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Sade Adu: uma crítica do amor Neoliberal?

Sade Adu vislumbrou os tempos modernos em “Smooth Operator”? 

Todo ano no Brasil, no dia 12 de junho é comemorado o ‘Dia dos Namorados’. A data não é feriado e foi, primeiramente, criada pelo publicitário João Dória (o pai), dono de uma agência de propaganda que em 1949 a serviço de uma loja paulista, escolheu ela em referência ao dia de Santo Antônio, popularmente conhecido como “Santo Casamenteiro”, a fim de impulsionar vendas de um cliente seu.

Essa escolha foi uma adaptação da mesma comemoração que em outros países ocorre no dia 14 de fevereiro – Dia de São Valentim. A versão brasileira foi adotada ao longo do tempo em outras cidades do país e hoje é nacionalmente conhecida e, claro, aproveitada pela indústria, comércio, publicidade, cinema e comemorada por corações apaixonados, tal qual, lembrada por almas ressentidas e mentes debochadas.

Uma das cantoras que há tempos faz o coração de muitos casais ao redor do mundo é ‘Sade Adu” nome artístico de Helen Folasade Adu. Reverenciada por DJ’s e idolatrada no mundo da moda em razão de seus looks, a obra da cantora é reiteradamente associada aos encontros e desencontros amorosos em razão de algumas de suas letras.

Todavia, existe um aspecto histórico e sociológico, digamos assim, de crítica social de suas canções e que nesse artigo exploraremos tendo como referência a música “Smooth Operator” e os significados sociais da poesia da canção.


Sade AduFoto: Divulgação

“Conquistador Habilidoso”

O ano de 1984 é o de estreia da cantora Sade Adu com seu primeiro álbum Dimond Life lançado no Reino Unido pela Epic Records e nos Estados Unidos no ano seguinte pela Portraid Records, no qual está a canção de abertura “Smooth Operator”.

Escrita por Sade Adu e Ray St. John a poética conta a história de um sedutor e suas estratégias de conquista, diz a letra, livremente extraída de ‘I love legendas’:

“Vida de diamente, um amante, nós nos movemos no espaço com desperdício mínimo e o máximo de prazer. Luzes da cidade, noitadas de negócios, você pede um bonde de desejos para ir as alturas”.

O lançamento de Diamond Life, debut de Sade Abu

O período histórico de lançamento do álbum é o das reformas neoliberais encabeçadas por Margaret Thatcher (U.K), 1979-1990, e Ronald Reagan (E.U.A), 1981-1988, adotadas mundo afora desde então. Esse tipo de política econômica é também um modo de vida onde cada âmbito é influenciado ideologicamente a partir da prática econômica (ou valores empresariais).

Oferta e procura, rendimentos e investimentos, avaliação de riscos, de ganhos, das perdas e do lucro são utilizados, igualmente, na definição e realização das relações sociais afora as relações de trabalho. O princípio da concorrência entre empresas, sobretudo, a partir desses anos se estendeu da esfera pública à pessoal: vínculos sociais, as amizades, as relações amorosas, os casamentos e a educação dos filhos são analisados a partir dos custos e de seus benefícios tendo sido traduzido, por exemplo, no conceito de ‘Capital Humano’.

Esse tipo de política econômica tem consequências no mundo do trabalho até os dias de hoje e foi categorizado criticamente pela sociologia por sociedade da “Restruturação Produtiva” e mais recentemente de “Uberização” da vida e/ou “Trabalho Precário” sem vínculos empregatícios, sem direitos sociais.

No mundo das relações amorosas, por sua vez, os termos que vêm sendo utilizados em reportagens e nas distintas páginas das redes sociais para ‘explicar’ esse modo de vida no interior das relações amorosas são: “Orbiting” (orbitar), “Gholsting” (fantasma) ou “Relações Líquidas” (conceito este retirado da obra Zygmunt Bauman, descontextualizado e naturalizado como ‘algo
dado’, pressuposto). “Subjetividade Líquida” do mesmo autor busca criticar a transformação dos valores e das normas que tinham fundamento em sendo de comunidade foram pulverizados (‘o que é sólido desmancha no ar) em razão da transformação do mundo do trabalho.


Fonte: desco./@machucava

A imagem acima ilustra bem o espírito de nossa época observado por psicoterapeutas de áreas distintas em sua clínica e cuja origem inicia com as reformas neoliberais e suas consequências para as diferentes dinâmicas da vida.

Trata-se do paradoxo das relações amorosas contemporâneas que manifesta o desejo do vínculo amoroso sem, contudo, o “peso” do envolvimento emocional, cálculo econômico que requer lucro sem o custo do compromisso afetivo mais profundo.


Fonte: @nanodengo

Ana Suy em entrevista para o UOL (2022) quando perguntada acerca do imperativo do “ame-se acima de tudo e de todos”, conhecido por “selflove” (amor-próprio) que se tornou uma ideologia no contexto da continuidade das reformas neoliberais e precarização do mundo do trabalho, diz: “Somos, na verdade, seres em constante transformação, que mudam, que deixam de gostar de algo, que passam a gostar de outra coisa, que lidam com faltas… Isso sem falar que, enquanto seres sociais, somos constantemente afetados por terceiros.”

A ideologia econômica do amor contemporâneo, ‘amor-próprio’, assemelha-se justamente ao personagem da poesia da canção “Smooth Operator”, o conquistador habilidoso:

“Não há lugar para iniciantes e fracos de coração, quando o sentimento é deixado nas mãos do destino não há onde terminar, mas algum lugar para começar. Não precisa perguntar ele é um conquistador habilidoso. De costa a costa, LA a Chicago um homem ocidental de norte a sul, até o Key Largo amor à venda”



A ideologia econômica do amor estabelece-se a partir da contradição no qual em um vetor há a negação de que todo envolvimento é emocional, pois, implica uma transferência de afetos, de outro, a conduta do “desprendimento” sob o signo da “liberdade individual” em que vínculos sociais de confiança e solidariedade de classe ou comunitários vão desaparecendo e em que se exige cada vez mais a título de ‘saúde mental’ a capacidade de não demonstrar raiva, rejeição, medo ou ansiedade senão “inteligencia emocional”, positividade, felicidade, completude:

“Cara a cara cada caso clássico. Nós nos escondemos e traímos precisamos da caçada. Licença para amar, seguro para possuir, derrete suas memórias e as transforma em ouro, seus olhos são de anjo mas seu coração é frio”

Sade uma visionária?

Embora, não tenha sido objetivo da letra realizar uma análise sociológica das relações amorosas de sua época, a canção revela um sentimento que inicia na época de seu lançamento ainda reverbera e ilumina as contradições dos corações de parte dos amantes atuais: teria Sade Adu antecipado a vivência das relações intimas contemporâneas?

Bibliografia complementar:

Caponi, Sandra.; Daré, Patrícia K. Neoliberalismo e Sofrimento Psíquico: A Psiquiatrização dos Padecimentos no
Âmbito Escolar. Dossiê–Racionalidade Neoliberal e Processos de Subjetivação Contemporâneos. Revista Mediações,
Londrina, v. 25, n. 2, p.302-320,mai-ago. 2020.

This post was published on 24 de junho de 2024 10:00 am

Willians Santos

Willians Santos é doutorando em ciências sociais pela Unicamp, professor da rede pública do Estado de São Paulo, ator e curador musical do projeto "Conexão Jamaifrica" (musicalidades africanas, diáspora, jamaicana e northern soul), também, integra a equipe do "Fronteiras Cruzadas" e o projeto "Conexão Diáspora: arte e política sem fronteiras". Possui publicações em mídia nacional e internacional sobre os temas da diáspora africana, imigração, refúgio, anti racismo e direitos humanos, e música.

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