Afinal, para quem são os shows? Os fãs ou os artistas?

 Afinal, para quem são os shows? Os fãs ou os artistas?

Sou fã do Arctic Monkeys desde 2007. Por coincidência, esse foi o primeiro ano que a banda veio ao Brasil para tocar no Tim Festival. Como não pude ir a esse show por conta da minha idade, eu coloquei como uma meta ver o máximo de shows que eu poderia assistir da banda. Quando você ama tanto uma banda/artista, poucos sentimentos no mundo se equiparam a ver eles ao vivo. São uma ou duas horas da mais pura dose de adrenalina misturada com dopamina, e naquele intervalo, nada mais importa. 

Então, em 2012 eu estava lá, na primeira edição do Lollapalooza, vendo o Arctic Monkeys bem diante dos meus olhos. Em 2014, na sua passagem pelo Anhembi também. Em 2018 eu tive a incrível oportunidade de ir para Espanha ver eles mais uma vez. E quando eles anunciaram sua passagem pelo Brasil em 2019, eu não hesitei e comprei novamente o ingresso para vê-los no Rio de Janeiro. Assim, é maluco pensar que 10 anos depois, eu pude ver eles novamente.

Depois de 4 anos de hiato, eles finalmente deram as caras e anunciaram um álbum novo e começaram a marcar shows. Cada single lançado mostrava uma banda mais madura e um Alex Turner já cansado da pose de superstar babaca. “The Car” foi lançado em 21 de outubro, e para felicidade de alguns, e infelicidade de outros, ele não é um álbum de rock.


Arctic Monkeys no Brasil - 2022
Alex TurnerFoto Por: Marcelo Andrade

Desde Tranquility Base Hotel and Cassino (2018)  já era perceptível que a era do AM (2013) acabou de vez. Entretanto, todos os shows daquela turnê foram marcados por setlists compostos majoritariamente pelos rocks que fizeram eles conquistarem diversos jovens em 2013. Quase todo show termina sempre com “R U Mine”.

A partir disso, os shows marcados para 2022 começaram a movimentar novamente os fóruns de fãs, onde já rolavam as suposições desse novo setlist. Mas a verdade é que pouco mudou de 2019 para cá. “Potion Approaching” do Humbug foi uma das novidades. E depois, um a um, os single do “The Car” foram aparecendo em seus setlists. Mas “R U Mine”, “Do I Wanna Know” e outras músicas músicas do “AM” continuam sendo as mais tocadas de seus shows. 

O sétimo disco remete muito a uma frase dita pelo Alex Turner em um vídeo 2006, antes de tocar “I Bet You Look Good At The Dance Floor”: “Don’t believe the hype”. Depois do lançamento do “AM”, esse mesmo hype foi inevitável e a banda ganhou um notoriedade imensa, lotou estádios no mundo todo, foi headliner de todos os festivais importantes e encarnou essa fantasia de uma grande banda de rock com Alex encarnando a persona  rockstar. Mas a verdade é que isso faz quase dez anos agora, e eles cresceram, casaram e tiveram filhos.


Arctic Monkeys no Brasil - 2022
Foto: Ag. Brazil News/Thyago Andrade

Em “Sculptures of Anything Goes”, Alex declara estar em choque com suas próprias convicções: “How am I supposed to manage my infallible beliefs /While I’m sockin’ it to ya?/Performin’ in Spanish on Italian TV”. “The Car” passa a mensagem que o jovem vocalista falou há tantos anos. “Não acredite no hype”. Mas que ainda sim, prioriza as músicas de um álbum lançado em 2013. Que a banda tem muitos os hits todo mundo sabe e eu realmente não quero comprar briga com os fãs do “AM”, mas uma nova era, não significa priorizar as músicas do último álbum lançado?

Para mim já é claro que os macacos do ártico adoram o Brasil, e dessa vez eles decidiram incluir mais um destino para a turnê. Além de tocarem no Primavera Sound em São Paulo e na Jeunesse Arena no Rio de Janeiro, eles também foram para Pedreira Paulo Leminski, em Curitiba. No exato momento que eles anunciaram eu me senti com 12 anos de novo e com a vontade de ver todos os shows. Por motivos de logística eu priorizei o Primavera Sound para poder assistir os outros tantos artistas que eu gosto e compuseram esse lineup. 

O show no Rio seria na sexta-feira 04/11, tornando uma missão quase impossível voltar para São Paulo e ter disposição de ir em um festival de mais de 12 horas. Aceitei que não iria dar, mas ainda sim o show de Curitiba, na terça-feira (08/11) depois do festival, me brilhava os olhos. Como quem não quer nada, mandei meu nome para o credenciamento do show na Pedreira Paulo Leminski, sem muitas esperanças. Todas minhas convicções caíram por terra no momento que eu recebi a resposta positiva para o show. Me senti o ser humano mais sortudo do mundo e ninguém poderia roubar aquela conquista da Mariana de 12 anos.


Arctic Monkeys no Brasil - 2022
Foto: Mariana Marvão

Mas calma: antes de embarcar em um ônibus para a capital do Paraná, eu poderia ver eles tocando no primeiro dia do Primavera Sound. Existem dores e belezas de sua banda favorita ser o headliner de um festival. É realmente uma experiência encontrar uma legião de pessoas que compartilham o mesmo amor que você pela banda e eles têm mais tempo de apresentação devido ao posto privilegiado. Mas ao mesmo tempo você e essa multidão de fãs querem ocupar o mesmo espaço, o mais próximo do palco. Não é fácil, ainda mais quando se tem 1,55 e algumas árvores no meio da caminho.

Na noite anterior, no Rio, a banda entregou um setlist impecável (aos meus olhos) e estreou ao vivo “Sculptures of Anything Goes”, que abriu o bis. No sábado, essa foi a primeira surpresa da noite, com a música marcada por um sintetizador soturno abrindo o show. Por consequência, foi chocante notar quelas milhares de pessoas com blusas do Arctic Monkeys em completo silêncio, olhando quase sem entender para o palco. Logo em seguida veio “Brainstorm” e ficou tudo bem, corpos começaram a pular e gritar “Brian / Top marks for not trying”. Ao final do show o saldo foi o seguinte: cinco músicas do “AM”, quatro músicas do Humbug e quatro músicas do The Car. E pelo menos ali, onde eu estava, a plateia não vibrou com nenhuma música do último álbum.

A entrega deles no palco foi exatamente o que se espera de um headliner, com a percepção que Alex e o guitarrista Jamie Cook estavam até mais soltos que das outras vezes. Era perceptível ver que todos no palco se empolgaram mais ao tocar as novas músicas. Mas o que ficou para mim é que a energia do público não casou tão bem com esses momentos. Às vezes show em festival é algo complicado mesmo, muito difícil agradar o mais variado público. Pensei que ainda havia mais um show para assistir e tentar entender melhor o que o público esperava. 

Fui para Curitiba, peguei um ônibus e logo encontrei um amigo, desses que só um fã clube pode ter te apresentado. De todas as coisas que essa banda me deu, a mais importante foram meus amigos. Pessoas de outros estados, amigos que fiz nas filas de shows e duram até hoje, um simples comentário no Facebook que se tornou uma companhia para o Rio em 2019. E por ironia do destino eu encontrava mais um nessa estrada que iria durar umas boas 7 horas. 

Chegando na pedreira Paulo Leminski fui informada que poderia assistir o show do camarote e logo fui me adiantado para pegar o lugar de uma mãe que estava na grade. Todo meu respeito às mães em shows, mas aquele era o meu momento. Uma surpresa agradável foi o grupo de meninas com seus 14/15 anos que estavam atrás de mim, depois de responder que “não, aquele que está afinando a guitarra não era o Alex Turner” antes do show. Eu virei um guru delas. Foi gostoso conversar com elas e me lembrar da sensação de estar vendo sua banda favorita pela primeira vez.  

O setlist foi exatamente o mesmo que do Primavera Sound, era perceptível que eles estavam mais cansados, e mesmo assim entregaram um show incrível, que aquelas meninas atrás de mim iriam se lembrar para sempre. Aquela plateia também não sabia as letras das músicas do The Car. Mas esses mesmo  público acendeu seus celulares nessas novas músicas, mostrando seu apoio e deixando a Pedreira com um visual incrível. E como já era de se esperar foi a loucura com o primeiro acorde de “R U Mine” fechando o show. 

Foto: Mariana Marvão

Eu estava mais que satisfeita com o espetáculo que eu havia presenciado com meus próprios olhos (e não só pelo telão como normalmente acontece). Mas para minha surpresa enquanto eu estava lá dentro ainda, na fila para comprar um cachorro quente, o atendente falou para sua colega que estava ao lado “Mas eles nem tocaram a mais famosa deles” e logo me adiantei “Qual é a mais famosa?” .“Aquela, ‘I Wanna Be Yours’” e eu respondi gentilmente “Essa música na verdade não é exatamente deles e acho que eles já estão meio cansados de tocá-la.” E foi na resposta daquele curitibano que colocou uma grande dúvida em minha cabeça. Ele disse “Mas eles estão fazendo o show para gente, não para eles, eles tem que tocar o que a gente quer ouvir”.

Reflexiva, comi meu cachorro quente. Eu não soube o que responder para aquela pessoa. Voltei todo o caminho para o lugar que eu iria dormir me perguntando, “Afinal, para quem são os shows?” Talvez a resposta mais rápida seja óbvia, para o público. Mas como excluir tão facilmente a banda dessa equação? E se aquela música fosse sobre uma situação que talvez o cantor não queria mais pensar, mesmo que tenha sido seu grande hit. Refleti sobre as milhares de coisas que devem se passar na cabeça daqueles quatro homens de Sheffield antes de subir ao palco ou antes mesmo ao pensar no setlist de cada show. Eu sinceramente não cheguei em uma conclusão dessa pergunta, mas talvez seja algo que eu também não quero resolver. 

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