O futuro pós-apocalíptico da natureza se reflete no novo clipe da Bits em Chamas
Bits em Chamas é o novíssimo projeto da dupla Alércio Pereira e Vini Albernaz que também compõe a banda gaúcha Musa Híbrida. O EP de estreia, 2050, lançado em setembro de 2019, teve seu processo de produção realizado à distância. Visto que Alércio vive em Nova Hamburgo (RS) e Vini atualmente reside na capital paulista.
O registro foi lançado de maneira independente ainda no ano passado e explora texturas entre o ambient e a música eletrônica com direito a muito experimentalismo. O As ondas do computador acabam virando combustível para os delírios e ruídos do projeto.
Beats e experimentação se conectam e assim como OK Computer, do Radiohead, ironizam os tempos em que vivemos. De transformação, destruição, caos, ansiedade, desequilibrio e inquietação. A Cuqui (Musa Híbrida), ouvindo o EP, definiu o lançamento como strange pop. E por isso o Alércio traz mais detalhes.
As Camadas de 2050
“Uma floresta de computadores. Madeira mentira e Húmus eram músicas antigas, gravei várias ideias de violões e vozes e o Vini trabalhou em cima desse material. A Tá em chamas foi uma base que ele me mandou pronta, praticamente igual como tá a versão final, eu só escrevi o texto e encaixei nosso som, nessa ideia meio recitativo.
A gente escolheu as outras canções, que tinham uma pegada meio “ecológica”, bem entre aspas, mas que falam de compostagem, decomposição, ciclos, até literalmente madeira, pra que madeira verdadeira se o mundo é madeira mentira.
O Vini, que também é ilustrador e artista visual, tá com essa ideia dos desenhos, quase como quadrinhos, que vão contando uma história sem uma história aparente. Então, a gente tem se trocado, eu mando umas ideias, textos, frases, e a partir também da própria pesquisa dele, ele tá construindo essas imagens. A ideia do Instagram é ter essa autonomia, de ter uma narrativa visual a partir dos posts, que seja outro processo artístico ali também.”
A Motivação
“Um período da vida eu compus muito. Então, eu tenho um monte de música parada, ainda não gravada. A Bits em Chamas é mais uma busca de dar vazão a estas canções. E com ela eu fui descobrindo outras formas de cantar, de escrever.”
“Tá em chamas”
“A faixa “Tá em chamas”, por exemplo, era uma base pronta do Vini. Já era uma música prontinha e uma música muito massa, na real. Ele tinha me mandado mais pra curtir, pra dar uns pitacos e tal. Aí um dia andando de ônibus me veio a letra pra ela.
Fui meio cantando declamando, sussurrando e repetindo na minha cabeça aquela sequência de versos, entoando a coisa, testando coisas. Quando cheguei na UFRGS foi só sentar e passar a limpo o que já tava gravado na cabeça. Depois, umas horas mais tarde, quando cheguei em casa, comecei a testar em cima da base. Gravei com o celular mesmo e mandei pro Vini. Gravei dois takes, um cantando uma melodia um pouco mais alta, outra num registro mais grave. Aquele registro mais grave foi o que acabou ficando mesmo.
Modus Operandi
O legal da Bits também é essa despreocupação, de poder testar coisas, se permitir gravar com o celular, pensar umas música bem mais beatzão e eletrônico afu. Se arriscar, se aventurar por coisas que a gente ainda não trilhou com a Musa, por exemplo. E como é um projeto praticamente anônimo, a gente pode meio que fazer o que a gente quiser. O Instagram por exemplo é só ilustrações do Vini. Uns desenhos muito fodas.
E a gente meio que decidiu que ele não vai ter “foto de banda” ou divulgação de nada. Ele vai ter o seu caminho artístico também, que é a onda do desenho mesmo. Também nessa onda de testar coisas vem o clipe de Húmus. Essa música é bem antiga, na real, mais ou menos de 2012 ou 2013. Tu vê, ela tem a idade da Musa mas por um motivo ou outro nunca entrou pro repertório.”
A Construção
“Cada música tem o seu momento de ser, isso é real. Aí eu tive essa ideia, esse argumento, de ficar cantando enquanto iam me cobrindo com folhas secas, como diz um dos versos da música. A canção foi toda escrita quando eu tava nessa pira da composteira, tinha feito uma no apê que eu morava. E também nessa onda mais declamativa, menos cantada cantada.
Essa coisa de clipe cantando a gente nunca fez com a Musa, por exemplo. E é engraçado até, porque é algo meio clichê ou pop esse lance de clipe com o cantor cantando e tal, fingindo que tá cantando, né, e a gente sempre fugiu um pouco disso com a Musa, e aí agora deu vontade de fazer isso, e deu pra testar como seria fazer isso, porque não é fácil fingir que tá cantando e ficar legal, ficar com uma cara legal, uma expressão legal.”
Liberdade
“Então também foi super um teste, que de novo, com a Bits em Chamas a gente acaba tendo essa liberdade de se permitir fazer coisas, de testar coisas. Em breve dá pra esperar clipes nessa pegada com a Musa, porque foi bem massa de fazer e o resultado foi bem foda também.
Claro, tinha esse nosso amigão, Marcelo Gafanha, que trampa com vídeo faz uma cara, tem uma câmera super boa, tem as manha de fazer a parada. Ele tá morando em Lisboa atualmente, e a gente aproveitou fim começo de ano que todo mundo se encontrou na nossa régua do mundo a cidade de Pelotas.”
A Distância e o Nascimento da Bits em Chamas
“Eu to morando em Novo Hamburgo e o Vini em São Paulo. A Bits nasceu dessa distância, inclusive. E aí nesse encontro a gente resolveu botar em prática a feitura do clipe. O Gafa teve a ideia da câmera lenta, então a gente acelerou a música e eu tive que cantar ela beeeeem mais rápido.”
As Gravações
“A gente gravou e editou em 48 horas. Aproveitando as horas pra se curtir e produzir. Pra quem não tinha pretensão, modéstia à parte, chegamos num resultado beeeem foda. Eu me deitei ali, praticamente nu, e a gente gravou em 3 planos diferentes.
O primeiro do peito e da cara, cantando. Eu tive pouquíssimo tempo pra me acostumar a cantar ela 2.5x mais rápida. E ela já é meio rápida e um monte de texto colado na velocidade normal. Foi meio difícil mas acho que rolou. Tipo, a nossa primeira ideia dos brainstorm da vida era ir até o Retiro (essa casa no meio do mato, dos sogros do Gafa), cavar um buraco, eu entraria nesse buraco e eles começariam a largar lãs coloridas, retalhos de roupa, confete e o escambau.”
A Correria
“Só que tinha aquela questão do tempo, todo mundo com mil coisas e pouquíssimo tempo juntos. A gente foi pra lá tipo umas duas da tarde, pegou a pá e começou a caminhar pelo Retiro e começou a sacar aquelas folhagens no chão. Aquele cenário era muito lindo.
O Vini começou a meter pilha da gente gravar ali mesmo. Fez o meu contorno no chão e a gente começou a catar mais folhas secas, eu encontrei aquelas flores rosas e fui catando uma a uma porque achei que elas iam ficar bonitas no vídeo (ficaram). O Gafanha subiu numa escada e filmou. O Vini ficava do ladrem jogando as folhas secas acumuladas num carrinho de mão. A escada aparece, a sombra da escada, no take dos pés. A gente não se deu conta na hora, que o sol tinha se mexido, como eu disse, foi aquela correria.
Gravamos dois takes cantando, um depois num close a partir da parte do sussurro, um take das minhas partes baixas e outro mais embaixo ainda dos pés. Quando o Gafa mostrou essa foto aí que ele tirou a gente pensou puta merda que coisa linda. E é mais ou menos isso. Tô bem feliz mesmo e espero que outras pessoas possam se conectar e curtir enquanto as minhocas californianas se alimentam transformando o humano eu em húmus.”