A importância dos sentimentos, palavras e experiências em “Arevekty”, EP da norueguesa Mathilde Wigre
Mathilde Wigre viveu por um tempo no Brasil
Descobertas musicais nascem de diversas maneiras – achados valiosíssimos que encontramos ao acaso, ou somas de pesquisas em diversas vertentes.
O que poderia resultar na procura de algo com o descobrimento de um talento preciosíssimo. Sentimentos passados e atuais misturados com a esperança que nos guia a dias melhores, onde as coisas não se encaixam, mas que ao mesmo tempo nos dão o fio de esperança que precisamos. E é da Noruega que vem essa voz de pura calmaria em meio a tempestade.
A cantora e compositora norueguesa Mathilde Wigre veio ao Brasil em 2018 com o objetivo de fazer um documentário sobre a cultura underground do país, com rappers, skatistas e músicos. Muito além de um filme, a visita lhe rendeu o EP Arevekty, lançado na quinta-feira (03). O EP sai pelo selo Batata Records, gravadora de Maceió (AL) que produziu tanto o EP quanto o single de Mathilde.
Confira Também:
32 bandas da Noruega além do Black Metal para você conhecer!
Arevekty e Takneemly
Antes do lançamento do EP, a cantora disponibilizou nas plataformas digitais as canções “Arevekty” e “Takneemly”, sendo a última single exclusivo. Ambas têm participações de Bruno Berle, Batata Boy e Ythallo Pereira, com produção de Bruno e Batata e co-produção de Gustavo Figueiredo
“Arevekty”, ou melhor, Er det viktig, é uma frase em norueguês que quer dizer “É importante”. E para Mathilde Wigre, é importante expressar a verdade sobre os sentimentos.
“Na Noruega, é muito normal esconder seus sentimentos, porque a rejeição é considerada uma coisa muito vergonhosa”
A música foi composta quando Wigre ainda estava na escola e era apaixonada por um amigo. Na canção ela questiona o medo exagerado de ser rejeitada e se vale a pena mentir para si mesma. Dessa forma, Mathilde canta um assunto universal – o amor e seus desafios – através de um folk, gênero musical que predomina em seu trabalho. O nome da canção ficou com o nome de “Arevekty” porque Bruno e Batata achavam que era assim que a frase era escrita, e Mathilde decidiu manter como nome da música e do EP.
Já Taknemmelig significa “gratidão” na língua nativa de Mathilde, palavra que dá nome à segunda música do single, “Takneemly”. Nessa canção mais “abrasileirada”, Mathilde Wigre fala sobre sermos gratos mesmo quando estamos sem esperança, e sermos gratos até quando estamos tristes.
“Nesse mundo que às vezes pode ser bem cínico, sou grata por me sentir triste, porque isso significa que eu não sou ignorante. Nessa música, eu canto sobre querer se encaixar e estar apaixonada. Depois, também cheguei à conclusão de que, em meio a todo esse anseio, na verdade sou grata”, conta Mathilde Wigre.
Um pouco mais sobre Mathilde Wigre
A cantora e compositora reside em uma pequena cidade chamada Moss, na Noruega. Com 30 mil habitantes, Mathilde cresceu e sentiu que há muita pressão para seguir as normas para se encaixar.
“Todas essas normas tornavam normal ignorar, e não incluir aqueles que não se comportam naturalmente da maneira esperada ou padrão. Sempre tive amigos e família presente, mas estava cansada de me sentir envergonhada por ser quem sou. Achei que a me mudar resolveria como eu estava me sentindo, porque eu estava triste.”
Quando concluiu a escola mudou-se para Londres onde estudou e conheceu diversas pessoas diferentes fazendo suas próprias coisas sem se importar com o que os outros pensavam – ali ela estava autorizada a ser quem gostaria ser. O anonimato numa cidade grande lhe deu maior confiança para ir a qualquer lugar e saber que ficaria tudo bem.
“Eu sou uma pessoa que fez uma jornada incrível dentro de mim. Eu me vi crescer e ser orgulhosa e honesta, em vez de envergonhada e crítica. Ao longo dessa jornada, escrevi canções, e as canções me ajudaram a entender melhor essa jornada“, conta Mathilde Wigre.
Faixa a Faixa EP Arevekty
“Don’t get attached to me” – é sobre eu assumir o poder sobre essas palavras. Foram palavras que me magoaram antes, porque quando alguém diz essas palavras, presume que tem uma vantagem no relacionamento. Eles dizem essas palavras porque presumem que podem estar com você e não sentir nada, e presumem que você sentirá.
“Arevekty” – A música toda é uma questão de saber se é importante. Arevekty é, na verdade, “er det viktig”, o que significa que é importante. Eu escrevi isso no tempo em que sentia muita vergonha pelo que sentia, e não gostava, para ser honesta.
“Sunbathe” – é sobre a expectativa de ir para o Brasil. Eu estava sonhando em trabalhar duro como bartender e pré-escola / creche para conseguir o dinheiro para ir. Eu tinha deixado minha vida em Londres, o que foi difícil, mas tive que ir para a Noruega para ganhar mais dinheiro. Quando voltei para a Noruega, meu pai morreu, e eu não estava me sentindo muito bem, então sonhar em ir para o Brasil era para mim uma fuga na minha cabeça.
“Skjonte ikke”– é um pedido de desculpas a Bruno sobre aquela vez em que fomos a uma festa, e eu não entendi que ele sentia más vibrações e eu deveria ter saído sem fazer perguntas porque confio em meu amigo.
“Growing up” – é quando você cresce e vive sua vida como deseja, e não o que se espera, uma segunda-feira não parece mais tão diferente de uma sexta-feira.
A faixa bônus do EP é uma versão da canção “Kjærlighetsvisa”, de Halvdan Sivertsen que é cantor, compositor e guitarrista norueguês.
Viagem ao Brasil e Selo Batata Records
Wigre esteve no Brasil entre 2018 e 2019 para fazer um documentário sobre a cultura underground – documentário que será lançado no início do ano que vem. Morou em vários estados, como São Paulo e Santa Catarina. Mas foi na região nordeste – mais precisamente Pernambuco e Alagoas – que ela encontrou o que procurava.
Conheceu diversos artistas, entre eles seu atual namorado Gabriel que é skatista e que lhe apresentou a cultura underground de Maceió, que reconheceram seu talento para a música, como os alagoanos João Menezes, Marvin Vieira, Bruno Berle e Leonardo Acioli, sendo os dois últimos do Selo Batata Records. Depois desse importante encontro em Recife, em 2019 a artista passou quatro meses em Maceió, onde fez o registro de sua estreia musical, cheia de sensibilidade e afeto.
“Em alguns aspectos, ir para o Brasil era como voltar para casa, porque as pessoas estavam se divertindo como eu sempre sonhei. Eu conheci brasileiros em Londres que tinham uma personalidade forte, que é difícil de encontrar nas pessoas. As pessoas que conheci no Brasil foram gentis, mas também totalmente diretas, se não gostaram de algo que eu disse. Eu presenciei as pessoas honestas, quando não se sentiam envergonhadas por seus sentimentos.”
O Lançamento pela Batata Records
Sobre o selo Batata Records, gravadora do seu EP e Single, Mathilde menciona que teve sorte ao conhecer Batata (Leonardo Acioli), o fundador da Batata Records, Bruno Berle, João Menezes e Marvin Vieira em Recife. Ela conta que foram juntos ao festival Mimo em Olinda (PE), depois tocaram juntos e a mesma foi convidada para ir a Maceió (AL), onde conheceu Phylipe Nunes.
“Ir para Maceió e sair com esses artistas incríveis todos os dias foi muito significativo para mim. Em uma época que estava sendo considerada para todos por causa de uma mudança política decepcionante, foi lindo ver como a música manteve todos eles fortes“, conta Wigre.
Entrevista: Mathilde Wigre
Conversamos brevemente por e-mail com a cantora e compositora, onde ela fala um pouco sobre os costumes de seu país de origem, a vinda ao Brasil entre outros assuntos.
Entre 2018 e 2019 você visitou alguns estados do Brasil com o objetivo de fazer um documentário sobre a cultura underground. Como foi sua passagem pelo país e sua experiência de viagem? O que você levou para a Noruega?
Mathilde Wigre – “Fui ao Brasil fazer um documentário sobre a cultura, a história e como isso molda a vida das pessoas. Acabei aprendendo muito, fazendo um documentário, gravando um ep, fazendo amizades para a vida toda, e conhecendo o mocinho, que agora é meu namorado.
Meu amor, o Gabriel Alexandre da Silva me ajudou muito com o documentário, e acredito que faremos muitos outros filmes juntos no futuro. Ele é skatista e me apresentou a cultura underground de Maceió, que fez do documentário o que é hoje. Ele será lançado no início do próximo ano.”
Você mencionou que na Noruega é normal esconder sentimentos, pois a rejeição é considerada uma coisa vergonhosa. Como é explorar e tornar seus próprios sentimentos perceptíveis neste contexto?
Mathilde Wigre – “Eu senti muita vergonha em minha vida. Tentei o meu melhor para aceitar ser diferente e ter orgulho de me destacar, mas ao mesmo tempo tinha vergonha de me destacar. É estranho que eu pudesse sentir vergonha e orgulho ao mesmo tempo. Agora, eu não acho que sou tão diferente de todas as outras pessoas, e me sinto um pouco envergonhada por saber que costumava pensar que era tão diferente. Mas, novamente, agora comecei a abraçar sentindo um pouco de vergonha.
Eu costumava esconder muito meus sentimentos. Achei que era corajosa, porque tinha minhas próprias opiniões, interesses e estilo, mas tudo isso não é suficiente. Eu costumava ser um pouco diferente, mas, ao esconder meus sentimentos, estava apenas tentando fazer o que todo mundo estava fazendo porque, na verdade, estava com medo de ser rejeitada e sentir vergonha.
Acho que estava sempre julgando as pessoas que estavam julgando as pessoas que se destacavam. Isso também me tornou uma pessoa crítica. Tenho mais compaixão agora pelas pessoas que estão apenas tentando se encaixar, porque se destacar pode ser isolado e solitário. Eu entendo por que as pessoas querem manter seus sentimentos para si mesmas porque têm medo da vergonha que sentirão se os sentimentos não forem reservados de volta. Costumavaa viver assim, então não julgo. Eu simplesmente mudei e espero que minha música possa contribuir para que as pessoas encontrem forças para serem honestas.”
Você tem dicas de músicos Noruegueses para nos dar?
Mathilde Wigre – “Meu EP não tem acordeão, mas o próximo terá!
Comecei a tocar acordeão por causa de um grande músico norueguês que recomendo dar uma olhada: Moddi. Tive a sorte de abrir para ele no início deste ano!
Há tantos músicos noruegueses de que gosto: Pelicat, Death by Unga Bunga, Susanne Sundfør, Marte Wulff, Sondre Lerche, Kakkmaddafakka, Ane brun.”
Vemos que a capacidade feminina é sempre questionada em todos os espaços. Isso implica que em todos os momentos temos que reafirmar nossas habilidades. Segundo levantamento realizado em 2019 pela ONG Women in Music, apenas 30% do setor musical no mundo é formado por mulheres. Como você encara essa situação e vê uma possível mudança nos próximos anos?
Mathilde Wigre – “Acredito que a igualdade está em andamento mesmo que pareça não estar chegando rápido. Eu sou uma otimista. Estou feliz por ser mulher, porque posso fazer outras mulheres acreditarem que podem tocar instrumentos, escrever canções e cantá-las também.
Se um homem me subestima como musicista, tenho mulheres fortes ao meu redor para me apoiar.
Acontece que os homens me subestimam, e isso é problema deles. Já ouvi homens dizerem que não há mulheres tocando tão bem quanto os homens. Me provocou ouvir isso, mas não posso deixar isso me afetar. Vou apenas fazer minhas coisas, ser inspirada por artistas femininos e masculinos. Espero que a igualdade da próxima geração tenha chegado mais longe, e mais mulheres acreditem em si mesmas e façam o que têm dentro delas. Tive que bloquear vozes me dizendo que não sou boa o suficiente para ser capaz de progredir e melhorar. Ainda estou trabalhando para melhorar, mas a música não é uma competição, não que eu me lembre.