¡Estamos! Coletânea gravada durante a quarentena reúne 21 artistas de 9 países

 ¡Estamos! Coletânea gravada durante a quarentena reúne 21 artistas de 9 países

A coletânea ¡Estamos! é lançada oficialmente hoje nesta terça-feira (21/04) através do selo – e portal – Scream & Yell. O disco que reúne 21 faixas de artistas de países como Portugal, Estados Unidos, Chile, Uruguai, Brasil, Argentina, Colômbia, Grécia e México.

Entre eles, nomes já conhecidos do público brasileiro, como a cantora Érika Martins, a banda norte-americana The Blank Tapes (que veio para o Picnik) e o uruguaio Nicolás Molina (ex- Molina y Los Cósmicos).

O projeto foi idealizado e tem a curadoria do produtor cultural e jornalista Leonardo Vinhas que costuma sempre fortalecer o intercâmbio cultural entre países da América Latina em suas coletâneas e eventos culturais.

¡Estamos! em Ação

Segundo o organizador, os artistas tiveram até uma semana para compor e gravar canções que trouxessem suas visões pessoais sobre o momento de isolamento social e confinamento. Sem quebrar a quarentena as versões foram gravadas em suas respectivas casas, com os recursos que tivessem à disposição.

“Enquanto alguns dispunham de equipamentos profissionais ou semiprofissionais, outros tinham
apenas um microfone ou mesmo o celular.”, comenta Vinhas organizador da ¡Estamos!

O pente fino e capricho das versões lo-fi ficou à cargo da masterização realizada pelo músico e produtor paranaense Rodrigo Stradiotto (das bandas O Fio e Woyzeck).

“Pedi a 25 artistas de diversos países que traduzissem esse momento em canções. Podiam ser próprias ou alheias, o importante é que fossem registradas em casa, com os recursos que tivessem à mão, e que as letras trouxessem seus sentimentos sobre o momento. A ideia inicial era mostrar que “estamos” juntos, unidos pela música, nesse momento. Porém, isso se transformou de uma forma inesperada.

Propositalmente, dei pouco tempo para gravarem as faixas. Era essencial captar o momento, sem dar espaço para maiores polimentos no registro. Mas mesmo nesse curto intervalo, muita coisa aconteceu. Três dos convidados não conseguiram participar, por questões de saúde que acometiam a eles ou seus familiares. Um quarto se viu impossibilitado por estar completamente assoberbado com demandas que o confinamento lhe trouxe.”, conta o organizador

Porque ¡Estamos!?

“Estamos guardados. ¡Estamos! confinados. Estamos em nossas casas, convivendo com nossas escolhas, as sensatas e as estúpidas. Mas estamos vivos, estamos criando, e decididamente estamos levando isso para fora das jaulas, gaiolas e celas”.

A intenção com o álbum é não só trazer o alento que só a música é capaz de oferecer, mas também abrir uma janela para novas criações em um momento no qual os espaços para a experiência coletiva da música estão inacessíveis.

Como diz o colombiano Andrés Correa na canção “Realidad”, “o mundo se foi / já se acabou / só que ninguém se deu conta / e eu aqui sem entender / que coisa era a realidade / e porque nunca a pude tocar”.

São tempos de incerteza e dificuldades. Mas podem ser tempo de outras coisas também. Que a música nos ajude a encontrar esses novos caminhos.”, aponta Leonardo Vinhas


¡Estamos! Scream & Yell 2020


¡Estamos!, Faixa a faixa por Leonardo Vinhas

1) “Realidad”, Andrés Correa

“Realidad” foi originalmente gravada como um jazz de tons pop no álbum Aurora, de 2014. Fernando Rosa, do Senhor F, diz que é uma das melhores canções da década, e eu concordo.

Por isso sugeri a Andrés que a regravasse para esse projeto, o que ele fez em uma versão totalmente despojada. Quando me enviou a gravação, só disse: “quedó com mucho sentimiento esa versión”. E nada mais precisa ser dito.

2) “El Magnetismo”, Lucia Tacchetti

“Foi a canção com a qual descobri o El Mató a Un Policia Motorizado e foi amor à primeira audição. Desde esse momento se transformou em uma espécie de hino para mim”. Assim a argentina Lucia Tacchetti apresentou o embrião dessa versão em sua página do Instagram.

O registro final foi feito para a coletânea e é uma surpreende recriação synth pop de uma canção que nasceu cheia de ruídos e guitarras. O verso que faz às vezes de refrão é a pergunta que muitos se fazem nesses dias: “ei, quem vai cuidar de você?”. O arremate – “nesse mundo perigoso, temos que estar juntos” – vem pra encantar. Ou derrubar.

3) “Todo por Decir”, Catalina Ávila

Catalina Ávila é uma das joias mais injustamente ocultas do tesouro que é a música colombiana contemporânea. Sua música, ainda que inspirada pelo cancioneiro local, não encontra definição fácil.

“Todo por Decir” foi escrita, arranjada e gravada para integrar esse projeto. A faixa em breve ganhará nova versão, a qual contará com participação de Fernanda Takai.

4) “Juro que Não Morro”, Tiago Cavaco

Inspirado diretamente por Belchior, o português Tiago Cavaco compôs esse tema há mais de um ano, mas abandonou os arranjos roqueiros que vinha tentando para fazer um registro “o mais seco, directo e limpo possível”, conforme ele mesmo definiu.

Com essa intenção e a soma do piano de Nando Frias, alcançou um resultado final delicado e sentido, que, mesmo econômico nos versos, honra seu muso inspirador.

5) “Ese Rayo”, Nicolás Molina

Seguindo em sua carreira solo, o músico uruguaio continua a expandir seus horizontes. “Ese Rayo” fará parte de um vindouro EP, mas foi antecipada para esse disco. “Tirei meu Nick Cave de dentro – sem ofender ao mestre”, confidenciou Molina. Gravando todos os instrumentos, a canção revela-se um passo adiante no caminho aberto por Querencia, sua estreia solo.

6) “Covid-19 Quarantine”, The Blank Tapes

“Olha só, eu estava trabalhando exatamente nisso”, me disse o californiano Matt Adams, que já gravou mais de 10 álbuns sob o nome The Blank Tapes. Com um vasto equipamento em casa, Adams fez o registro mais “profissional” – no sentido de acabamento de estúdio – deste álbum, trazendo a quarentena para seu universo pop de inspiração sessentista e psicodélica.

7) “Moro no Interior do Mundo”, André Prando

O músico capixaba entregou uma nova canção, “Dharma”, uma preciosidade composta em parceria com Luiz Gabriel Lopes. Mas vários motivos fizeram com que eu e ele concordássemos em deixar a faixa inédita para uma outra ocasião, e acabamos resgatando a demo desta canção, que ganhou uma versão bastante modificada no álbum Voador (2018). Em tempos de elite truculenta e governo indigente e autoritário, ela se torna ainda mais atual e triste…

8) “A Palavra Certa”, Meio Amargo

Meio Amargo é a alcunha escolhida para as gravações do paraense Lucas Padilha. Decidido a gravar uma versão no projeto, o músico me pediu sugestões, e não demorou muito para chegarmos até “A Palavra Certa”, uma belíssima composição de Herbert Vianna presente no álbum Santorini Blues (1997).

A versão mantém muito da melodia original mas traz outros efeitos e detalhes que, somados à voz de Lucas, honram o original e ressignificam a canção para o momento.

9) “O Tempo Está Bom”, O Martim

Martim Torres, “O Martim”, estava “a fazer os possíveis e impossíveis para gravar a canção sozinho com a minha filha de 3 anos em casa”. Conseguiu, e trouxe um tema especialmente alegre, porque “achei que seria bom lembrar que nem tudo é mau”. À exceção do baixo, todos os demais instrumentos são gravações MIDI.

10) “Tiempo de Reflexionar”, Liricistas

O primeiro registro desse trio de Maipú (Chile) foi em 2007. Há muito já não são moleques, mas decididamente não perderam o frescor.

“Tiempo de Reflexionar” nasceu muito rapidamente após o convite, quase um recorde, e trouxe um flow lento e intimista, adequado a esses tempos em que nem tudo é sombrio mas nem sempre se vê a luz.

¡Estamos! (2020)


¡Estamos! Scream & Hell
Capa Por: Bruno Honda Leite

11) “Autosuficiente”, Manza (a.k.a. Mariano Esain)

“Autosuficiente” apareceu pela primeira vez em arranjo denso e guitarreiro no álbum de estreia do Valle de Muñecas, Días de Suerte (2006). No ano seguinte, apareceu no despojado álbum Folk e em 2020 aparece em uma interpretação solo do frontman da banda, o veterano do indie argentino Mariano Esain.

Gravando em casa, em um domingo, Manza trouxe uma ambiência mais  melancólica para essa composição que traz a relação entre solidão e etilismo que muitos de nós estão experimentando nesse momento de confinamento.

12) “La Caja de Zapatos”, Romina Peluffo

Obesesa, de 2018, é a estreia de Romina Peluffo e um dos melhores álbuns entre os ótimos lançamentos da safra mais recente de cantautores uruguaios. “La Caja de Zapatos” é a faixa de abertura e foi a primeira canção composta por ela, quando ainda não sabia sequer tocar um instrumento.

Para esse álbum ela enviou primeiro uma linda versão voz e violão, mas poucos dias depois de entregar, ela avisou que o guitarrista Javier Peralta se ofereceu para agregar uma guitarra. Não se despreza uma oportunidade dessas, e o resultado é essa faixa, a primeira que mixei “profissionalmente” em minha vida.

13) “Vou Te Esperar”, Érika Martins

Presente no álbum de estreia que leva seu nome, essa canção de Érika Martins ganha outro sentido
em tempos de isolamento. É uma das canções que reúne o melhor de dois dos mundos que mais influenciaram a artista: a Jovem Guarda e o pop das girl groups.

A regravação, que contou com a participação especial do companheiro de banda e de vida Gabriel Thomaz, chegou poucos dias de minha companheira ter sido hospitalizada, o que potencializou seu novo significado no meu universo pessoal.

14) “Más Pronto que Tarde”, Paul Higgs

Apesar do nome de batismo, Paul Higgs é uruguaio e passou uma breve temporada no Brasil no fim de 2019. “Más Pronto que Tarde” é herdeira dessa viagem, tratando da saudade que sente da amiga brasileira Jazzie e do namorado dela – ninguém menos que Tim Bernardes, que também é citado na canção.

“Foi por causa deles que visitei o Brasil pela primeira vez, e a primeira coisa que vou fazer logo que isto termine é voltar pra aí”, contou o músico, que prepara um álbum solo ao mesmo tempo em que lança novos singles com sua banda Algodón.

15) “Defamed”, John Drake.

“Vocês têm um problemão com esse porco racista pairando sobre suas cabeças… Toda minha solidariedade à causa. Bolsonazi no pasarán”. Palavras de John Drake, baixista da banda grega The Dirty Fuse, agremiação que passou pelo Brasil em 2017 e que conta com um brasileiro entre seus fundadores (o guitarrista Duda Victor, do Terremotor). “Defamed” é um punk folk cheio de raiva e que se recusa à resignação, uma pequena pérola de resistência à uniformidade de pensamento.



16) “La Memoria”, Camila Vaccaro

A fúria continua, agora em uma história direta sobre solidão e opressão. A cantautora chilena entregou uma jarana mexicana em uma das interpretações mais cruas e viscerais desse álbum.

Como seus conterrâneos Liricistas, também compôs e gravou em pouquíssimo tempo, o que ajudou a garantir a força notável que se escuta.

17) “El Dinosaurio Anacleto”, Moral Distraida

A canção apareceu pela primeira vez cantada pelo “Dinosaurio Roberto”, um personagem da série “31 Minutos”, exibida pela TVN, do Chile. Nasceu com um riff inspirado por Tom Petty (!) e foi regravada em uma versão “infantil-psicodélica” de Ximena Sariñana (!).

Aqui, reaparece em uma versão acústica e delicada da crew Moral Distraida, que já colaborou com Emicida, Sem poder juntar toda a banda por motivos óbvios, os irmãos Camilo e Abel Zicavo se desdobraram e fizeram uma releitura singela, ligando os temas da canção (extinção, solidão, sanha consumista, ilusões da fama) ao momento atual.

18) “Uma Canção Desesperada”, Guilherme Cobelo

Homem de frente da banda Joe Silhueta, o brasiliense Guilherme Cobelo lança aqui seu primeiro registro solo. “Uma Canção Desesperada” é uma canção concebida sob a luz de Sérgio Sampaio e pede o serenamento dos ânimos dos amantes que vêem “o mundo ruindo lá fora”.

19) “Sétimo Continente”, Lila May

Em paralelo à sua atuação como cantora e compositora, essa artista paulistana também tem um trabalho que combina investigação espiritual, musicoterapia e cura. De uma maneira sutil, esses universos se cruzam nessa canção inédita, registrada em voz e violão na Casa Japuanga, um espaço de coabitação e criação coletiva em São Paulo.

20) “Suerte y Amor”, Melanie Williams

O uruguaio Gustavo Pena, “El Príncipe”, lançou apenas dois discos em vida, mas alcançou fama e reconhecimento após sua morte, em 2004. “Suerte y Amor” é uma de suas composições mais queridas, e trata de reencontrar uma pessoa querida após um largo período sem vê-la.

Essa foi uma das razões pela qual a argentina Melanie Williams optou por gravá-la, em um registro mais lento e lo-fi, adequado às suas influências indie.

21) “Un Día a la Vez”, Películas Geniales

Películas Geniales é uma one man band mexicana, feito pelo músico e criador de cachorros (!) “Rufis”.
Ok, talvez ele tenha uma outra identidade… Seja como for, o homem gosta de alternar barulho e beleza, e é nessa toada que vem “Un Día a la Vez”, que, em letra e arranjo, encaixa perfeitamente como o encerramento deste álbum.

¡Estamos! Coletânea Scream & Yell (2020)


¡Estamos! Scream & Hell
Arte Por: Bruno Honda Leite

Ficha técnica:
Coordenação e curadoria: Leonardo Vinhas
Masterização: Rodrigo Stradiottto
Capa: Bruno Honda Leite
Lançamento: Scream & Yell
Apoio: Fundación Barrio Colombia e Scatter Records

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