A música muitas vezes serve como uma foto. Ambas artes registram um momento. Seja ele alegre, feliz, triste, degradante ou em transformação. Cabe a nós que nos deparamos com ela estabelecer uma conexão. Seja ela breve, seja ela profunda. O exercício que a produtora musical autodidata e multi-artista de origem francesa, Sue, propõe com o seu segundo álbum de estúdio, Quando Você Volta?, é justamente o de quebrar barreiras.
Seja ela do tempo, do espaço, da rotina, das amarras do capitalismo ou da inerente máquina de produtividade que o proletário acaba cedendo. O acelerar e o desacelerar, o acessar outras frequências estando em movimento contemplativo e a quebra de paradigmas de consumo em um universo vago de experiências mundanas reverbera na provocação. Tudo isso tendo a plasticidade e o desprendimento como parte de sua narrativa.
O material reúne ao todo 12 faixas instrumentais e participações de Dharma Jhaz, com flauta e voz na faixa “First steps” e saxofone na faixa “Alias”, e Desirée Marantes, com sintetizador na faixa “Pulse”. Seu lançamento acontece nesta quinta (10) em Premiere no Hits Perdidos.
Sua construção tem como base batidas eletrônicas, samples, gravações de campo e arranjos orgânicos, algo que já pudemos ver ao longo dos seus outros projetos. Mas, desta vez, com ainda mais desprendimento. Ela bebe justamente de música eletrônica ambiente, música abstrata, trip hop, downtempo e do universo onírico das trilhas sonoras. Até por isso, Renan Vasconcelos, aka Dramón, deu um feedback relevante sobre a produção musical como um todo.
Além da contribuição da artista sonora Desirée Marantes, que cedeu seu estúdio para a gravação dos sopros. A mixagem e masterização ficaram por conta de Matheus Câmara, aka Entropia, responsável pela produção musical do projeto Teto Preto.
A natureza da sinestesia, algo que para ela é muito natural, já que é fotógrafa de formação, reverbera ao longo do andamento do disco de uma mulher sonhadora, imigrante e que luta assim como tantos outros para manter-se produzindo música.
“Muitas das estruturas das músicas nasceram de improvisos nos palcos e nas lives, e aos poucos a necessidade de ter um registro dessas canções e poder compartilhá-las se fez cada vez mais presente. Mas sendo mulher, artista e imigrante é difícil começar, imagine continuar?”, comenta Sue em release para a imprensa
Seu título é para lá de irônico e reflete uma frase que um imigrante mais ouve quando vive por aqui. E que ela ouviu dezenas de vezes. Uma frase que traz consigo uma série de inseguranças e questionamentos por si só. Sem medo de se expor, o álbum tem uma narrativa que te envolve pelo desprendimento e por não soar em momento algum pretensioso.
Minha experiência particular ao ouvir o disco foi justamente o conflito. De delirar entre as camadas rítmicas encavaladas. De entender sua construção que ora embarca na paz, outrora não foge do embate. Do tempo como meio e não um fim. O espaço se confunde com o mundo imaterial de uma mente que pensa, mas também precisa de um afago.
A noção de presente, futuro e passado se confunde e faz com que reflitamos sobre o que realmente vale a pena levar como bagagem deste mundo. Entre ondas que se complementam ou se distanciam, feito a água que se repele do óleo, feito a matrix que ainda não conseguimos desvendar.
As colagens, entre samples, harmonias, o digital, o sonho, a tentativa e o erro guiam o ouvinte durante sua jornada particular. Algo tão presente em nosso cotidiano… ao mesmo tempo que dando luz a possibilidades de universos dissonantes de tudo isso.
Dando chance para nos perdemos, e nos desmembramos, entre questionamentos, conexões e a vontade de dissipar no horizonte. Uma trilha sonora para dias possíveis, entre o piche do concreto e a calmaria das nuvens que se abrem para o arco-íris poder emergir, em meio a um amaranhado de sonhos, arranha-céus e poluição.
A São Paulo de quem escolheu tê-la como sua casa. Mas afinal, quando você volta?
This post was published on 10 de outubro de 2024 10:10 am
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