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Hamilton de Holanda estreita laços com a música latina em “Tembla” e “COLLAB”, parcerias com C4 Trío e Gonzalo Rubalcaba

Nos anos 1990, Hamilton de Holanda fez seus primeiros shows internacionais, na Venezuela, e lá sentiu que poderia, sim, viver de música. Em maio deste ano, o bandolinista lançou dois álbuns que destacam grandes clássicos da música latina e panamericana no geral: COLLAB, em parceria com o cubano Gonzalo Rubalcaba – um dos pianistas mais respeitados de sua geração –  e Tembla, com o grupo de cuatro venezuelano C4 Trío.

Criado em Brasília, Hamilton vem de uma família musical e já na infância ganhou seu primeiro bandolim, se apaixonando logo de cara pelo instrumento e se tornando uma criança-prodígio no instrumento, o que culminou em uma aparição no Fantástico em 1983 e, consequentemente, no início de sua carreira profissional. Desde então, o artista acumula mais de 40 discos gravados, parcerias com músicos dos mais diversos estilos musicais (Diogo Nogueira, João Bosco, Egberto Gismonti, Ivan Lins, Milton Nascimento, Hermeto Pascoal, Mestrinho, Natiruts, Scalene, Glória Groove, Wynton Marsalis, Chick Corea, Chucho Valdes – entre outros!) e turnês pelo mundo inteiro.

O Legado de Hamilton

A importância de Hamilton de Holanda para a música brasileira e mundial vai além do virtuosismo e da versatilidade. O músico fez o seu próprio instrumento, adicionando duas cordas de nota Dó e reinventando um bandolim de 10 cordas, com a intenção de conseguir executar mais melodias e harmonias. Desde então é amplamente difundido e utilizado pela nova geração de bandolinistas. 

Além disso, foi ele quem pediu a parlamentares para que fosse instaurado o Dia Nacional do Choro, ritmo genuinamente brasileiro e que é a grande paixão do artista. Então, desde 2001, a data é comemorada no dia 23 de Abril, dia do aniversário de Pixinguinha, principal representante do gênero.


Hamilton de Holanda e C4 TríoFoto Por: Dani Gurgel

Tembla

Lançado no dia 16 de maio de 2024, Tembla une o artista ao grupo venezuelano C4 Trío e faz releituras de clássicos da música latina, como “Burbujas de Amor”, de Juan Luis Guerra (conhecida no Brasil na versão de Fagner); “Corazón Partio”, de Alejandro Sanz; “La Fiesta”, de Chick Corea; “La Tierra del Olvido”, de Carlos Vives; “Anos Dourados”, parceria de Tom Jobim e Chico Buarque; entre outros.

O C4 Trío é composto por três cuatros venezuelanos  – instrumento semelhante ao cavaquinho e ao ukelele – e um baixo elétrico. Assim, Jorge Glem, Hector Ramirez, Héctor Molina e Rodner Padilla conseguem criar uma sonoridade enraizada na música popular do país, mas com fortes influências de jazz, música latina, world music e pop.

A ideia do disco surgiu quando se encontraram na premiação do Grammy Latino 2022 e os artistas declararam admiração mútua. Após, as gravações foram realizadas nos Estúdios Groove, na Colômbia. Como a terra tremeu três vezes durante o registro das canções, nada como batizar o álbum de Tembla, já que o verbo “temblar” em espanhol quer dizer “estremecer”. 

Além das versões, Tembla conta também com músicas autorais tanto de Hamilton quanto do quarteto, como “Pras Crianças e Manzanares”, esta que conta com a participação da cantora indiana Varijashree Venugopal.


Gonzalo Rubalcaba e Hamilton de Holanda. – Foto Por: Dani Gurgel

COLLAB

COLLAB, lançado dia 30, representa o encontro entre o jazz afrocubano e brasileiro, com a parceria do bandolinista com o pianista Gonzalo Rubalcaba, conhecido por sua técnica impecável e inovação rítmica, um dos motivos pelo qual foi eleito pela revista Piano & Keyboard um dos maiores pianistas do século 20. O disco é composto basicamente por Hamilton e Rubalcaba, e é devido a esse formato minimalista que se evidencia a forte verve de improvisação e criatividade dos músicos.

São três canções de Hamilton (“Mandalagh”, “Flying chicken” e “Choro fado”) e três de Rubalcaba (“Blues Lundvall”, “Yolanda Anas”, “Transparence”), além de releituras de pérolas da MPB (“Incompatibilidade de Gênios”, de João Bosco e Aldir Blanc, que surge em duas versões – uma instrumental e outra cantada pelo próprio Bosco), da soul music (“Don`t You Worry ‘Bout a Thing”, de Stevie Wonder, aqui com participação do gaitista Gabriel Grossi), do jazz (“Silence”, do baixista Charlie Haden) e do pop lusitano (“Saudade, Saudade”, da cantora Maro).

COLLAB foi gravado parte no Criteria Studio, em Miami, e parte no Estúdio MusyMix, no Rio de Janeiro. Foi mixado por Daniel Musy e masterizado por André Dias no Post Modern Mastering, também no Rio. 


Hamilton de Holanda. – Foto Por: Dani Gurgel

Entrevista: Hamilton de Holanda

Em uma conversa por Zoom, Hamilton fala sobre sua relação afetiva com a música da Venezuela e latina no geral, justifica a escolha das músicas brasileiras no repertório dos discos, explica como foi o processo de alinhar os arranjos das músicas e responde se haverá turnê dos novos trabalhos. Confira:

Você lançou dois discos em maio, dois discos que têm muita ligação com a música latina, né. Eu queria saber qual é a sua ligação com a música latina, sobretudo com as músicas venezuelana e cubana.

Hamilton de Holanda:“A Venezuela foi o primeiro país em que eu toquei na minha vida depois do Brasil. Uma turnê que eu fiz em 1997 com o Marco Pereira, e daí eu conheci a música de lá, me apaixonei. Fiquei “enamorado”, como dizem, daquela música que tem joropo, que tem o merengue, daí eu fiz amizade com vários músicos.

Então se tornou um som comum da minha cabeça, do meu coração na verdade, mais do que da cabeça. E o cuatro, que é um instrumento nacional característico lá da Venezuela, representado por três grandes músicos desse grupo, o C4 Trío, é a continuação de um trabalho que o Cheo Hurtado, que é um cuatrista já muito conhecido de lá, começou a fazer faz tempo. Eu tive a alegria de gravar com o grupo do Cheo também, que é o Ensamble Gurrufío, então eu já tenho uma relação antiga com os músicos, com a música da Venezuela.

Então você já tinha trabalhado com o cuatro.

Hamilton de Holanda:“Já tinha trabalhado com cuatro. O Cheo Hurtado, que é um cuatrista mais das antigas e famoso lá é um professor, um mestre, foi o primeiro com quem eu toquei nessa primeira ida em 1997. Ele fez uma festa na casa dele e eu conheci esse grupo tem o Cristobal Soto, tem o David Peña, tem o Luis Julio Toro, o Ensamble Gurrufío. E o cuatro era tocado pelo Cheo Hurtado. Então daí a gente fez uma amizade muito grande e fiquei muito conectado a eles: voltei em Caracas depois, enfim, virou uma conexão de música. Eu aprendo, sabe. Eles também gostam muito de música brasileira. E daí pra chegar nesse disco foi um pulo.”

E com a música cubana? Porque o Gonzalo é cubano e o estilo dele de tocar também tem bastante a ver com as sonoridades latinas.

Hamilton de Holanda:“Ah, o Gonzalo é um músico que eu já ouço há muito tempo, sabe. Essa habilidade que ele tem de fazer um jazz com aquele sol ali do Caribe, e ao mesmo tempo com muita profundidade. Tô muito ligado no som do Gonzalo há um tempão.

No som cubano também, bastante já. Já tinha gravado com o Chucho Valdés, com a Marialy Pacheco, com o Omar Sosa, então eu admiro muito a música cubana, os músicos cubanos, então é mais um presente poder tocar com o Gonzalo, é um sonho.

Eu me lembro quando eu gravei os Brasilianos, a trilogia, um dos sons que a gente gostava muito de ouvir naquela época cujo modelo era o som do Gonzalo. Tem essa questão com o Brasil e tudo, mas tem uma questão também de eu ter tido ele como um som referência, e hoje poder tocar com ele é muito gostoso, muito alegre, muito bom.”

Hamilton, tanto o Tembla quanto o Collab são discos que tem bastante releituras de clássicos da música latina, da música mundial. O release para a imprensa explica um pouco como que se deu a escolha das músicas, mas eu queria que você falasse um pouco da escolha das músicas brasileiras que vocês regravaram: “Anos dourados” e “Compatibilidade de gênios”.

Hamilton de Holanda:“Bom, essas escolhas são muito ligadas ao lado afetivo e a um sentido que um disco pede. Cada música isolada é uma maravilha, né? E aí juntar é um processo que a gente faz de uma maneira bem natural.

“Anos dourados” veio na minha lembrança porque para mim o “Anos dourados” sempre foi um bolero. Ela foi abertura daquela série na década de 1980, um ritmo mais samba-canção, bossa nova, mas eu sempre escutei um bolero. Aí sugeri, a galera conhecia a música e já pegou na hora.

O “Incompatibilidade de gênios” foi uma coisa que surgiu ali de uma conversa, porque o Gonzalo é muito amigo do João Bosco, há muitos anos, já fizeram turnês juntos, sabe. Então foi uma música que quando a gente foi tocar a primeira vez, ela já veio, já surgiu sozinha no repertório, não precisou nem a gente falar. Foi mais ou menos por aí.”

Como em ambos os discos há muitas releituras – ainda quero seguir nessa linha -, eu fiquei pensando, como que foi na hora de alinhar os arranjos? Principalmente no Collab, que é basicamente você e o Gonzalo assim, piano e bandolim. Queria saber se houve alguma dificuldade, porque principalmente no Collab são arranjos bem diferentes dos originais, né?

Hamilton de Holanda:“Olha, eu repito o que eu falei antes, foi muito natural, porque eles – o Jorge Glem, o Edward e o Hector (do C4 Trío) -, eles têm um jeito de tocar juntos, eles começam a tocar e já sai tudo certo, porque apesar de a gente pensar: “ah, três instrumentos iguais, eles vão tocar tudo igual”, não. Cada um faz uma coisa diferente.

Então para mim, estar ali e me encaixar nessa engrenagem rítmica deles foi fácil, sabe. Com o Gonzalo eu diria o mesmo, porque o Gonzalo já chega também com tudo já pronto. Tem partes que a gente cria na hora, aí acontecem outras coisas também muito legais, e ele já sabe o que ele vai fazer. Mesmo que ele não tenha escrito alguma coisa  – que ele gosta de escrever para para marcar uns arranjos novos, ele muda interpretações das músicas dele e tal, ele escreve tudo para ficar tudo certinho, guardadinho – e tem a parte que a gente também cria na hora ali. E é a magia, né? Porque aí fica uma surpresa pra mim e pra ele também…”

… Improviso, né.

Hamilton de Holanda:“Improvisação, é. Tudo feito de uma forma muito natural, sabe Ananda.”

Eu queria agora que você falasse um pouco das inéditas presentes no Tembla e no Collab.

Hamilton de Holanda:“Então, no Collab, eu fiz uma música especialmente pra esse disco, que chama “Mandalagh”. Uma música que mistura choro com som cubano, e que tem aquele pedaço grande pra improvisar, pra criar também na hora. As outras músicas do Gonzalo são músicas que ele já tinha gravado, muito bonitas  – a “Yolanda (Anas)”, que ele fez pra filha dele, o “Blues Lundvall”, que foi um desafio danado pra mim porque é uma música de uma linguagem muito diferente, muito rebuscada; a outra, “Transparence”, dele também, muito bonita, mais do tipo da “Yolanda…”, com as melodias mais cinematográficas. E gravei o “Choro Fado”, que é uma música minha que faz parte do disco Maxixe Samba Groove (2021), com o qual eu ganhei o Grammy Latino. Gravei o “Flying Chicken” com ele também, outra composição que eu ficava pensando como é que ia ficar no jeito deles tocarem – ficou maravilhoso.

E com o Tembla eu regravei uma música que eu fiz há muitos anos, na década de 1990, que eles gostam lá na Venezuela. Muita gente já gravou e toca. Chama-se “Pras crianças”. É um ijexázinho que caiu bem com a onda pro disco: uma música mais solar, mais diurna, vamos dizer assim. Já gravaram várias vezes, inclusive o Jorge Glem já tinha gravado e ele sugeriu de gravar essa música. Eu adorei, fiquei feliz. Tem uma inédita nesse disco do Tembla que o Jorge Glem compôs música muito bonita chamada “Manzanares” e que tem a participação da Varijashree Venugopal, que é indiana. Eu já tenho uma colaboração com ela há bastante tempo e abrilhantou essa faixa. Essas são as músicas do Tembla

O resto são clássicos da música latino-americana – Eu incluiria panamericana, porque tem o Chick Corea (estadunidense) e tem o Alejandro Sanz que é ibero-americano. Então tem uma essência da música latina muito declarada, que a gente gosta muito.”

E existe a possibilidade de haver turnês com com o C4 Trío ou com Gonzalo?

Hamilton de Holanda:“Sim, a gente trabalha pensando nisso. Toda vez que a gente grava um disco, a gente pensa em levar pro palco, a ideia é essa. Por enquanto a gente tá divulgando o disco, pra chegar pras pessoas. Hoje são tantos trabalhos que rolam, então a gente tem que dar uma atenção pra chegar nas pessoas. É uma questão muito interessante. Aí eu acho que daqui pro final do ano a gente já deve ter alguma data marcada com Gonzalo, acho que sim. E com o C4 também, com certeza.”

This post was published on 18 de junho de 2024 3:12 pm

Ananda Zambi

Mestranda em Comunicação, apresentadora do Ananda Entrevista, assessora de imprensa e cantautora. Também colabora com o site Scream & Yell.

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