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Planet Hemp critica a insanidade dos nossos tempos em “Jardineiros”

Após 22 anos sem material inédito o Planet Hemp volta a lançar um disco às vésperas de uma das eleições mais importantes da história do país. Na linha de frente a formação atual conta com Marcelo D2, BNegão, Formigão, Pedro Garcia e Nobru. No ano que vem o grupo celebrará inclusive seus 30 anos de história e sua discografia conta Usuário (1995),  Os Cães Ladram Mas a Caravana Não Pára (1997), A Invasão do Sagaz Homem Fumaça (2000) e agora com Jardineiros (2022).

Rock, rap, funk, funk metal, punk rockhardcore, reggae, jazz, bossa-nova e até samba, todos ritmos fazem parte da história do grupo ao longo de sua discografia que tem como referências nomes que vão de Run-DMC a Dead Kennedys, Bad Brains a Cypress Hill, Bezerra da Silva a John Coltrane.

Explosão, confusão, crítica social afiada e linha de frente. A volta do Planet Hemp não poderia carregar elementos que nos mostrem um pouco mais do DNA ativista, contra o sistema vigente e repudiando a onda de retrocesso político e social recorrentes nos últimos anos no país. No meio disso a “Distopia” em que vivemos é o que centraliza a narrativa do primeiro disco do supergrupo carioca que vai do rock’n’roll ao rap, do funk ao dub sem pedir passagem em mais de duas décadas.

“O Planet Hemp sempre foi um movimento de contestação. As nossas letras, que um dia já nos levaram pra prisão, são o reflexo do que a gente pensa sobre esse sistema, sobre o ideal coletivo e a nossa forma de expressar através da música o nosso manifesto. Vai muito além de um discurso político, é um discurso musical muito mais profundo sobre liberdade de pensamento”, diz o grupo sobre o cunho político da canção e sua identidade 

Para o novo trabalho o grupo convocou para a produção um time de grandes nomes da indústria fonográfica para trabalhar junto. NaveMario Caldato (responsável pela finalização do álbum em Los Angeles, nos Estados Unidos) e Zegon (integrante do Tropkillaz). O último, inclusive, começou a sua carreira nos anos 90 como DJ da banda. Já Caldato, havia trabalhado com o Planet Hemp no disco Os Cães Ladram Mas A Caravana Não Para; como produtor ele já assinou trabalhos de artistas como Jack Johnson, Yoko Ono, Seu Jorge e Nação Zumbi.

“Este disco é muito diverso, como é a história do Planet Hemp: não tem uma música muito parecida com a outra. Ter esse time de produtores com a gente nessa empreitada foi fundamental para chegarmos nesse resultado”, diz BNegão, integrante da banda


Capa do álbum “Jardineiros” – assinada por Gabriel Finotti e Mateus Acioli, arte traz mosaico de imagens distópicas, entre elas as covers de faixas do disco, como “Taca Fogo”, “Ainda”, “O Ritmo e a Raiva”, “Veias Abertas” e “Distopia”.

Planet Hemp Jardineiros

Jardineiros conta com 15 faixas (sendo 2 vinhetas), com direito a introdução contendo fala de Marcelo Yuka, que faleceu em janeiro de 2019, em decorrência a um AVC.

Para introduzir “Distopia” a citação do músico abre o disco de forma emblemática e precisa para os nossos tempos.

“Quando o instrumento do medo não funciona a gente adquire um poder inimaginável” (Marcelo Yuka – 1965 – 2019 – fala foi extraída de entrevista com o músico em 2016)

“Distopia” é uma canção que traz guitarras altas e pujantes, rimas firmes de Marcelo D2 e Bnegão que se sentem bem a vontade em dividir o protagonismo, e a participação de Criolo acaba sendo bastante emblemática por si só. Visto que o rapper paulistano fez linha de frente contra o governo e as atitudes escracháveis durante seus lançamentos, seja através de um clipe sobre a distopia social e a vanguarda do atraso, como protestando ativamente em períodos sensíveis da pandemia.

Vale lembrar que ele perdeu a irmã vítima da COVID-19 e acabou imortalizando sua luta em “Cleane“; e em “Boca de Lobo” ele já havia criticado com veemência as atitudes do governo e suas políticas públicas.

O vídeo para “Distopia” tem inclusive direção assinada por Marcelo D2 e foi produzido pela sua produtora Pupila Dilatada. Nele o quinteto ao lado de Criolo, aparece em takes que alternam cenários urbanos de protestos e batidas policiais, além da natureza.

Claro que a “família tradicional brasileira” não ia passar impune em meio a um clima hostil. Pois mesmo com tamanhos absurdos, e escândalos de corrupção, a postura de defender o inominável lembra tempos nebulosos da história da política brasileira. Entre hipocrisia, balas e livros religiosos, a cena central na qual Bnegão aparece ao lado diz muito sobre o negacionismo e ostracismo que entrou nas casas dizimando lares – e afastando parentes. Se o clima é de guerra, o Planet Hemp não foge a luta.

“Gravado em quatro dias pelo Rio de Janeiro e dividido em doze cenas, o clipe de “Distopia” é um grande trailer do que vem por aí no audiovisual de todo o disco”, declara Marcelo D2. 



“Taca Fogo” abusa da modernidade e honra a própria história da banda. Entre as referências, vai do hardcore dos anos 80, de grupos como D.O.A. e Scream, se funde a inventividade do hardcore digital dos alemães noventistas do Atari Teenage Riot, traz beats digitalizados e com direito a rimas agressivas entoa versos de resistência para pedir passagem.

A faixa ainda brinca com o analógico da rádio através de uma “rádio libertadora” para atacar as falácias replicadas por Bolsonaro, criticando as políticas públicas, o crescimento da pobreza e as perdas históricas de conquistas sociais. A tentativa de perpetuação no poder, o armamento como política de extermínio, a corrupção sistêmica, a ganância e o falso moralismo religioso são atacados sem medo ao longo dos pouco menos de 3 minutos da canção.

Frases como “Cota não é esmola” e “O povo só quer a festa mas vive em guerra” acabam se destacando ao longo da faixa.

“Puxa um Fumo” mantém a tradição do grupo de ter sempre alguém canção em prol da legalização da maconha. O funk rock aparece também pela primeira vez no novo material ao lado de um coro que vai beber no soul. A hipocrisia é atacada até a última ponta e a corrupção que mantém a droga ilegal também é colocada dentro das rimas que atacam o armamento, a indústria da morte perpetuada pelo poder da milícia e o surgimento de falsos messias.

“O Ritmo e a Raiva” volta as origens da banda e cita o ano de 1992 quando a banda ganhou forma. Cita inclusive Skank, Sonic Youth, Bezerra da Silva, Dead Kennedys, John Coltrane e as alternativas em uma realidade onde o grupo não se encaixava no sistema.

A perseguição da banda, por conta de discos emblemáticos como Usuário (1995) em um país conservador – que recriminou também “Legalize Já” – e a ascensão do fascismo são lembrados ao longo da faixa que presta homenagem a Skunk – fundador do grupo – que faleceu ainda antes do álbum de estreia ser lançado.

A canção ainda reúne um ex-membro do Planet, Black Alien que rima nos últimos 25 segundos lembrando de passagens dos tempos de garagem, passando pelo emblemático show de abertura para DeFalla no Circo Voador, que abriu portas para o grupo estourar. Cita também a primeira formação que contava também com Rafael Crespo, Bacalhau, Formigão, a passagem de Zegon, a entrada de BNegão e do próprio Mr. Niterói. A prisão da banda e o encontro entre Skunk e D2, onde tudo começou, encerram as canetadas de Black Alien.

“Jardineiro” resgata o reggae para contar que quem planta não é criminoso – lembrando que em muitos países desenvolvidos o plantio da erva não é considerado crime e o uso medicinal é comprovado para vários tratamentos. Denuncia os abusos de poder por parte de políticos e de lobbys da indústria. “Amnésia” continua com a temática em faixa desacelerada que com certeza agradará a fãs de Shaggy.

Em “Meu Bairro” temos uma parceria interessante entre Planet Hemp e o rapper argentino Trueno, um dos novos destaques do país hermano. Inclusive, ele está escalado para o Lollapalooza Argentina. Do bairro da Boca, em Buenos. Aires, a conexão latina também serve para relembrar como deveríamos ter mais intercâmbios com nossos irmãos latinos.

Rock, rap, hardcore, funk carioca, trap, música urbana..tudo acaba entrando na faixa que mostra como o morro venceu nos palcos da vida. A corrupção, a crise econômica e o descaso com as riquezas do país entram nas rimas afiadas de D2.

“Fim do Fim” é um hardcore sorrateiro no melhor estilo Dead Kennedys para falar sobre o fim dos tempos e a resistência que é estar vivo em tempos de censura, guerra a céu aberto, medo e o ataque diário a democracia. “Eles Sentem Também” vai das origens, passando pelas referências sonoras que construíram o caráter, poder de transformação por meio da política e união da comunidade e o cuidado que temos que ter com o fogo amigo em uma guerra pela razão. Em tempos de mensagens distorcidas no whatsapp, falta de checagem por fatos e pouco espaço para a discussão de ideias.

O lado experimental de Jardineiros

“É importante lembrar que não existe apenas um caminho no mundo, nem dois apenas, mas vários. Queremos trazer essa pluralidade de volta e podemos dizer que ela se expressa de todas as formas, inclusive na quantidade de estilos presentes no álbum”, diz BNegão.

“Ainda” marca o encontro do Planet Hemp com os beats frenéticos de Tropkillaz. Discorre sobre a volta do grupo para a linha de frente e a transformação de “maconheiro” de imagem antes marcada pelo estigma ao orgulho pela construção de uma carreira de reconhecimento. Os beats por sua vez vão em direção dos bailes funk e miami bass, resgate interessante que FBC também teve como recurso em seu álbum ao lado de VHOOR.

Quem baixa um pouco a frequência é “Remedinho” para falar sobre como nossa sociedade é doente – e como outras drogas ainda mais pesadas são aceitas enquanto a maconha não. O bloco mais experimental do disco ainda continua com “Veias Abertas” com direito a participação de Tantão e Os Fita. A combinação podia ter vários caminhos mas deu liga entre o experimental, o eletrônico, o blues e as dissonâncias de Tantão para falar sobre o surto distópico que virou a realidade do presente. D2 cita o período militar e como isso ressurgiu das cinzas feito zumbi com o governo Bolsonaro.

“Planeta Maconha Skit” é a segunda vinheta do disco com resgate de uma repórter tentando explicar o som do Planet Hemp. Quem fecha mesmo é “Onda Forte” com direito a inserção do sample da MC Carol. Com experimentação pelo neo-soul, e lo-fi hip hop, a faixa levanta mais uma vez a bandeira pela legalização da maconha em uma canção que convida o ouvinte a experiência.

Ouça o disco do Planet Hemp



Tracklist

1 — Marcelo Yuka

2 — Distopia (Feat. Criolo)

3 — Taca Fogo

4 — Puxa Fumo

5 — O Ritmo e a Raiva (Feat. Black Alien)

6 — Jardineiro

7 — Amnésia

8 — Meu Barrio (Feat. Trueno)

9 — Fim do Fim

10 — Eles Sentem Também

11 — Ainda (Feat. Tropkillaz)

12 — Remedinho

13 — Veias Abertas

14 — Planeta Maconha

15 — Onda Forte

This post was published on 21 de outubro de 2022 1:36 am

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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