De vez em quando “dá uma vontade” de quebrar qualquer tipo de clichê e escrever sobre um disco sem ler nada a respeito dele ele. Em alguns casos isso pode até ser arriscado mas o que é a vida sem se arriscar? É um pouco sobre como me senti ao ouvir este álbum de estreia.
No caso do deste post tenho ouvido o disco tem já algumas semanas e meio que virou trilha sonora destes dias frios da capital paulista. Mas facilmente serve de trilha sonora para qualquer pessoa que perde, se acha e se perde de novo em uma grande metrópole.
Esse sentimento de fuga, aproximação, erro, trabalho, medo, pequenas vitórias, relacionamentos, inseguranças e cotidiano. Esses sentimentos tão erráticos e complementares ganham ainda a cara das ruas, e seu jeito retorcido de contar histórias. Narrativas que poderiam ser as minhas, as tuas, as do teu vizinho…
Como se não bastasse essa sensibilidade, o primeiro álbum do Jeremaia não é nada previsível. Explora camadas, texturas, vanguarda, o novo, beats, loops e mostra uma pesquisa avançada no campo da moda, fotografia (encarte e figurino impecáveis) e colagens. O resultado final consegue sintetizar, de certa forma, como a maturidade do músico André Faria, conhecido pelo projeto ALDO (antigo Aldo, The Band), impõe.
Recentemente a convite da equipe do Podcast Vamos Falar Sobre Música?, que conta com um time formado por por Cleber Facci (Miojo Indie), Isadora Almeida (Soma na Popload Radio), Nik Silva (Monkeybuzz) e Heloisa Cleaver (Revista Balaclava) pude participar de um episódio dando dicas para bandas e você pode ouvir ele aqui.
Além de mim o episódio #40 ainda pode contar com André Faria para além de comentar o recém álbum lançado, mostrar o lado dos artistas. O que deu um equilíbrio bacana para o papo. Conversamos de tantos assuntos que quando notamos tínhamos que encerrar.
Mas de fato já tinha recebido o videoclipe de “No Que Vai Dar” em que ele já adiantava que o disco ia ter entre outras inspirações, um mergulho na literatura de Rubem Fonseca e Dalton Trevisan. Fato que me aguçou a ouvir o debut.
Se você viveu a augusta em seus tempos áureos de inferninhos, música alternativa, perigo e situações um pouco desagradáveis de se passar, vai sentir o disco como se estivesse preso em 2002.
Não que o álbum se restrinja a isto. Muito pelo contrário. Consegue fisgar fãs de Blood Orange, Frank Ocean, Sparklehorse e tantos outros contemporâneos mas a plasticidade da nostalgia faz dele além de um álbum maduro…experimental, pop, e cativante.
Meia-hora de álbum e 8 canções. Até nisto o detalhe. É para ouvir do começo ao fim feito uma história. A primeira música do registro “O Trabalho da Rua Mato Grosso” me lembra até mesmo quando o Milo Garage, importante casa noturna de SP, ficava localizado na Rua Minas Gerais (depois que saiu de lá a casa definitivamente nunca mais foi a mesma), e aquelas longas voltas para casa “um pouco mais para lá do que para cá”. E talvez por isso tenha que me cativado a ouvir mais de uma vez.
Essa nostalgia, e lado escuro sendo parte da construção do cenário. Pense que a Rua Mato Grosso é colada no Cemitério da Consolação. E na faixa ainda fala de oferendas, misticismo, perdição e porque não dizer, maldição. O baixo te carrega ladeira a baixo e você se vê tão perdido – e selvagem – como o interlocutor. Sinestesia.
Narrativa que encaixa com o single “No Que Vai Dar” que parece um sonho acordado, entre experimentações e um casamento esquizofrênico entre Pavement, sintetizadores, baixo funkeado e The Chemical Brothers. Um trabalho de colagens que de tão minucioso ganha corpo e provoca sensações. Tem niilismo, desprendimento, romance, despretensão, e o poder de te levar à bordo de uma viagem que atravessa o tempo e o espaço.
Se você gosta de BadBadNotGood, lo fi hip hop, experimentação, jazz e frequências “Um Novo Dia” vai bater em cheio. É das suas idas e vindas que você entra na faixa que te deixa em transe. É para dançar, sentir o chillhop e se deixar levar pela “marola”. Ao mesmo tempo que ela é cativante, ela é áspera, corrói, e se desfragmenta no horizonte conforme vai chegando ao seu fim.
Sem perder a batida, e até acelerando ela, feito uma canção new wave / new rave / eletropop “Tem que Correr” lembra facilmente as frequências e beats 8 bit de videogames “pré-históricos”.
Um jogo de ação pode ser avistado no horizonte. Sua verve acelera e permite com que o ouvinte se desconecte mais uma vez. Provocando uma sensação de ansiedade, fuga e sobrepondo beats que resultam em uma nova frequência. É o caos da insegurança e medo batendo a sua porta, meu caro amigo. Feito um Kamikaze!
Já “Tanto Faz” chega no pé do ouvido com melodias deliciosas, como as do Khruangbin, e vai crescendo e pulsando no horizonte. O groove e seu exercício vocálico te conduzem para um universo colorido feito uma viagem de LSD.
“Vai e Vem” desacelera ainda mais e narra um pouco da rotina da cidade grande. Nossas inseguranças, perdições e eternos aprendizados. Pulsa, repulsa, se desdobra e se deixa levar. A programação cria uma sensação de estagnação e vontade de fugir. As dores e pavores ganham a soturna narrativa em uma canção que vai buscar por acordes tortos mas que mesmo assim se faz pop. Um pop estranho mas bastante convidativo.
Quando você acha que o álbum não vai mais te surpreender, aparece “Saga da Metralhadora” com seus batuques e viagem “raver”. O universo obscuro de “24 Hour Party People”, de uma Manchester sem regras, indo de encontro com a tenda de uma rave ao ar livre. Algo como se Berlim encontrasse Manchester é uma boa maneira de definir a faixa que experimenta sem medo de errar.
O urbano volta a aparecer na narrativa do disco que explica tanto a loucura de São Paulo. “Maníaco de Linha do Trem” mostra muito bem esses contrastes entre a realidade do dia-a-dia e a eterna luta por se manter são. Esse lado humano e animal é posto em contraste.
Anomalia que só essa eterna tensão por sua vez pode causar. Esquizofrênica a faixa ironicamente te faz dançar mesmo tendo este cenário apocalíptico como plano de fundo.
Plástico, torto, sound & vision, vanguardista, contemporâneo, fugaz, errante, experimental, nublado, pulsante, reverberante e caótico feito nosso dia-a-dia. São 8 faixas do debut do Jeremaia, projeto de André Faria (Aldo) que te permitem entrar de cabeça em um universo distópico, niilista, impetuoso e neurótico feito uma grande metrópole. O músico cria uma narrativa tão sinestésica que nos leva para filmes coloridos e tensos feito “Enter The Void” (de Gaspar Noé).
Irreverente o álbum encantará a quem gostar de artistas inventivos como The Flaming Lips, BadBadNotGood, Frank Ocean, Blood Orange e a verve pulsante do alternative rock dos anos 90 entrelaçada com a contemporaneidade do lo fi hip hop e a inventiva música eletrônica atual. Dance Dance e Decadence Avec Elegance, baby!
This post was published on 18 de junho de 2019 10:10 am
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