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S.E.T.I. celebra seus 10 anos e o ato de resistência que é estar “Vivo”

S.E.T.I. lança seu segundo álbum de estúdio, “Vivo”

Talvez a melhor forma de enxergar a vida não seja através de um linha reta. Saber pontuar os altos e baixos, os momentos de subida e quando perde um pouco o controle, também são inerentes ao nosso processo. Assim como a forma com que lidamos com os sentimentos constitui a forma como nos expressamos no tempo e no espaço. E isso se encaixa dentro da discografia do duo S.E.T.I., de Campinas (SP). Do EP Êxtase (2015), meu primeiro contato com o trabalho, passando pelo debut Supersimetria (2018) e agora com Vivo (2022), vemos a forma como eles abordam o momento pulsante que conduz as ondas eletromagnéticas do som ora dançante, ora contemplativo, quase soturno, dos paulistas.

“Em ‘Êxtase’ (2015), a gente via o mundo de forma melancólica, menos colorida. Em ‘Supersimetria’ (2018), os sentimentos dominantes eram de luta e ‘vamos pra cima’. Agora, a ideia é deixar tudo o que há de ruim para trás, seguir vivo e olhar para as cores que nos cercam. Essa abordagem em relação ao mundo está refletida nas letras e também nos arranjos, o que resultou no trabalho mais pop da banda”, disserta Bruno Romani (guitarra, baixo e programação) sobre a forma de ver ao mundo através da lupa da discografia

Momento também muito simbólico dentro da história, diria até emblemático, visto que eles celebram 10 anos de trajetória dentro do independente. Com nome de sigla de busca por vida extraterrestre, eles pontualmente discorrem sobre a vida neste lado do cosmos de forma livre e resistindo ao caos.

“Acho que esse momento em que o disco irá nascer é uma época muito significativa para a sociedade, para o mundo. Estamos, ainda timidamente, nos sentindo de volta à vida, florescendo. As composições e o visual refletem isso, à nossa maneira, com uma carga de cor e leveza”, reflete Roberta Artiolli, responsável por voz e synths.


S.ET.I. comemora 10 anos de existência e celebra a vida em “Vivo” – Foto Por: Tiago Queiroz

S.E.T.I. Vivo

Vivo também tem um significado simbólico logo em seu título. Afinal, este respiro de após 2 anos poder reencontrar pessoas deve ser comemorado. Ainda mais produzindo arte em um cenário onde poucos tem apoios e muitos abandonaram seus projetos pelas mais diversas razões. Celebrar a vida, a arte, a resistência e a vontade de deixar sua marca e impacto em quem cruza o seu caminho. Leveza em um momento onde após a luta, o abraço e os sorrisos dos encontros acabam sendo ressignificados. Onde reavaliamos um monte de coisas. Onde tudo que antes podia soar torpe, ou banal, se torna motivo para celebrar.

Gravado ao longo de 2021 e 2022 no Cavalo Estúdio, em São Paulo, o material tem a produção assinada em conjunto pela banda ao lado de Gabriel Olivieri (O Grande Babaca), que também assina guitarras e vozes adicionais. Olivieri foi também o responsável pela mixagem e masterização. O álbum tem participação especial de Lucas Macedo (da banda About a Soul) na faixa “Dinamite”.

A faixa de abertura “Memorial de Vento” foi o segundo single a ser lançado pelo duo e carrega uma estética pop mas sem deixar de lado a proposta onde os sintetizadores ganham o terreno.

“O direcionamento mais pop deixa claro onde queremos chegar com o novo disco: mostrar que estamos vivos, deixar um pouco de lado a melancolia. Em termos de influência, ‘Memorial de Vento’ bebe claramente dos sons mais farofeiros de New Order, Duran Duran e A-ha. A proposta do disco, de maneira geral, é olhar essas fontes dos anos 1980”, resume Bruno.

Sobre a letra, Roberta comenta: “A letra fala de alguém que buscava entender a si mesmo diante das dúvidas que o outro causava . Com o tempo, veio o sentimento de libertação e a percepção da falta de necessidade desse entendimento. O alívio que isso causa é imediato já que, de verdade, não precisamos nos provar para ninguém”.

“Armadilha” continua solar e procurar testar sobreposições, alternando entre o lado robótico das programações e acordes mais sutis. A segunda parte da canção cria paredes e parece até dividida entre o dia e a noite, entre delírios, armadilhas e o lado cintilante, e delirante, do dream pop.

Se o disco até o momento estava caminhando para um lado mais Duran Duran e new waver, “Madrugada” desde a batida automatizada, e os synths em looping deixam tudo ainda mais na sinergia da segunda metade da década de 80. O perder para se achar, a contemplação dos pequenos momentos de solitude e a finitude da vida transparecem na canção. O convite para viver o hoje ao lado das pessoas que você admira e quer ter sempre por perto. As linhas de guitarra mais experimentais do seu último minuto brincam com o lado lúdico dos extraterrestres que os acompanham desde o dia 1.

“Perder É Ganhar” segundo Roberta “fala sobre uma pessoa que pensou demais em ser alguém que não conseguia e que entendeu que muito do que parece uma derrota significa somente autopreservação”

A estética somatiza também uma proposta estética bastante conceitual dentro do campo sonoro como Romani frisa: “Toda a proposta do disco novo em termos sonoros é olhar para os artistas dos anos 1980 que mais gostamos e aplicar uma linguagem mais atual. No caso de ‘Perder é ganhar’, a música olha para os discos do Depeche Mode do meio dos anos 1980 e aplica elementos que não estavam no arsenal da banda, como beat mais próximo do rap, guitarras melódicas e samples de voz tocando como teclados.”

Um exercício interessante ao ouvir o disco não é apenas olhar que foram na raiz da experimentação de synths e guitarras gélidas do synthpop e new wave oitentista mas sim ver como isso foi se perpetuando em referências na cultura pop até os dias de hoje. Seja na sonoridade de grupos indies, como também na música pop e até mesmo o rap contemporâneo que em alguns casos traz guitarras emprestadas diretamente dos anos 80 – principalmente do rock. E não é à toa como New Order caminha cada vez mais para o pop do que olha para trás tentando fazer algo que já fez antes. Mas isso é assunto para outro texto – e vale a prosa.

Voltando ao S.E.T.I., “Death By Robot (A Tecnologia Nos Matou)”, tem sintetizadores mais obscuros feito um lado mais Joy Division, com direito a tensão no baixo e o lado fabril do post-punk de Berlim. Soa como uma faixa transitória apocalíptica para representar o que ficou para trás.

“Dinamite” reverbera os desarranjos e pressões que vivemos no dia a dia, entre conflitos e transformações internos. Da luta pela sobrevivência que muitas vezes está dentro de nós. Afinal de contas, existem muitos mistérios por trás da nossa caixa preta. Muitas vezes lutamos contra nossos traumas, medos, receios e doenças que afetam nosso psicológico e forma de agir perante o mundo que nos rodeia. Podendo explodir a qualquer momento feito uma bomba relógio.

“Correnteza” volta a usar programações para passar a ideia de ciclo repetitivo, entre metáforas sobre a correnteza e o ciclo da vida. Passando pela água memórias, nostalgia, mudanças, batalhas, projeções e inevitáveis fins de ciclos. Não tem medo de soar pop e de experimentar nas batidas que brincam com o universo lúdico das frequências assim como o Chromatics sempre buscava fazer.

Quem fecha é “Outra Sintonia” com o ar gélido e industrial em seu instrumental. Ao mesmo tempo, a letra incentiva a buscar pelo que nos traz o sentimento de felicidade – independente das adversidades e conflitos que possamos encontramos pelo caminho. Se viemos de um cenário apocalíptico, repleto de derrotas nos últimos anos, sorrir para a vida muitas vezes é a melhor forma de resistir. Feito o balançar de uma valsa onde o equilíbrio, e ver o copo mais cheio do que vazio, faz com que tudo faça mais sentido.

O disco por sua vez recai como um abraço em meio a tormenta do que é viver neste tempo e espaço.
E você, já comemorou o fato de estar vivo hoje?

Ouça na sua Plataforma Digital favorita clicando aqui!


This post was published on 14 de outubro de 2022 12:22 am

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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