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Rita Lee, a Rainha que preferia ser chamada de Ovelha Negra

Rita Lee nos deixou na última segunda-feira (08/05) vítima de um câncer de pulmão

Assim que recebi a notícia de que Rita tinha virado estrela no céu corri para contar para a minha avó. Sua primeira reação foi um susto com olhos arregalados, mas então sorriu e me disse: o principal nome do rock nacional foi uma mulher e acho que sempre será.

Acredito que uma frase é pouco demais para descrever toda a trajetória de Rita Lee, mas, realmente, ela é o rock nacional, a figura mais marcante das loucuras e sonoridades que o rock n roll pode proporcionar.

Jorge Ben bem disse que Rita era “terrivelmente feminina”. Encarnação do ser destemido, Rita foi uma das primeiras mulheres a tocar guitarra no palco e criou o seu próprio jeito de ser, já nasceu liberta, desafiadora, contundente sem pose, reta no recado, mas sempre com muita poesia.


Jorge Ben Jor com Os Mutantes (Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias) – Foto: Arquivo

A sensação de perder Rita foi como a de perder Fernanda Young. Mulheres geniais, sem igual, totalmente fora da caixinha e, por isso, cirurgicamente espirituosas. Estou começando a acreditar que elas vieram do mesmo planeta, deram uma passadinha por aqui para deixar uma lição bem dada e foram embora com suas espaçonaves para andar de mãos dadas com Deus e deixar ele um pouco mais legal. Não é atoa que Rita Lee será velada em um dos seus locais favoritos de São Paulo no Planetário do Ibirapuera (com direito a reprodução do céu como estava no dia 31/12/1947 – dia em que nasceu).

Rita Lee Jones chegou ao planeta Terra em 1947, sob os olhares severos e rígidos do “General” papai Charles numa casa na Vila Mariana, bairro tradicional de São Paulo.

Ainda novinha, enfrentou a merda de “perder a virgindade” com um técnico de máquina de costura que foi à sua casa ajudar sua mãe e enfiou uma chave de fenda em sua vagina. No mesmo tempo, se apresentou pela primeira vez em público tocando piano e fez xixi na calça, no palco.

Rita viveu demais. Esteve por todo o mundo, seja viajando de avião ou por todas as drogas que experimentou e conta, no mais poético politicamente incorreto, as suas peripécias em suas músicas.

Junto de Arnaldo Baptista, Sérgio Dias, Dinho Leme e Liminha formou Os Bruxos (rebatizados por Ronnie Von como Os Mutantes) e deu o que falar durante o movimento Tropicalista. Sempre com postura irreverente e desafiadora, corajosa demais, cantava sobre se drogar, gozar, amar e ser livre no meio da ditadura.

“São 57 anos de amizade. Eu a conheci quando ela era uma menina. Era uma irmãzinha para mim. Nos conhecemos por meio de um amigo em comum. Nós éramos fanáticos por Beatles. Meu pai, que trabalhava em Londres, trazia os discos dos Beatles de lá para cá. Até chegar no Brasil para ser vendido, demoraria muito. Então, quando eu estava com o disco novo, ligava para ela chamando para vir escutar comigo em casa.

Eu tive a honra de apresentar ao mundo ‘Os Mutantes’, nome esse que eu tenho muito orgulho de ter sugerido. Foi inspirado em um livro de science-fiction que eu estava lendo na época”, contou na TV Ronnie Von


Ronnie Von homenageia a amiga Rita Lee em post no Instagram. – Foto: Reprodução/Instagram

Eles gravaram alguns dos álbuns fundamentais do rock brasileiro, que marcaram para sempre a história da música. O disco homônimo de 1968 já trazia hits como “A Minha Menina”, “Balada do Louco” e “Ando Meio Desligado”.

Mas, um dia, Arnaldo chegou e falou: “A gente resolveu que a partir de agora você está fora dos Mutantes porque nós resolvemos seguir na linha progressiva-virtuosa e você não tem calibre como instrumentista“. Mal sabia o erro que cometia…

Nos anos 70, Rita Lee tirou do lixo um texto de Tom Zé e transformou em música.



Após uma breve passagem por Londres, na qual até chegou a comentar ter vivido uma noite selvagem com os integrantes do Yes, Rita logo formou outra banda, a Tutti Frutti, com a qual gravou Fruto Proibido, em 1975, que consagrou a cantora como rainha do rock brasileiro. Em Tatibitati (ouça), lançado em 1981, a artista explorou até mesmo as ondas da New Wave, algo bastante diferente em relação aos trabalhos anteriores.



Há quem diga que a virada de chave na vida de Rita foi a chegada de Roberto de Carvalho, seu parceiro de banda e de vida. A partir deste momento, os dois caminharam juntos até o final da vida. Rita e Roberto tiveram três filhos: Beto, João e Antônio Lee. De uma briga do casal em que Rita escreveu uma carta pedindo desculpas a Roberto, o músico devolveu de volta uma demo que virou “Desculpa o Auê”.



Foi depois de ser detida pela ditadura militar por porte e uso de maconha, num ato do regime para “servir de exemplo à juventude” da época, que Rita Lee iniciou a parte de sua carreira que a consagrou, lançando hit atrás de hit como “Mania de Você”, “Chega Mais” e “Doce Vampiro”.



Como toda boa rockstar, Rita teve episódios de internação por conta de abuso de calmantes e álcool. Em 86, sofreu uma queda da varanda do segundo andar de seu sítio, que causou uma fratura no maxilar e perdeu 40% da sua audição. Certa vez, Rita contou que só conseguiu se livrar das drogas e do álcool em 2006. Adepta de exercitar a espiritualidade, a artista também era ativista pelos direitos dos animais, os quais dizia preferir mais do que gente.

“Estou limpa há 11 anos, desde que minha neta nasceu. Canalizei minha energia e estou achando muito louco esse negócio de ser careta”, contou numa entrevista ao programa Conversa com Bial, em 2017.

Em 2012, a cantora anunciou sua aposentadoria dos palcos, alegando fragilidade física, mas afirmou em seu icônico Twitter: “Me aposento dos shows, mas da música nunca”. A música nunca vai se aposentar de você também, Rita.



Ela pensou em tudo, até na sua morte, que aconteceu na última segunda, dia 8. Em um texto publicado em sua autobiografia com o título “Profecia” imagina a reação de amigos, inimigos, familiares e fãs, mas conclui com sua frase do epitáfio: “Ela não foi um bom exemplo, mas era gente boa.”

Você foi mais que gente boa, Rita. Obrigada por tudo e por tanto. Boa viagem.

Bônus:

Uma Mixtape feita por Rita Lee

Uma entrevista da Marília Gabriela com Rita Lee



Rita falando sobre Fernanda Young



Irritando Fernanda Young com Rita Lee



Uma crônica de Rita Lee sobre Hebe Camargo



Rita Lee imitando João Gilberto



Lee falando sobre a experiência de cantar com João Gilberto



Rita e Roberto de Carvalho participando de “Televisão” dos Titãs



Rita Lee no Arquivo Confidencial do Domingão do Faustão


This post was published on 10 de maio de 2023 1:51 pm

Sofia Tremel

Meu nome é Sofia, mas pode me chamar de Soso. Me dedico a comunicação, escrita e visual, fazem 4 anos e é a uma grande paixão, só não é maior que meu amor pela música, que me acompanha todos os dias e me transformou em quem eu sou.

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