Os 10 anos do grande clássico do The Gaslight Anthem

 Os 10 anos do grande clássico do The Gaslight Anthem

No dia 19 de agosto de 2008 era lançado o álbum The ’59 Sound, o segundo do The Gaslight Anthem. A banda de Nova Jersey (EUA) fez o que para mim é o álbum mais coerente, conceitual e relevante de sua carreira.

É bem verdade que a banda formada em 2006 teve seu fim em 2015, após uma série de conflitos internos. Em 2018 eles se reuniram e o grande culpado deste ocorrido é justamente a comemoração de 10 anos deste álbum.

O quarteto composto por Brian Fallon (Vocalista / Guitarra), Alex Rosamilia (Guitarra, Backin Vocals), Alex Levine (Baixo / Backing Vocals) e Benny Horowitz (Bateria / Sinos / Tamborim / Latas de Lixo e Correntes) um ano antes tinha lançado o disco, Sink or Swim (2007). Este que era pautado no punk rock e folk punk. Atmosfera muito diferente do que daria origem a seu sucessor.


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The Gaslight Anthem

Produção

O álbum foi produzido pelo produtor inglês Ted Hutt que em seu currículo conta com um Grammy. Já como músico ele tocou e é um dos fundadores de bandas como The Promise, The Great Unwashed, Gods Hotel, ReacharoundFlogging Molly.

Como produtor assina trabalhos relevantes de bandas como Flogging Molly, Dropkick Murphys, The Bouncing Souls, MXPX, Lucero, Old Crow Medicine Show, Chuck Ragan, The Mighty Mighty Bosstones, Bayside, Street Dogs, Fake Problems, Tiger Army e claro o The Gaslight Anthem.

Participações Especiais

Não é coincidência que como convidados no álbum do Gaslight temos músicos como Chris Wollard (Hot Water Music – vocais), Joe Sirois (The Mighty Mighty Bosstones – vocais) , Dicky Barrett (The Mighty Mighty Bosstones – vocais), Hollie Fallon (Ex-Mulher do Brian Fallon – vocais), Joe Sib (Wax –  vocais), Kim Yarbrough (vocais), Gia Ciambotti (Que já cantou com Bruce Springsteen – vocais) e Ryan Mall (Samples).

Porque falar deste disco?

Lembro como se fosse ontem. Pude conhecer o trabalho do The Gaslight Anthem em 2007 através do clipe para “I’da Called You Woody, Joe“.

Logo depois ouvi “Boomboxes and Dictionaries” que me lembrou o folk punk dos discos mais antigos do Against Me!, banda que por sua vez me ajudou em diversas fases da vida. Mas foi “We Came To Dance” que me ganhou por sua sinceridade e punk rock que já tentava beber de outras fontes.

Confesso que não estava preparado para lidar com um álbum como The ’59 Sound. Eu estava prestes a completar 18 anos de idade e minha vida adulta estava apenas começando para entender todas aquelas vivências, frustrações, anseios e histórias que Brian Fallon cantarolava.

Fallon é 10 anos mais velho do que eu. Na época em que compôs o disco tinha 26 anos e no momento em que foi lançado já estava com 28. 10 anos depois é a minha vez de comemorar esta data e claro que ouvir esse disco hoje em dia é uma experiência totalmente diferente. Por este motivo (finalmente) decidi escrever sobre as minhas impressões.

The Gaslight Anthem – The ’59 Sound (SideOneDummy Records – 19/08/2008)

Uma curiosidade fica por conta de quando o The Gaslight Anthem se apresentou no Glastonbury, em julho de 2009, a venda do disco dobrou. Não foi uma participação por acaso, uma das grandes inspirações para o registro foram justamente os discos Born to Run e Darkness on the Edge of Town da lenda de Nova Jersey.

Mas as influências não param apenas na obra do Bruce e se estendem ao blues, country, soul e R&B. Alguns chegaram a comparar na época ao Social Distortion e de fato o tino nas composições e a panela coincidem. Fallon é fã declarado de artistas como Johnny Cash e The Replacements e estes, mesmo que de maneira mais tímida, podem ser notadas ao longo do álbum.



A faixa que abre o disco, “Great Expectations”, faz referência a Estella, personagem do livro do escritor inglês Charles Dickens, de 1861.

Estella foi por sua vez uma das grandes paixões do personagem principal, Pip, e mesmo tendo um coração “gelado” e evitando demonstrar, tratava ele diferente em relação a seus outros affairs. Já na canção Fallon a homenageou no verso:

I sat by my bedside with papers and poetry about Estella

Sinto como se a canção do Gaslight seja em si sobre a explosão destes amores derradeiros – e fulminantes – que passam feito o descarrilhar de um trem. Onde nos doamos e quando percebemos, se foram.

Ele cita sobre o sofrimento e a insegurança de colocar expectativas em um novo romance após ter que lidar com um divórcio. O verso que mais corta feito uma navalha é “Everybody leaves, so why, wouldn’t you”.

O disco segundo entrevista de Fallon para a Rolling Stone é sobre uma geração abandonada e idealista.

“The album was sort of a funeral for those years when you’re in your teens or early twenties, the things you hold as idealistic”, conta Fallon 

Sobre o significado do álbum 10 anos depois, na mesma entrevista, ele tenta contar sobre o que ele realmente queria dizer na época.

“…The record is really not about the ’59 sound; it’s not about rock & roll or anything like that. It’s about growing up and it’s about the fear of, not necessarily dying, but just going through life and having that not mean anything. And being afraid of that and wondering how to, at all costs, avoid that. That’s sort of the fear and the sense of loss.

A lot of people have said that the record was an embracing or a celebration of rock & roll, but even at 27, I knew that the old guard, the days of the rock hero, were passing. Rock & roll, Elvis Presley, that kind of thing. There’s never going to be a new Beatles because we don’t consume things in that way anymore.

So the record was a farewell to that, realizing that it’s gone. And then at the same time, that was all a metaphor for youth being gone and going away and my sense of childhood innocence and going into adulthood. Now, did I know any of that in the last nine years? Absolutely not.”, reflete Brian

Ele ainda conta que de maneira “burra” romantizamos o passado e esquecemos das coisas ruins. Como nos anos 50 e 60 onde tivemos a guerra fria, luta por igualdade racial e tantos outros problemas – e não apenas Milles Davis, Johnny Cash e ascensão do cinema.

De certa forma as letras ácidas, nostálgicas e com inspirações no sofrimento da classe média bateram direto no coração de uma geração estado unidense que sofria com a recessão econômica do governo Bush (e sua estúpida guerra ao terror).

O engraçado é que o Rafael de 17 ouvindo o disco já sentia isso e não apenas que aquele era um disco de punk rockers que queriam mostrar para outros que também gostavam de rock’n’roll.

Essa visão idealista, otimista e tentando encontrar uma razão para viver do álbum é um questionamento comum nesta idade (entre os 25 e os 30 anos). Onde é claro que vale a pena viver, porém para o que vivemos mesmo? Será que aqueles velhos discos de rock’n’roll vão bater e mudar o jeito de consumo da nova geração? Provavelmente não e é com essa dose de ironia que Brian deita e rola no disco.

“The ’59 Sound” chegou até ser eleita como uma das 100 melhores músicas de 2008 pela Rolling Stone americana. Sua dose de nostalgia, analogias a cultura pop de outros tempos e nosso idealismo cego estão ali entre aquelas linhas tão bem escritas.

Para um jovem nos anos 90 era demais saber sobre os escritores cults dos anos 60 e 70, era “letrado” e cult ouvir aqueles discos, assistir aos filmes noir e ir ao teatro. Mas seus pais nascidos naquelas décadas fizeram isso com a cultura pop do começo do século? Era realmente “bacana” ter vivido aqueles anos mesmo com medo de morrer, ser mandado para a guerra ou aguentar uma série de governos questionáveis como o de Nixon?

Talvez a mais jovem e idealista do disco ao meu ver seja “Old White Lincoln”. Esta que fala sobre tentar encontrar conforto em amores e num estilo de vida cult suburbano. A contradição do desejo de ter nascido em uma época em que não te pertence.

A próxima “High Lonesome” carrega em seu título o nome de um filme dos anos 50 – e claro inspirações na década. Não é a toa que Elvis e seu estilo são citados como sendo algo “badass”, assim como as bandas de cowboys e a vida dos interiores dos EUA.

Talvez o grande acerto e questionamento do som seja: porque endeusamos tanto essa época? Olhem a burocracia e nosso artista pop sendo garoto propaganda de uma guerra que separou milhares de cidadãos de suas famílias e amores.

Talvez ele nem tenha pensado nisso (e provavelmente não), mas vale a pena usar outras épocas como escapismo para nossos problemas ou pensar no agora?

Mas quando olhamos para os EUA na década de 00 quem foram os grandes ícones para quem cresceu com Nirvana e Tupac nos anos 90? Talvez esse vazio que gere todo esse questionamento e fuga.

Já “Film Noir” faz diretas referências a este tipo de filme que foi popular nos EUA entre 1939-50. Até por isso cita os quadris de Marylin Monroe, paixões intensas, corações partidos e partidas. A inversão de papéis, bang bang.

Quem centraliza o conceito do álbum é justamente “Milles Davis & The Cool” no verso “The Years Of Youth Passed On”. Pois chegar aos 27/28 é um pouco sobre olhar para trás e ver seus propósitos, para onde está indo e se ainda restam vestígios de inocência dentro do seu coração.

Se o disco começa com a “Great Expectation” em “The Patient Ferris Wheel” a queda na realidade e na “Great Depression”, chega voando. É o cair na real e ter a noção de que somos heróis “quebrados”. No sentido que mesmo tudo dando errado ainda temos algo a celebrar.

As referências a cultura pop não param mas o sentimento idealista – e de brincar com analogias a clássicos – continua. O espírito libertino italiano Giacomo Giramolo Casanova (1725-1798) é desperto em “Casanova, Baby!” e claro que a temática iam ser estas aventuras e noites sem fim (inconsequentes) que nos atiramos quando somos jovens.

Os anos 90 não foram desprezados. Se em 1993 Fallon tinha 13 anos, ele provavelmente assistiu ao filme Even Cowgirls Get the Blues (1993) de Gus Van Sant que inspirou a canção de mesmo nome. Claro que com esse nome ele ia trazer blues, citações ao Tom Petty e (pequenas) mentiras que contamos para que as noites fiquem mais divertidas.

O mergulho no espírito de 59 volta firme em “Meet Me By The River’s Edge” que cita a atriz – e ícone – Audrey Hepburn, ter sido o queridinho da família e ter medo de não ter ainda encontrado seu propósito. É uma crise de consciência aos 28.

Um dos maiores clássicos do cinema não ia ser esquecido. Casablanca (1942) ganha uma homenagem assim como todo o sonho hollywoodiano e rock’n’roll. Ele cita ironicamente estar enviando uma carta para contar que é agora é um músico de rock famoso curtindo a fama e luxúrias que o estilo de vida proporciona.

Letra irônica em sua totalidade já que Fallon, na época, já tinha a certeza que o consumo e a indústria não irão revelar a próxima banda de rock que faturará milhões como foram os Beatles ou os Stones. Em 2008 já era perceptível que o pop já não era a música que conduzia as massas. É um reflexo dos tempos e dos sonhos sendo esfacelados – assim como a sua juventude.

A ânsia por brilhar, consumar e se divertir é expressa na canção que fecha o disco, “The Backseat”. Que fala sobre tentar encontrar sua essência mesmo que por caminhos tortos para (tentar) entender para onde está indo.

You know the summer always brought it.
That wild and reckless breeze.
And in the backseat we’re just trying to find some room for our knees.

Mas mais do que qualquer coisa que Brian tenha dito no disco, e mesmo eu não tendo o background de vivências de um norte-americano, The ’59 Sound sempre foi para mim um abraço de quem estava cansado de lidar com temas idealistas demais dentro do punk rock mas deixando olhar para o que nossa geração estava sentindo. O lance de não só panfletar uma ideologia mas de tentar entender para onde estamos indo.

Daqui a 10 dias completarei 28 anos e entendo toda essa ânsia de tentar entender porque estou aqui e para onde estou indo. Fui uma boa pessoa até aqui? O que quero? Meus sonhos e ideais estão sendo atendidos? Para onde eu quero ir? E por isso que agradeço ao Gaslight pelo álbum que sempre me deu aquele abraço quando eu mais precisava (mesmo quando eu queria apenas fugir).

3 Comments

  • <3

  • Parabéns! Amo essa banda de coração e esse disco me marcou muito também, uma pena eles não serem tão conhecidos aqui no Brasil. Gostaria que alguma dessas futuras reuniões deles que ainda virão passem por aqui no Brasil. Abraço

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