Obinrin Trio se conecta com as suas raízes em “Origem”

 Obinrin Trio se conecta com as suas raízes em “Origem”

Obinrin Trio – Foto Por: Juh Almeida

Foram quatro anos de preparação. 4 anos de ensaiar, testar, sentir e transpirar. Praticamente o tempo de preparo para uma olimpíada ou até mesmo uma copa do mundo. Mas a Obinrin Trio soube sentir, soube deixar o tempo trabalhar ao seu favor e optou por não pular nenhuma etapa desta longa jornada.

Sempre com muito carinho, conectividade com os fãs e fazendo do dia-a-dia seu maior aprendizado. Corta para Março de 2020. O mundo passando por mudanças profundas, cada um em sua casa tendo que conviver com novos hábitos e uma nova rotina.

Momento difícil para muitos onde a alegria – ou o desespero – de uma música podem servir como combustível para planejarmos o amanhã e para co-existirmos. Aliás tudo que estamos passando tem um potencial enorme para nos unirmos – mesmo estando temporariamente distantes.

Se tudo está confuso e parece incerto, porque não nos conectar através do que nos move? São as paixões, dores, batalhas internas e lutas coletivas que nos fazem mais fortes; e únicos neste universo. Sentimentos que musicalizados nos passam sensações e nos despertam para as coisas que realmente importam.

Feito uma peça de teatro, Origem, debut da Obinrin Trio, tem um pouco de tudo. Tem dores, romances, realidade social, lutas, verdades e um trabalho feito a muitas mãos. A sonoridade traz um Brasil que luta para existir. Um Brasil que transborda e precisa ser amplificado.


Obinrin Trio lança Origem. – Foto Por: Juh Almeida

Obinrin Trio Origem (03/04/2020)

O título do álbum não poderia ser mais autobiográfico como conta Lana Lopes.

“Esse disco canta da nossa origem, não à toa, o nome. Essas são músicas que nos acompanharam desde o início do nosso projeto enquanto trio. E nosso maior desafio, até agora, foi o de  transformá-las em algo eterno, gravado…um registro de tudo que passamos, aprendemos, vivemos em dez faixas.

Acho que ainda não entendi o que tô sentindo com tudo isso. Mas com certeza é gostoso, ter a certeza que fizemos o nosso melhor, na intenção de retribuir à todes que cruzaram e cruzarão nossos caminhos.”

A Produção e o Processo Colaborativo

Além de Lana completam o trio, Elis Menezes e a irmã Raíssa Lopes. A produção musical é assinada por Iran Ribas, Juliana Strassacapa e Rafael Gomes da Silva. A mixagem é de Iran e a masterização de Gabriel Penteado; Rafael Posnik também contribuiu na engenharia de som. 

As gravações foram realizadas com recursos gerados via uma campanha de financiamento coletivo no Catarse e em parceria com o estúdio Veredas.

O registro ainda conta com participações de Eva Figueiredo, Marina Beraldo, Lari Eva, Josyara, Jadsa, Kiko Dinucci, Catarina Rossi, Fê Koppe, Domi Vieira, Rafael Gomes, Lena Papini, Bia Ferreira, Nã Maranhão e Dessa Brandão.

Já o projeto gráfico é assinado por Vini Albernaz (Musa Híbrida); a capa por Rebeca Canhestro; produção de gravação por Amanda Desmonds; produção de lançamento realizada por Caroline Rocha e comunicação por Daniele Rodrigues e Izabela Costa. 

Quarentena: O Momento de se Conectar

“Nunca imaginamos que passaríamos por uma situação como essa, de uma quarentena causada por uma pandemia, muito menos lançar nosso primeiro disco neste período”, comentam as musicistas.

“Mesmo com esse imprevisto, uma crise e o caos mundial, e sabendo dos efeitos emocionais de tudo isso nas pessoas, decidimos continuar com o lançamento. Acreditamos na potência que o disco tem de nos transportar para outras sensações e lugares não físicos, de conseguir sentir a água, por exemplo, sem ir a praia ou rio.

É um disco que oferece conexão com a terra e seus elementos e nossa vontade é que a nossa música seja um lugar de identificação pras pessoas e uma forma de carinho e afeto nesses dias difíceis”, refletem as três.

O Disco



“Agô” abre alas para o ritual de passagem, traz palavras de conforto e aconchego. “Romã” se reconecta com os antepassados e a espiritualidade da vida simples da mata; feito uma saudação ritmada. A percussão e o canto se destacam em meio a ambiências que nos levam mata adentro.

Já “Cidade Dorme” é um grito por resistência feito uma flor que resiste ao concreto, uma alma inquieta que luta por justiça em meio a insanidade da paulicéia. Os batuques dos terreiros equalizam assim como podemos ouvir em discos de artistas como Alessandra Leão e ÀIYÉ.

“Aquele Gingado” não é uma faixa inédita para quem acompanha o trio mas não deixa de ser uma das mais delicadas e apaixonadas do registro. Traz em si o poder do silêncio, dos movimentos, dos contornos e dos encontros. Estes tão raros em tempos de quarentena.

Os arranjos de “Feito Fumaça” nos cativam desde os primeiros instantes, daquelas para cantar junto. Pop, cativante e feita para acender o isqueiro, literalmente. As metáforas encaixam e conectam o rebobinar de memórias de bons momentos. A graça está justamente na sua simplicidade.

A Mistura

“Silêncio” traz o repente para o centro da roda. A conexão com a espiritualidade e a essência se refletem no mantra da canção. A faixa se desconecta para reconectar a mente, o corpo e a alma. Na sequência temos a mais densa do disco, “Medo”. O sentimento cruel de impotência, os conflitos e a coragem se fazem presentes.

“Solidão Vira Revolta” foi o primeiro single a ser lançado e até mesmo ganhou um clipe em 2018. Forte e vibrante, ela se destaca também pela riqueza dos arranjos e ritmo. A resistência e a luta contra o racismo reverbera em seus versos que denunciam a realidade e o sofrimento de milhões.

“Ana Lua” foi uma das últimas canções a ficar pronta mas acabou sendo escolhida para fechar o disco. Uma canção que abre o coração e se entrega de corpo e alma. Entre batuques e cantos, o álbum se encerra.

O Lançamento Ao Vivo

“Temos uma turnê prevista para o Sudeste e Centro-Oeste. E muita gente pedindo que a gente volte para o Nordeste e vá finalmente para o Sul. Tivemos também alguns shows cancelados que esperamos muito que sejam retomados mais pra frente”, adiantam as integrantes. 


O projeto gráfico é assinado por Vini Albernaz (Musa Híbrida); a capa por Rebeca Canhestro

Entrevista: Obinrin Trio

Conversamos com o trio que optou por responder as perguntas coletivamente. Elas contaram mais sobre as emoções, a produção e comentaram sobre o difícil momento que todos temos passado. Confira!

Em tempos de quarentena as pessoas que trabalham com cultura são alguns dos grupos mais afetados com a pandemia do COVID-19. Vocês inclusive realizaram a audição do disco em uma live no Youtube. Como foi essa experiência?

Como é para vocês lançar um disco, em um momento tão esquisito, sem previsão de quando irão poder tocar ao vivo novamente? Por outro lado, o que acham que esse momento de isolamento pode contribuir para os projetos musicais?

Obinrin Trio: “A gente tinha programado fazer uma audição no Estúdio Veredas, a famosa aglomeração. Mas antes mesmo de mandarmos os convites a epidemia ficou mais evidente e cancelamos os planos, de qualquer forma nossa vontade era aproximar algumas pessoas do lançamento, chamar elas pra ouvir o resultado (as participações do disco, xs apoiadores do catarse e as amizades queridas né) antes do dia 03/04.

No fim foi importante manter a audição e tentar achar um novo formato para que desse certo – tivemos uns problemas técnicos na hora de desbravar essa tecnologia, mas foi divertido, tinha algumas pessoas ali bem animadas com a gente, ficamos emocionadas.

Sobre lançar o disco

Lançar um disco agora, em primeiro lugar dá uma sensação de missão cumprida – pois foram muuuuitos meses gestando e encontrando possibilidades para viabilizar a feitura desse álbum. O corona pegou a gente de surpresa, e se os caminhos são sempre incertos agora ficaram mais ainda.

Não sabemos muito bem quais vão ser os efeitos reais a médio prazo no “mercado da música”. A gente precisou evitar pensar se esse momento seria mais ou se seria menos favorável estrategicamente. Olhamos para o que tínhamos na mão e identificamos ali uma parada muito acolhedora, que nos remete diretamente às forças da natureza e os seus elementos de conexão mesmo – e a partir disso rolou a decisão de fazer esse abraço feito de som chegar em todo mundo.

Estamos felizes de poder oferecer algo para as pessoas nesse momento de crise extrema, porque o isolamento, as incertezas e o medo mexem muito com a cabeça das pessoas. Vai ser bom mostrar pro mundo um lance que a gente botou tanto amor.

A delicadeza do momento

Não sei se contribuir é a palavra certa da pandemia pra quem faz música nesse momento, por que ao mesmo tempo que a quarentena nos dá um certo “tempo” pra trabalhar em algumas partes da nossa carreira, a gente tem sofrido os impactos econômicos disso e tem sido duro, então acaba sendo contraproducente.

Perdemos nossa renda, tivemos shows cancelados e também não vamos poder fazer a turnê de lançamento que já estava programada, mas vamos ter paciência e continuar com muito foco, um passo de cada vez.

É bem esquisito não ter previsão de quando vamos subir ao palco de novo pra estrear nosso disco, e é a parte que mais nos preocupa, não poder exercer seu ofício por motivos de força maior – nem o melhor meme brasileiro previa isso e é um pouco triste, mas nadar contra a correnteza é importante.

Ao mesmo tempo confiamos que o disco vem vindo em um bom momento, vai trazer muito amor pra todos que ouvirem, mas só imaginamos que esse momento de voltar pro palco vai ser catártico.”

O álbum reúne composições compostas ao longo dos últimos quatro anos. Como foi para vocês o processo de amadurecimento, experimentação e escolha das composições que culminariam no resultado final? Como foi ouvir pela primeira vez após tudo estar pronto? Quais foram os sentimentos que despertaram?

Obinrin Trio: “Foi difícil acreditar que era verdade; quando ouvimos o disco pronto pela primeira vez. Pensamos e trabalhamos tanto, com tanta vontade. A sensação mais incrível do mundo é perceber que conseguimos realizar exatamente o que sonhamos. Um disco que canta de amor, de conexão com o próprio corpo e mente, que canta nossa luta e de tantxs outrxs.

O Palco como Embrião

Obinrin Trio: “Sobre os caminhos. As escolhas das faixas e o rumo que que elas tomaram, isso se deu muito no palco, e também durante uns ensaios meio doidos que a gente se distraiu e fez mais música. Acho que o processo de amadurecimento das músicas anda junto com o nosso amadurecimento pessoal. E como instrumentistas, quando a gente se juntou não sabia de quase nada disso e nossas referências foram chegando e aumentando; a técnica também.

Esses quatro anos não foram um salto na nossa forma de expressão, foram degraus sendo escalados um por um, isso é bonito. Evoluímos muito tecnicamente nesses 4 anos de banda. Poder ir pra estrada e entrar em um estúdio e pensar um álbum parecia ser muita coisa pra três meninas que mal tocavam, nosso brilho sempre veio dessas vozes que se unem e sai como umas coisa única.

Mas hoje temos mais técnica e tivemos essa chance de colocar isso no disco também. Temos uma ferramenta linda na nossas mãos agora precisamos cuidar e aperfeiçoar ela pra poder chegar em lugares cada vez mais altos.”

As Mudanças e o Caminho Percorrido

Tudo mudou um pouco durante todo esse caminho, gravar foi uma nova chance de pegar músicas que foram surgindo de uma certa forma despretensiosas ao longo do tempo e poder revisitar ela com um olhar mais maduro e com mais recurso pra inserir nas canções.

Algumas músicas deixaram de fazer sentido no meio, tipo “Eu Vim de Lá” e “Manancial”, e teve “Ana Lua” surgindo no final do processo de gravação, literalmente do jeito mais orgânico possível, e foi a faixa escolhida pra fechar nosso disco.

Foi um caminho que teve mais de um ano de duração e maturação. Não sei nem descrever o que sentimos quando ouvimos no estúdio a master finalizada. Ouvir pela primeira vez o disco todo  amarradinho, poder só fechar o olho e sentir cada nota, cada detalhe, sem se preocupar com mais nada, poder só sentir o corpo todo arrepiar e o coração disparar feito uma alfaia no meio dum cortejo. Melhor sensação do mundo

A Primeira Audição

Obinrin Trio: “Ouvir as músicas desde a primeira guia e ver o resultado final foi uma daquelas surpresas boas, é um privilégio poder se expressar e imprimir sentimento em forma de música. foi a coisa mais linda e sincera ouvir tudo aquilo saindo junto, sonhos, crenças, angústias e o amor que fomos nutrindo nesses anos estrada.

O Renascimento

Obinrin Trio: “Pra mim, lançar esse disco é renascer. E renascer com a certeza de que estamos estreitando cada vez mais nossa relação com nós mesmas e com todos que se envolveram e ainda vão se envolver com esse projeto. Com certeza esse disco nos traz ligação, unidade e a liberdade pra diferença”

Ouvindo o álbum senti que tem espaço para amor, realidade social, ativismo, política entre outras coisas ao longo das nove faixas. Contem um pouco mais sobre os backgrounds que ajudaram a construir a narrativa.

Obinrin Trio: “Sinto o origem como se fosse nosso espelho. Onde passamos anos nos olhando, entendendo, reconhecendo e transformando. Tem uma pouco das três ali dentro e cada uma com suas realidades, vidas e desejos bem distintos.

Acho que esse descompasso foi ajudando a construir essa narrativa tão diversa. O álbum e as escolhas dessas faixas foram pensados na mesma lógica que vivemos a vida, de uma forma política e com responsabilidades sociais e raciais carregando o amor como uma ferramenta muito importante pra levar a vida.

A chegança e a despedida do disco, foram pensadas e construídas a partir de uma sonoridade muito específica: a vontade de traduzir o exato momento em que um coro e um cortejo atravessam nosso caminho, pra chamar outras forças, daqueles cantos que vem laaaá de traz. E pra pensar no roteiro, caminho que o disco ia seguir, o processo foi entender os momentos densos e como a gente podia conversar com os respiros, o silêncio.

Nas referências musicais também notei um mix de ritmos e vozes. Quais foram as inspirações tanto no instrumental, como no campo da poesia?

Obinrin Trio: “Dá pra pontuar algumas referências fortes, sem dúvida na lista tem: Ponto BR, Clarianas, Alessandra Leão, Renata Rosa, Luedji Luna. E no instrumental chegamos aos ritmos populares brasileiros, que amamos e sentimos pulsar sempre que a gente escuta, a poesia também vem um pouco sobre a influência popular, do repente da catira do coco falado e das gírias que nos cercam.

Algo que gostei bastante foi da produção, a engenharia de som como um todo se destaca. Como foi este processo?

Obinrin Trio: “Dá pra dizer que o Iran é um mago do som. Nunca vi alguém captar o som de forma tão criativa e orgânica como ele. Cada música foi um processo completamente diferente; pra que pudéssemos extrair o melhor de cada som. O cuidado com os timbres de cada instrumento, de cada voz, cada camada foi essencial pra que pudéssemos chegar nesse resultado e ele foi o grande responsável por isso.

E é ótima essa pergunta. Porque muitas vezes as pessoas concentram os elogios ao artista mas o engenheiro de som é uma peça fundamental nesse processo. O nosso além de fundamental é perfeito e maravilhoso (risos); além de assinar mix e master do disco também co-produziu a gente nesse processo.

Foi natural dar abertura pra ele trazer referências e mostra efeitos e piras para as músicas e no final deu bom, percebemos nesse processo que estávamos sempre pensando quase telepaticamente as mesmas coisas pras músicas e isso foi lindo, sacar nossa conectividade.
O processo de experimentação dos instrumentos em cada música foi muito específico, singular, como por exemplo a alfaia que tá presente em boa parte das músicas do disco e em cada uma tem uma sonoridade e intenções diferentes. Acho que o Iran conseguiu captar muito rápido e com muita perfeição o caminho dos sons, o timbre de cada voz, onde e como elas se encontram juntas, o jeitin (sic) que cada uma toca no instrumento.

Durante as gravações tivemos também a Ju Strassacapa e o Rafael Gomes nos momentos possíveis, trazendo para produção musical do disco coisas muito especiais.

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