cidades.

Em 97, os membros do Planet foram presos durante um show em Brasília acusados de apologia às drogas. Depois de cinco dias em cana, o caos virou contra os causadores porque a partir daquele momento o Planet começou a ganhar destaque na televisão, além de conquistar mais e mais fãs.

No show foi bem possível ver essa legião de seguidores, pessoas que se tornaram parte do movimento “Raprocknrollpsicodeliahardcoreragga”, mas que também compraram a briga e a resistência da banda. Em vários momentos durante a apresentação foi possível notar gestos e gritos compactuando com as ideias políticas da banda, o que é muito legal, quando um show vai além da música, vira um protesto, uma manifestação, uma junção de energia por uma causa maior, tudo causado pela cultura.


BNegão Planet Hemp - Foto Por Rafael Novak (@novakfotografia)
BNegão. – Foto Por: Rafael Novak (@novakfotografia)

A participação inesperada de Black Alien

O vocalista BNegão saiu da banda, sendo substituído por Gustavo Black Alien, mas ainda emprestou sua voz para faixas do disco em faixas como “Hip Hop Rio” e “100% Hardcore”. Zé Gonzales nas picapes e Apollo 9 nos teclados completaram a formação básica do álbum. Os Cães Ladram Mas a Caravana Não Pára é um hardcore com influências de jazz, bossa nova e até samba.

Uma das faixas de mais destaque desse álbum é “Queimando Tudo”, uma crítica bem-humorada à perseguição que a banda sofreu em várias cidades brasileiras por falar sobre a legalização da maconha. No show do último dia 11, durante a apresentação dessa música, aconteceu um momento esperado a pelo menos 20 anos pelos fãs da banda, Black Alien voltou ao palco como membro do Planet e emocionou todo mundo que estava no Espaço Unimed. Gustavo ainda cantou “Deizdasseis”, “Zerovinteum” e “Contexto”.

Assista vídeo da reunião do Planet Hemp com o Black Alien

Somente em 2000, o Planet Hemp lançou um novo trabalho, “A Invasão do Sagaz Homem Fumaça”. Esse disco tem uma das minhas músicas favoritas do Planet Hemp, a décima primeira faixa “Quem Tem Seda?”. Sempre fico emocionada quando escuta essa ao vivo, mas no último show, percebi o porquê eu gosto tanto dessa música, é por causa da sonoridade, pela atmosfera, para mim uma das músicas mais psicodélicas do Planet.

A banda encerrou suas atividades em 2001 devido a brigas entre os membros e à preferência de Marcelo D2 por sua carreira solo. Esse clima, de 23 anos atrás, não estava no show, todos pareciam bastante felizes de estarem juntos. Assim como bons discos, as pessoas também envelhecem e se tornam melhores.

Durante os próximos 20 anos, a banda se juntou em algumas oportunidades, fez algumas aparições, mas nada muito sério ou concreto, até dezembro de 2021, quando a banda apresentou três novas músicas que fariam parte do enredo de “Jardineiros”, lançado em 2022.


Marcelo D2 Planet Hemp - Foto Por Rafael Novak (@novakfotografia)
Marcelo D2. – Foto Por: Rafael Novak (@novakfotografia)

Os Convidados de gala da Noite

O último álbum tem muitos convidados, trouxe ao show diversas presenças ilustres como Criolo e Pitty, que participaram do disco. O show produzido por Daniel Ganjaman também foi a gravação do DVD “Baseado em Fatos Reais: 30 Anos de Fumaça“, tiveram muitas outras surpresas.

Por exemplo, durante a faixa “Taca Fogo” o rapper Major RD apareceu, que foi seguida com o DJ Zegon e o guitarrista Jackson, e “Nunca Tenha Medo” teve Emicida e Seu Jorge* dividindo o palco com D2 e BNegão.

Durante “Onda Forte” quem subiu ao palco foi o Kamau e como se não bastasse, os caras ainda chamaram Mike Muir, vocalista da banda Suicidal Tendencies, na música “Salve Kalunga” e ainda cantaram “War Inside My Head”, do Suicidal. O show ainda contou com a participação da banda punk paulistana As Mercenárias e com o BaianaSystem misturando “Dig Dig Dig” com a “Duas Cidades”.

O show Baseado em Fatos Reais: 30 Anos de Fumaça foi uma comemoração muito bem celebrada. Após contar tudo isso, ainda acho que não é apenas ironia do tempo fazer com que o Planet Hemp complete 30 anos no mesmo ano em que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal. Um julgamento que foi concluído após nove anos de sucessivas suspensões. O que o Planet Hemp faz é mais do que música e resistência, é arquivo histórico. E mais do que história, é uma banda que canta sobre liberdade.

* Nota do Editor: Seu Jorge também tocou flauta durante o show, o músico tem uma série de vídeos no TikTok tocando o instrumento.

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