Música plástica para tempos estranhos. De tempos em tempos dentro da cultura pop esse fenômeno acontece. Não necessariamente ela pretende ser experimental. Nem muito menos confundir. Seu lado orgânico acaba nos levando para paisagens sonoras em meio a insanidade dos tempos. Um contraponto comum para quem quer explorar universos paralelos, mas sem esquecer da distopia. É bem por aí que Era Normal, segundo álbum d’O Nó, coexiste.
A modernidade e fragmentos de outros tempos entram em contradição em sua narrativa, da volta a infância a velocidade da informação desenfreada no telefone sem fio da internet. Tudo coexiste em um disco que vai do sofisticado utilizando das metáforas como recurso. O rock progressivo se une ao synth pop, abraça o indie rock e tenta dialogar com a música brasileira. Mistura essa que estabelece paisagens sonoras e dá continuidade as narrativas ao primeiro lançamento pós-pandêmico do grupo.
Gravado entre 2023 e 2024 no estúdio Ekord, o material tem produção de Otávio Bonazzi e entre as temáticas, como a banda mesmo aponta, estão reflexões sobre o autoaperfeiçoamento, insignificância em meio as notícias e questões de memória e repetição. Uma boa dose de bom humor e ironia também aparece no campo lírico.
Essa provocação entre o novo e o retrô, claro, reverbera na questão estética e a identidade visual assinada pela artista plástica Larissa Laban com design de Alexandre Drobac, segue esse caminho entre o absurdismo, o lo-fi e a piada com a estética corporativa glitchy. Tudo isso para representar a distopia do cotidiano.
O material que está sendo lançado nesta sexta (6) também serve como brinde aos mais de 10 anos de trajetória d’O Nó. Tendo lançado seus primeiros materiais em 2015. O material ao todo reúne 8 faixas, daqueles que você ouve rápido, sinal dos tempos. Mas nem por isso perde os tons em degradê ou o deboche noir. A proposta dançante é feita para envolver o ouvinte e permite com que os cenários sejam coloridos, entre reflexões e insurgências.
“Jornada do Usuário” relincha em sua provocação a respeito normalização do absurdo. Entre o receio de ser bombardeado por notícias drásticas que vão acabar com o seu dia, e a vontade súbita de pular pela janela. Tudo isso imerso a compressão sonoras, letargia e luzes em tons bejes. As texturas quebram um pouco da banalidade do que é descrito, em meio a um cotidiano sufocante.
Às vezes olhamos pelo retrovisor e vemos, entre aquelas comparações inevitáveis, em que não perdoamos muito quem fomos… e, simplesmente, não nos identificamos. Nem sempre isso significa uma evolução, às vezes é até uma involução, mas é um pouco disso que acontece.
Seja por um algoritmo maluco que entrou na sua timeline ou um novo hobby estranho adquirido. Uma nova rotina ou um novo caso. Agora imagine toda essa provocação ganhando linhas de sopros em meio a distorções e obscuridade. “Uma Nova Pessoa” passeia por esse vale assombrado em meio a melodias solares para ironizar o choque entre o online e o offline, o real e o imaterial.
Feito uma canção pop dos anos 80, as ondas melódicas criam uma atmosfera que abraça o ouvinte de forma retrô, para falar sobre o descompasso da velocidade das coisas, entre paisagens em lo-fi, vocais que se transformam em instrumentos, valsas de uma pessoa só e universos imagéticos. “Bifurcações” transita no campo dos pensamentos.
“Viagem Inaugura” carrega aquela elegância, e ternura, do Yatch Rock, entre a psicodelia e a epifania. Ironias, repliques, questionamentos, velocidade e fúria. Tudo se condensa em um cenário de corrida pela própria retomada da consciência. Feito um trem desgovernado, a abstração e os pensamentos vão para bem longe em meio ao caos.
“Tangerina” divaga sobre a passagem do tempo, entre a inércia e a necessidade de novos ares. Bastante descritiva, era parece um cenário de fim de noite do domingo onde os pensamentos mais nefastos acabam colocando nossa mente de refém. Em sua segunda parte o lado mais Clube da Esquina, no campo sonoro, aparece nas texturas e na nostalgia. Nesta faixa a influência de “Lilás” de Djavan é perceptível, assim como os sopros do Talking Heads.
É inevitável para quem cresceu nos anos 2000 ver o título “Dragão Branco dos Olhos Azuis (Dragão Negro de Olhos Vermelhos)” lembrar do anime japonês, Yu-Gi-Oh!. Até mesmo seu instrumental mais denso lembra as cenas dramáticas onde o personagem principal, Yugi Muto, reflete consigo mesmo sobre suas escolhas.
Das mais esquisitas do álbum e com um efeito peculiar na voz, essa dicotomia aparece ao longo da narrativa, uma hora áspera e outrora extremamente dançante. O mágico e o soturno se contrapondo, entre melodias solares e a escuridão jazzy.
“Fata Morgana” tem a solidão como ponto central da narrativa que navega por um mar profundo repleto de mistérios. A referência a lenda talvez explique um pouco sobre sua atmosfera camaleônica. Entre acordes mais darks e outros mais para cima, o lado imagético ganha ainda mais distorções.
O efeito de Fata Morgana, do italiano fata Morgana (ou seja: fada Morgana), em referência à fictícia feiticeira (Fada Morgana) meia-irmã do Rei Artur que, segundo a lenda, era uma fada que conseguia mudar de aparência, é um efeito óptico (Princípio de Fermat).
Quem fecha a saga é “Arquivo Recorrente”, esta que eles mesmos apontam retratar questões de memória e repetição. Com uma energia de música de lounge, a imagem caseira de uma sala de estar, se materializa. Entre os ciclos que vem e vão e os retornos a lugares que já esteve. Seja a procura de respostas como também para a aceitação de fatos.
Teríamos mesmo controle sobre a nossa vida ou seria tudo apenas ilusão? O que é real e o que é surreal? Entre sopros e melodias reflexivas, a música faz a provocação, em meio a ciclos que se repetem em looping e algumas cutucadas circunstanciais.
This post was published on 6 de setembro de 2024 9:50 am
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