Com cenário Pós-Bacurau, Feiticeiro Julião critica a intolerância em vídeo para “Atlântida”

 Com cenário Pós-Bacurau, Feiticeiro Julião critica a intolerância em vídeo para “Atlântida”

Feiticeiro Julião – Foto Por: Diego Lins

O fenômeno é global e o Brasil infelizmente também acompanha a onda. Na última década vimos a ascensão da ultra-direita, o aumento da intolerância e o crescimento da desigualdade social nos mais diversos âmbitos. O novo videoclipe que o pernambucano Feiticeiro Julião lança nesta quinta-feira (12/03) vai justamente por essa linha política, e com astúcia, ironiza os fatos recentes do país.

A metáfora da lenda antiga da existência do continente perdido de Atlântida acaba entrando como elemento na narrativa da produção audiovisual. O continente que supostamente era habitado por um povo mais avançado acabou por submergir após um grande dilúvio. Já no vídeo a força de expressão acaba guiando o espectador para a associação política.

Inclusive ele assina o roteiro de uma canção composta justamente após o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco. “Atlântida” discorre também sobre o desafio de sobreviver da sua própria arte:

“Na letra me dirijo à minha avó, que sempre me aconselha a buscar outras formas de ganhar dinheiro, de me encaixar melhor no sistema. Até falo que não tenho saco pra ser um artista no armário”, brinca Feiticeiro Julião

Lula Livre

“Fiz questão de colocar Lula nas imagens por ser um exemplo de alguém que lutou pra mudar a lógica que rege o Brasil desde a colonização. Estive em Curitiba tocando pra ele na vigília e no Festival Lula Livre em Recife. Meus pais são fundadores do PT em Pernambuco e minha música se confunde com meu ativismo político”, relembra o músico


Feiticeiro Julião Atlântida Videoclipe
Feiticeiro JuliãoFoto Por: Diego Lins

Feiticeiro Julião “Atlântida” (Videoclipe)

A faixa está presente no álbum Feitiço de Viola, lançado no ano passado através do selo gaúcho Honey Bomb Records. E talvez você tenha ouvido falar do músico nos últimos anos por conta do seu projeto de forró, Caramurú e Julião que chegou a circular por alguns festivais Brasil afora.

As gravações aconteceram no litoral pernambucano e trazem constantemente a imagem do mar como plano de fundo para dialogar diretamente com a canção. Já o “vilão” do clipe foi inspirado em Antônio das Mortes, o matador de cangaceiros, personagem de filmes de Glauber Rocha. Mas bem que poderia ser para outro ícone político que adoro apontar “arminhas” com a mão. Repare que ele até mesmo usa a camiseta verde amarela – e isso certamente não é mera coincidência.

“A morte de Marielle Franco foi bem pesada, pois mostrou que esse pessoal da extrema direita não está para brincadeira. Ela era alguém que tinha uma força, uma retórica muito impactante, uma mulher oriunda da periferia que poderia ocupar cargos de maior visibilidade. De lá pra cá, vários ativistas e políticos foram perseguidos e até mortos.

Pouco depois da morte dela, Lula foi preso, num processo altamente fraudulento e político. Eu compus “Atlântida” no meio desse cenário, vendo tanta gente bacana saindo do país, e vendo pouca perspectiva financeira na música.”, lamenta Júlio

O clipe ainda homenageia os Beatles, Alexandres Barros utiliza das vestimentas da fase Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Já Igor Sales aproveita para militar com a camiseta com os dizeres “Ou Lula Ou Nada”.

Assina a direção Dandara Ferreira, já a fotografia foi realizada por Diego Lins.



Pocket show de lançamento no Recife

A exibição será no Armazém do Campo, no bairro de Santo Antônio, às 20h, com entrada gratuita. Julião aproveita a ocasião para um pocket show, com convidados como Marília Parente, Publius e Henrique Costa.

A noite ainda ganhará desdobramentos políticos e quem for poderá presenciar um debate com o tema “A arte como forma de resistência em tempos de autoritarismo”.

O Momento Político Atual segundo Feiticeiro Julião

“Eu observo o momento político atual como uma extensão daquele fascismo que fez tanto sucesso na Europa e deu origem à II Guerra Mundial. Isso envolve um conservadorismo nos costumes, ainda que seja falso; envolve um nacionalismo burro e cego; e um combate, que é também fake, à corrupção, onde todos os “inimigos do rei” são culpados até que provem o contrário.

Enquanto isso temos Queiroz livre, leve e solto, temos Sérgio Moro desmoralizado após a Vaza Jato do Intercept (ainda que o povo não tenha tido acesso, graças à blindagem feita pela imprensa ao seu juiz mascote).

Há erros de estratégia da “esquerda”, claro, mas estamos combatendo uma máquina mundial de conservadorismo (com Steve Bannon e outros mafiosos), que é financiada por bilionários que só pensam em lucrar mais e mais. Além disso, acho importante salientar a questão tecnológica, coisa que foi alertada por autores como George Orwell ainda nas décadas de 30 e 40 do século passado.

As Redes Sociais e a Política

Os donos das redes sociais estão a favor de um projeto político específico. A foto de um seio de mulher é motivo para banir alguém, enquanto ameaças de morte a parlamentares e ativistas (como fizeram com Jean Willys) são considerados liberdade de expressão.

Acho que a arte tem um papel fundamental nisso aí, pois a linguagem da arte tem formas mais sutis e sedutoras do que o discurso partidário, sendo capaz de cativar gente de diversas tendências ideológicas. “Atlântida” é uma música que tem esse objetivo. Ao mesmo tempo que falo sobre as pessoas que tão saindo do país por conta do cenário atual, denuncio também o tratamento reservado aos artistas (“não tenho trato para ser um funcionário/ não tenho saco ser artista no armário”), considerados por muitos vagabundos dispensáveis (e, na maior parte, esquerdistas).
Ano passado criei, junto com Marília Parente, Juvenil Silva e Marcelo Cavalcante, o projeto Avoada, onde compusemos músicas pensando nesse momento mesmo, denunciando o que tem acontecido no Brasil. Já gravamos um EP e lançamos clipes.

O Debate

“Sobre o debate desta 5a feira, traremos um pouco disso. Convidei pessoas da comunicação e da cultura para falar sobre esse papel da arte num momento de censura, de totalitarismo. Queremos pensar em estratégias práticas para a esquerda, pra não ficarmos só no pessimismo alimentado pelas redes sociais.”, reitera Júlio

Ouça Feiticeiro Julião: Feitiço de Viola (2019)



Um ano após o lançamento de Feitiço de Viola…

“Sobre o Feitiço de Viola, álbum que lancei há cerca de um ano, ele me trouxe de volta ao universo da canção, da coisa mais popular mesmo.
As músicas são bem enxutas (o álbum tem quinze minutos, praticamente) e são feitas pra grudar no ouvido. O disco foi gravado no Malunguim Studio, onde tenho gravado a maioria das minhas coisas aqui em Recife.”, relembra o músico

Inspirações do Feiticeiro Julião

“Eu me inspirei muito em Cátia de França, Zé Ramalho, Geraldo Azevedo e toda aquela geração ali dos anos 1970 aqui no Nordeste. Além disso, me inspiro muito no carnaval de Olinda, com as orquestras de rua contagiando o povo, com o lado dionisíaco da coisa.

O disco Feitiço de Viola teve participações bem importantes de Clayton Barros (Cordel do Fogo Encantado), Jade Martins (violino), Alexandre Baros (percussão) e Pierre Leite (teclados).”

A Estrada, o Momento e o Novo Disco

“Agora eu to gravando um disco novo, que se chamará Forró Fora da Toca, onde trago mais canções que grudam no ouvido, só que no formato de forró. Misturado, claro, com a psicodelia.

Viajei por um bom tempo com Caramurú e Julião, um projeto de forró que armei com Caramurú Baumgartner, que é também ilustrador, e circulamos pelo Sudeste e Sul bastante.

Hoje em dia estou curtindo muito o disco de Siba, o Coruja Muda, pois tem umas letras muito curiosas e politizadas, além de arranjos minimalistas que formam um groove contagiante. Gostei muito de ver o show de Josyara aqui no carnaval também, com um violão suingadíssimo. Também estou influenciado pelas viagens ao Sertão que fiz nos últimos meses. Tudo isso estará, de alguma forma, no meu disco novo.”, finaliza Feiticeiro Julião

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