O City and Colour talvez seja um dos projetos solo de um artista que ultrapassou o sucesso do seu projeto principal. Algo raro, mas que também denota a competência em encavalar projetos relevantes dentro dos nichos que se propõe atuar. Dallas Green, que também é guitarrista, vocalista e um dos fundadores da banda de post-hardcore Alexisonfire.
Foi em 2000 que ele gravou sua primeira demo, Simple Songs. Mais só depois disso que passou a usar o codinome City and Colour como assinatura. Este material acabou saindo posteriormente em seus álbuns junto de canções inéditas. Oficialmente esse material nunca ganhou a luz do dia, sem nenhuma cópia física comercializada. O que conseguimos encontrar é apenas uma série de arquivos na internet (com uma qualidade baixa).
Mas dá para cravar que o projeto ganhou vida mesmo em 2006, quando lançou o videoclipe para “Save Your Scissors” para promover o álbum Sometimes. Aquele disco ainda conta com o hit “Comin’ Home” que na apresentação no domingo, 16, no Tokio Marine Hall ganhou um medley junto de “This Could Be Anywhere in the World”, do Alexisonfire, lançada por coincidência no mesmo ano.
No parrudo set com 2 horas de show cravadas, desta primeira amostra tivemos “Hello, I’m in Delaware”, faixa que assim como outras ganhou novos arranjos que chamaram a atenção – e dão um novo punch. Vale lembrar que a banda que o acompanha traz arranjos que vão do folk, passando pela americana, blues e rock’n’roll.
Em 2008 veio o álbum Bring Me Your Love, e com ele duas canções que compuseram a apresentação, “Sleeping Sickness” que fechou a apresentação e a dark “Waiting…”. Aliás, apesar de ter versos cortantes, Dallas faz questão de frisar que é uma canção de esperança, mesmo falando de morte, é no sentindo de renascimento para olhar para frente.
O luto na caneta de Green sempre ganha uma profundidade, entre metáforas e poesias, ele costuma ressignificar as passagens. Não é à toa que a discografia do City and Colour tem muita conexão com a literatura, tendo extraído o nome do álbum, Bring Me Your Love, diretamente de um conto do escritor boêmio Charles Bukowski.
Antes de tocar “Waiting…”, inclusive, Dallas Green recebe um presente de um fã. Um quadro com uma foto dele…em que até brinca que é ele mais novo ao mostrar feliz para o público.
O contexto dos discos sempre envolve uma série de bastidores intensos em sua vida pessoal. No do último como conta em entrevista para o Música Pavê, tem o luto após perder em um curso espaço de tempo duas pessoas muito próximas (um primo com quem teve sua primeira banda e o produtor Karl Bareham). Em paralelo, ele e a esposa se separaram após onze anos juntos. Foi desse período que vieram as músicas do álbum The Love Still Held Me Near (2023).
“As pessoas que vão aos shows não estão lá para ficar tristes, mas para experimentar isso que eu escrevo e talvez se transportar a um outro momento ou lugar. Outro dia, conheci uma moça que escuta minhas músicas há muito tempo e disse que, ao escutar uma música do primeiro disco no show, se lembra de uma época quando era jovem e estava descobrindo música, e isso lhe dá um quentinho no coração.
Depois, eu toco algo de outro álbum e ela se lembrava de um tempo mais difícil quando a música lhe fez companhia e, ao escutar as músicas de The Love Still Held Me Near, ela pensava no quanto aquilo tinha sido difícil para mim, mas também observava as outras pessoas na plateia se identificando com as letras…”, disse Dallas em entrevista para o Música Pavê
Disco esse que além de ter belas melodias, e uma retomada a boa forma como compositor, contou com 5 faixas ao longo do set, incluindo a “Meant to Be”, que abre o show, “Hard, Hard Time” em que pede para o público dançar e “Underground” que faz uma boa metáfora com os múltiplos significados da palavra.
O álbum que consolidou o alcance mainstream do artista definitivamente foi Little Hell (2011), tanto nas conexões com artistas como P!nk, que chegou a abrir shows nos EUA e lançou o projeto You+Me, como também por trazer baladas românticas como “Northern Wind” que chegou a aparecer no episódio de Dia dos Namorados de One Tree Hill. Aliás, foi no bloco final de músicas, mais esperançoso que a maior parte do show onde canta suas dores, que ele volta sozinho para o palco para deixar uma mensagem de esperança focada no poder do amor.
“Tem uns caras na minha banda que estão comigo há relativamente pouco tempo e ainda não puderam ir ao Brasil. E eu e os outros que já foram ao país temos agora a oportunidade de visitar o Brasil pela primeira vez pelos olhos deles.”, relatou Green em papo com André Felipe ao Música Pavê
Isso de fato aconteceu, ao apresentar seus companheiros de banda em “Hard, Hard Time”, ele comenta sobre o guitarrista estar vindo pela primeira vez ao país e como isso era algo importante para eles. A interação com o público acontece em momentos, pontuais, mas quando acontece é sempre uma frase impactante e precisa.
É o caso quando, por exemplo, vai introduzir “We Found Each Other in the Dark”. Fala sobre ser uma canção sobre ser gentil com as pessoas. Talvez o que ressoe tão puramente nas trocas entre público e o artista seja justamente essa capacidade empática em olhar para a dor, mas não como algo apenas negativo, mas por um viés que pode servir como ponte para tempos melhores.
Um otimismo nas entrelinhas, como estivesse te falando “cara, te entendo” e sei que sua dor é real. Apenas pense em quantas vezes a música foi sua amiga. Em quantas vezes ela te salvou. É parte do legado do City and Colour dar luz a essas histórias.
Um easter egg muito legal que aconteceu tanto no show do Rio de Janeiro realizado no Circo Voador pelo Queremos!, como no de São Paulo, pela T4F, foi a inclusão de uma versão de “Nutshell” do Alice in Chains. Antes de apresentá-la, ele frisou que é um privilégio estar tocando aqui e que iria tocar a sua música favorita… que não escreveu, mas que gostaria de ter escrito.
Como comentado anteriormente, o BIS foi caprichado e feito para abraçar os casais presentes na apresentação com uma sequência com “Northern Wind”, “The Girl”, em versão acústica curta, “Comin’ Home” / “This Could Be Anywhere in the World” (Alexisonfire) em medley, “Lover Come Back” e “Sleeping Sickness”
Um detalhe que deixa a atmosfera ainda mais imersiva é o ótimo uso das luzes e das projeções nos telões que mantém o público atento a cada nova arte estampada ao fundo.
Algo que pude reparar e que para mim sintetizou o show foi ver uma fã a poucos metros mergulhando em lágrimas com a maquiagem toda borrada logo nas primeiras músicas. Gostaria até de ter ido conversar com ela no pós-show para entender o quão importante eram aquelas músicas para ela e que para qual lugar a transportava. Mas acabou não acontecendo.
É nessas horas que lembramos do poder universal da música, onde uma pessoa nascida a 8.129 km de distância consegue impactar e ajudar uma pessoa a lidar com seus problemas, a ouvir um conselho, a se identificar e lhe dar esperança mesmo sem a conhecer. É na humanidade e nessas pequenas (grandes) coisas que fazem desta arte um caminho. E através desta jornada, e arte, Dallas está a mais de 30 anos aquecendo corações com esperança por dias melhores.
Meant to Be
Living in Lightning
Northern Blues
Thirst
The Love Still Held Me Near
Two Coins
We Found Each Other in the Dark
Weightless
Underground
Astronaut
The Grand Optimist
Nutshell (Alice in Chains cover)
Little Hell
Waiting…
Hard, Hard Time
Hello, I’m in Delaware
Bow Down to Love
Encore:
Northern Wind
The Girl
Comin’ Home / This Could Be Anywhere in the World
Lover Come Back
Sleeping Sickness
This post was published on 17 de junho de 2024 7:04 pm
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