Yungblud entrega tudo que pode mas mostra fragilidade no repertório em aquecimento para o Lollapalooza
Talvez uma das funções mais importantes do jornalismo cultural seja justamente a busca por entender fenômenos de massa. Há alguns anos pude ouvir falar sobre um jovem promissor da Inglaterra que com sua atitude no palco conseguia impressionar aos poucos velhos conhecidos da cena inglesa. Isso antes do Yungblud disponibilizar seu primeiro álbum de estúdio em 2018, 21st Century Liability, que já saiu sob a chancela da Geffen, Locomotion da Interscope. Por coincidência a primeira, a mesma da época do estouro do blink-182. Foram justamente a junção desses elementos que fizeram com que estivesse presente na quinta-feira (23/03) no Cine Joia.
Ao adentrar a casa de shows para o Lolla Side Show, e primeiro no Brasil do inglês de Doncaster, notei um público bastante jovem e trajando cintos de rebite, meias arrastão, cabelos coloridos, tachinhas, maquiagem forte, alguns até com rostos pintados e a alegria dos 20 e poucos anos estampada na cara. Automaticamente voltei para 2005 naquela edição do Claro Que É Rock.
Com programação com nomes muitos distintos que iam de Iggy Pop passando por Fantomas, Sonic Youth, The Flaming Lips a Good Charlotte. Naquele ano muitos como eu queriam ver os irmãos Madden, uma dupla de VJs da MTV americana, que flertava com o punk melódico e pop. Um deles namorava até a Nicole Ritchie, depois acabou casando, uma socialite norte-americana que tinha um programa ao lado de Paris Hilton chamado The Simple Life, algo não muito diferente do reality show das Kardashians, mas talvez o começo de tudo.
Fato é que esse “””””pop punk””””” acabou sendo chamado de emo por aqui e toda essa mística não é muito diferente de Machine Gun Kelly e Megan Fox. O que distancia esses fenômenos e lifestyle com apelo comercial mas “perfume punk” são 20 anos e uma série de transformações em nossa sociedade enquanto coletivo. Esse revival (controverso para muitos) tem muito desse apelo de Hollywood que esses nomes acabam invocando.
Mas voltando ao Good Charlotte, o som dos caras tinham temáticas de dilemas da juventude, temas como suicídio, depressão, fragilidade e expor sentimentos eram de certamente novidade e junto de todo um contexto de bandas foi importante para levantar diversas bandeiras que muitas vezes não tinham espaço em um rock truculento. Na época os fãs sofriam até mesmo bullying do que costumávamos chamar de outras tribos. Essas lutas foram importantes para repensar aquele momento, foi semente de muita coisa na cultura pop e liberdade de expressão
O som por sua vez tinha uma série de riffs roubados de outras bandas de punk rock e seus inúmeros sub-gêneros. Lembro de uma conversa que tive há 10 anos justamente sobre a importância das bandas entrantes para que uma nova geração vá atrás de pesquisar e se apaixonar por outros artistas.
Você que está lendo com certeza irá se identificar. Não importa se foram Os Menudos, o Blur, o Limp Bizket, o blink-182, o Linkin Park ou o Twenty One Pilots. Todas essas cumprem esse papel e acabam fazendo com que nos apaixonemos por música e todas suas portas. Independente de você se orgulhar anos depois ou não, na verdade isso pouco ou nada importa mas elas tiveram seu papel.
Yungblud em São Paulo (Cine Joia, 23/03/2023)
Observando toda aquela energia eufórica de um Cine Joia lotado o sentimento foi de olhar para aqueles rostos suados e ver a emoção de quem está encontrando um dos ícones da sua geração. O bom mocismo de Yungblud foi notório, inclusive, desde sua chegada ao país, onde recebeu os fãs com carinho desde o aeroporto, inclusive no fim do show ele até convidou os fãs para encontrar do lado de fora, o que provocou um pequeno tumulto na praça da Liberdade.
O músico acompanhado de um guitarrista, uma baixista e um baterista sobe ao palco por volta das 21:18h com um pequeno atraso da previsão de um show programado para às 21h de uma quinta-feira a noite de caos no transporte público, já que o metrô da linha azul (que dá acesso a região) não operava.
Algo a se observar mais do que a música que ele produz, é a identificação com as causas que apoia e levanta bandeiras. Seu pessoalismo e lado influencer são sua maior ponte de conexão com os fãs. Não é por acaso que ele durante a apresentação abraça uma bandeira trans que não apenas é utilizada na representação trans e pessoas não brancas, mas para pessoas, bissexuais, queer, não binarias, intersexo, assexuais e pansexuais, que gera automaticamente identificação e berros do público.
Ele sobe no palco na verdade com o jogo ganho, o que falta mesmo talvez seja repertório. Com diversos feats na discografia ele acaba perdendo esse fôlego e não traz hits com Willow, Halsey, Dan Reynolds do Imagine Dragons, Travis Barker e Machine Gun Kelly para a apresentação. Talvez o feat com Willow no palco seria um dos momentos memoráveis do Lollapalooza 2023, porém o cancelamento da atração fez com que isso não fosse possível em Interlagos.
Yungblud já entra no palco pulando, com público ganho, e muitas vezes ensurdecedor, que canta todas as músicas mas é justamente pelo fato das composições acabarem em fórmulas pastiche na parte técnica que show acaba tendo que se centralizar no seu magnetismo, firulas e chutes no ar. O músico agradece com muita felicidade os gritos de “Eu Te Amo” que recebe do público.
Ele claramente faz o show de pouco mais de uma hora (Drake e Avril Lavigne fazendo escola de shows curtos) justamente porque tem apenas 2 discos, muitos feats que não traz para a cena e pelo fato de ser um artista que ainda está construindo uma trajetória. Do carisma entre saltos, ir para o público e chamar a fã Lara para o palco, não podemos falar que não entrega uma experiência satisfatória para os fãs mas parece que falta algo ali em termos de música.
Além disso, um show sem BIS sempre será algo estranho para mim.
Chega até ser engraçado ver a fragilidade do repertório em canções como “Anarchist”, que tem aquela mesma rebeldia juvenil dos Sex Pistols mas sem todo apelo e pacote incluso – parecendo algo pré-fabricado e talvez esse revival tenha muito disso como um todo. Muitos riffs de guitarra soam como a cópia da cópia da cópia. Dá para ver como nomes como Green Day foram importantes para a construção das canções, ele ainda faz um rap em algum som ou outro mas nada que não tenhamos visto antes e lembrando artistas contemporâneos como Twenty One Pilots. Sua performance e entrega são louváveis e dialogam com o público mas se restringe a isso.
Dizem que o que um artista que faz pop tem que fazer é refletir seu tempo – e isso ele faz com primor.