Conexão Jamaifrica: Uma viagem no tempo e o espaço através da musicalidade africana e afro diaspórica

 Conexão Jamaifrica: Uma viagem no tempo e o espaço através da musicalidade africana e afro diaspórica

Conexão Jamaifrica: Uma viagem no tempo e o espaço através da musicalidade africana e afro diaspórica

Atlântico Negro Brasileiro

Com a narrativa que se segue busco pincelar a trajetória do projeto Conexão Jamaifrica (acompanhe aqui) e a maneira pela qual instruí-me em produção cultural e curadoria musical para isso me empenho por demonstrar como ele faz parte do que denomino Atlântico Negro brasileiro.

 Em sua obra “O Atlântico Negro” Paul Gilroy (2012) observa as trocas musicais entre Estados Unidos, Europa e África, tal qual exemplos que ele apresenta no livro minha experiência de campo demonstrou que as trocas musicais entre imigrantes, refugiados e brasileiros no Brasil construiu uma espécie de “Atlântico Negro” (GILROY, 2012), prática, conforme o argumento do autor, que tem no exílio e na circulação de intelectuais, militantes, poetas, romancistas, músicos, discos, canções, suas características principais. Os músicos e a música evidenciam que as populações negras diaspóricas estão em maior grau unidas em razão da “experiência da migração do que pela memória da escravidão e pelos resíduos da sociedade de plantation (op.cit, 2012; p.173)”.

Outro atributo é “o lugar da música no mundo do Atlântico negro” (GILROY, 2012) enquanto “autocompreensão articulada (GILROY, 2012)”, seja na forma de narrativa social e política ou em poesias, os músicos são espécies de intelectuais que produzem um saber alternativo das relações que vivenciam, sobre a cultura musical internacional e o campo musical nacional. Detém uma função diante da sociedade, para o autor as pessoas não necessitam de uma vanguarda intelectual para ajudá-las a falar, não obstante “são os músicos que são apresentados como símbolos vivos do valor da espontaneidade (op.cit, 2012; p-169)”.

  Dito isto, busco salientar que esse projeto resulta de experiências de trocas, incentivos, parcerias e pesquisas no Atlântico Negro brasileiro, metodologias de trabalho que acredito render bons frutos para quem almeja inserir-se na produção cultural na área de música africana e afro diaspórica. Por ser uma biografia e devido aos limites do texto trarei apenas algumas vivências e com elas busco contar parte da história de como o projeto surgiu e em que pé ele se encontra.

Primeiro ato: pesquisando com Africanos em São Paulo

Toda vez que apresento meu trabalho insisto em duas inscrições “DJ Will da Leste” (o leste homenagem ao MC da Leste) e o “Projeto Conexão Jamaifrica” (Jamaifrica + África), isso se deve porque o ‘segundo ator’ possuí uma vivacidade atravessada por pesquisa, trocas, incentivos e parcerias – não resulta de uma suposta genialidade minha -, de alguma forma sua existência (e nesse momento uma tentativa de profissionalização) ocorreu devido as distintas pessoas que passaram por minha vida incentivando a proposta, bem como, apresentaram referencias, propuseram atividades conjuntas, portanto, resulta da existência de um outro, ou de outros.

O projeto Conexão Jamaifrica inicia primeiro com minha pesquisa de doutorado em Ciências Sociais que realizo no IFCH\UNICAMP, tal trabalho começou em 2017 e deve ser concluído em 2023. A pesquisa “A África no Brasil: encontros e tensões na trajetória de músicos africanos no campo musical brasileiro” tem por objetivo compreender o encontro entre a África dos africanos e a África dos brasileiros, portanto, as distintas concepções de africanidades dos imigrantes, de refugiados e dos brasileiros, ao mesmo tempo, observo as malhas colaborativas profissionais: as relações sociais entre esses sujeitos para o desenvolvimento de trabalho artístico de música.

O despertar à ida ao campo, propriamente, ocorreu após ouvir o alerta de Nádia Ferreira – nascida na Guiné Bissau, estudante no Brasil, mãe e ativista pelos direitos de mulheres africanas – de existir no país encontro entre duas Áfricas: a dos africanos e a dos brasileiros. A fala de Nádia ocorreu em reunião entre ativistas de direitos humanos na Câmara dos Vereados de São Paulo no ano de 2016 para avaliar as condições de vida da população imigrante africana na cidade.

A conexão do projeto com essa experiência se deve porque o contato com os artistas me permitiu conhecer universos musicais das regiões de onde eles vinham, além de sua própria musicalidade. E disso amigos ou pessoas com quem trabalhei, ocasionalmente, ao ver alguns resultados da pesquisa em formato vídeo, foto em redes sociais, artigos para jornais e científicos, sugeriam-me criar um podcast ou discotecar.


Ensaios do grupo Baobá 2018 - Conexão Jamaifrica
Ensaios do grupo Baobá 2018 – Foto Por: Willians Santos

Ensaios do grupo Baobá 2018 - Conexão Jamaifrica
Ensaios do grupo Baobá 2018 – Foto Por: Willians Santos

Um dos primeiros grupos com quem estudei sobre as musicalidades africanas foi o Maobé. O nome em yoruba significa “Afasta Inveja”, surgiu na cidade de São Paulo em meados de 2017 e seus integrantes à época eram os togoleses Edoh, Tyno, Koffi, Messan, Esse, Ayiko, Edemos, Topry e Nokplime. A proposta tinha por princípio apresentar a música e a dança que envolve as culturas da África subsaariana. Junto a música havia performance onde eram apresentadas a dança Tibó, Sakpatá e Idjombi; seus cantos referenciavam a história do Império Daomé. As músicas diziam acerca dos países do oeste do continente, seus costumes, tradições e povos mas, também, de outros reinos como os Zulus presentes na África do Sul e os muçulmanos no norte.

Nesse contato integrei o Baobá idealizado e organizado por Edoh Amassize com participação de Tyno Val, Patrícia Vaz e Francisco de Oliveira e no seu início contou com a participação de Bruna Sampaio ao longo de sua duração contou com convidados para ministrar aulas no ano de 2018. Edoh, idealizador de ambos projetos, é um artista instrumentista nascido no Togo e radicado em São Paulo. Sua arte navega pela cultura da dança e música percussiva do Togo, Burkina Faso, Benin, Gana, Guiné Conacri e Mali, África subsaariana, além do grupo Maobé ele integrou o grupo de Cumbia, Cumbia Cavalera.

O outro importante integrante a época do Baobá e do Maobé era Tyno Val – cantor, compositor e instrumentista -, naquele momento ele havia lançado uma gravação chamada “Nostalgia” (Tyno Val & Ablam Vinaku) pela Radinho Music, canção que lembrava sua infância. Até ali o músico havia performado solo no SESC Vila Mariana e algumas vezes no Sarau Afrobase, nas apresentações do Maobé que conferi ele fez a abertura do espetáculo. Seu estilo é de uma voz suave, melancólica e nostálgica. Em parceria com o Instituto Nação e o Estúdio Kalakuta ele lançou essa canção como vídeo clipe onde se pode ver sua performance típica de um bluesman.

Das conversas com Francisco e Tyno, e com amigos para quem eu falava dessa experiência, soube da existência de dois artistas um do Mali e outro Tôgo: Salife Keitá e Vadou Game, os quais, incluí em meu repertório.



A relação com o grupo Maobé ocorreu, também, em uma parceria de produção, no caso, a busca por espaços musicais para que o grupo pudesse realizar a festa de comemoração do dia da Independência do Togo ocorrida, então, no bar e Espaço Cultural Presidenta. Meu papel foi de procurar os espaços o que fiz conversando com curadores musicais de bares localizados entre a Vila Mariana, o bairro do Bexiga e a rua Augusta, onde está a Presidenta, todavia, como eu me mudaria para Campinas não pude participar da outra parte da programação que seria a organização da festa em si.

Antes desta festa pude contribuir com a apresentação do grupo Maobé nos “Refúgios Musicais” organizado por Ana Garbin. Esse projeto possuía por objetivo fornecer espaço e voz para artistas em trabalho solo ou bandas que viviam no Brasil na condição de refugiado ou imigratória. Ana Garbin Garbin foi a responsável por produzi-lo, junto a Neide Salles, integrando-o as “pautas programáticas” do SESC Belenzinho por volta de 2017, ligando-o aos eixos diversidade cultural e a sociedade e cidadania, nesse momento descobri a importância do termo curador musical. Minha mediação foi orientar ao grupo as demandas de segurança, horário, transporte e tempo de show exigido pelo SESC e a unidade o repertório, integrantes, local de saída; e realizei com auxílio de Francisco registro fotográfico e vídeográfico da apresentação.

Esse aprendizado foi importante, pois, conforme entrevista que realizei com Ana ela considera importante os artistas terem seus produtores culturais de mesma nacionalidade que os representem sem a necessidade da mediação de um brasileiro para assim terem mais autonomia. Outra consideração notada por ela é quando o artista não fala a língua local ou pouco conhece acerca da maneira como operam as instituições financiadoras os artistas se mantem semi profissionais.

Continua na segunda parte.

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